O mercado financeiro reagia positivamente à decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de adotar uma meta de inflação “contínua”, em movimento já antecipado que evitou cenários alternativos mais intervencionistas temidos por alguns investidores.
Na véspera, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo comunicou ao CMN que decidiu adotar uma meta de inflação “contínua” a partir de 2025 e que o colegiado optou por manter, em 2026, a mesma meta de 3% já vigente para 2024 e 2025, com 1,5 ponto percentual de tolerância para mais ou para menos.
Haddad pontuou que o horizonte para cumprimento da meta contínua será de 24 meses.
“A reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho trouxe notícias favoráveis ao mercado”, avaliou o Citi em relatório, ressaltando que o evento antes era considerado um vento contrário “significativo” para o desempenho do real e do mercado de dívida.
Desde o início do novo governo, alguns participantes do mercado temiam que as metas de inflação poderiam ser alteradas de forma mais agressiva — como com uma elevação da taxa a ser perseguida nos próximos anos, coisa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a pedir explicitamente –, o que abalaria a credibilidade do país aos olhos de investidores estrangeiros.
Nessa linha, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, disse que a decisão final do CMN “dissipa incertezas que são sempre prejudiciais na condução da política monetária”.
Ele chamou de “meritória” a mudança na forma de apuração da meta de inflação, que passa a ser contínua, uma vez que “alinha o nosso modelo à prática da quase totalidade dos demais países”, acrescentando que a iniciativa “traz mais flexibilidade para a condução da política monetária, pois permite ao Banco Central perseguir a meta de inflação num horizonte de longo prazo, evitando ou minimizando o impacto de uma eventual elevação dos juros sobre a atividade econômica no curto prazo”.
Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, chamou a decisão do CMN de “boa notícia” para a inflação e a economia, ajudando a remover cenários “extremos” das expectativas de investidores e dos preços dos ativos.
A curva de juros mostrava alívio nesta sexta-feira, com as taxas dos principais DIs cedendo ao longo da grande maioria dos vencimentos. Ao mesmo tempo, o dólar caía e o Ibovespa subia, embora também refletindo fatores externos.
“Apesar da expectativa da manutenção da meta em 3%, mercado ainda sentiu alívio com a confirmação”, disse Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter, na esteira da decisão sobre os objetivos de inflação. “A credibilidade no regime de metas é essencial para a reancoragem das expectativas e pode abrir espaço para mais quedas de juros.”
O Banco Central indicou na ata de sua última reunião de política monetária que pode começar a cortar a Selic, atualmente em 13,75%, já em agosto, desde que se mantenha cenário de arrefecimento da inflação.
Há, no entanto, visões um pouco mais conservadoras sobre a decisão do CMN. O economista-chefe da Genial Investimentos, José Marcio Camargo, disse que a mudança para uma meta contínua, além de eliminar um ponto de referência de avaliação da política monetária, deixa em aberto várias questões.
“Quem vai definir o horizonte de política monetária, com base em que critérios? A intensidade e o tipo de choques serão levados em consideração? Quais os critérios de avaliação da política monetária?”, questionou o economista, em nota.
Ele argumentou que “sem ter um ponto de referência a ser perseguido, o regime se torna mais ‘frouxo'”, e “os efeitos sobre as expectativas para a inflação são imprevisíveis”.
Mesmo Oreng, do Santander, que avaliou a decisão do CMN como positiva, reconheceu que ainda é cedo para conseguir medir seu efeito na redução das expectativas de inflação.