A França é um dos maiores produtores de vinho do mundo, ao lado de Itália e Espanha. Os franceses consideram a indústria vinífera uma parte essencial de sua economia e de sua cultura. Mesmo assim, a França está gastando dinheiro público para destruir vinho e para financiar produtores que querem arrancar suas parreiras nas regiões de Bordeaux e do Languedoc.
O governo francês vai comprar US$ 215 milhões em vinho excedente de produtores e reservou mais dinheiro no orçamento para compensar aqueles que vão destruir suas videiras. O excesso de produto já reduziu os preços de alguns vinhos em até 20%. Para combater essa queda, o governo pretende limitar a quantidade oferecida ao mercado.
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Marc Fesneau, ministro da Agricultura francês, disse na sexta-feira (25) que o dinheiro para destruir o estoque excedente se destina a conter o colapso dos preços e permitir que os vinicultores “encontrem novamente fontes de receita”.
Segundo o Financial Times, neste ano a França terá de lidar com um excedente de 3 milhões de hectolitros de vinho. Isso representa 400 milhões de garrafas, cerca de 7% da produção do ano passado. O dinheiro permitirá aos vinicultores destilar o vinho e vender o álcool – com prejuízo – às indústrias química, cosmética e de higiene e limpeza.
Esta não é a primeira vez que o governo institui um programa de recompra. “Estamos produzindo demais e o preço de venda está abaixo do preço de produção, por isso estamos perdendo dinheiro”, diz Jean-Philippe Granier, da associação de produtores de vinho de Languedoc.
O mercado francês de vinhos movimenta cerca de US$ 15,6 bilhões, segundo a empresa de pesquisas IBIS World, e no ano passado as exportações de vinhos e bebidas alcoólica foram de US$ 18,5 bilhões. O país produz mais de 200 variedades.
Mudanças de hábito
A região de Bordeaux é conhecida pelos seus tintos encorpados. O Languedoc é conhecido pelos seus blends tintos. Essas duas variedades foram duramente atingidas pela queda de 32% nas vendas de tintos na França nos últimos dez anos.
O consumo de bebidas vem caindo de maneira generalizada. Segundo pesquisas publicadas pela Reuters, em 2020, cada habitante da França consumiu, em média, 5,6 litros de bebidas alcoólicas. Em 1961, o consumo havia sido de 20 litros.
O fechamento de restaurantes e mercados e o cancelamento de shows e eventos durante a pandemia também atingiram duramente os produtores de vinho. “Nos próximos cinco anos, veremos menos vinhas em Bordeaux”, diz Sylvie Courselle, enóloga do Château Thieuley.
Os consumidores mais jovens têm preferido espumantes, vinho rosé e mesmo cerveja, além de bebidas sem álcool. Prova disso é o crescimento o número de cervejarias na França, que foi de 322 em 2009 para 2.500 em 2021, segundo dados do Statista.
Além disso, dados do instituto francês OFDT mostram que as vendas de vinho caíram mais de um terço entre 2000 e 2020. No mesmo período, houve um aumento de 7% nas vendas de cerveja.
Crise climática
A crise climática também prejudicou a indústria. O período de colheita tem ficado cada vez mais curto desde a década de 1980, à medida que as temperaturas no verão aumentam. Como o governo concorda em compensar os produtores que arrancam os vinhedos para trocar de cultivo, a área plantada vem encolhendo sistematicamente.
Segundo dados estatais, em junho e julho houve 584 pedidos de indenização por parte de viticultores que pretendem encerrar totalmente a sua produção ou diversificar o uso de suas terras. No total, isto corresponde a cerca de 5 mil hectares. “As alterações climáticas podem acelerar esse processo”, diz Courselle.
Os aumentos nos preços dos combustíveis e dos alimentos provocados pela invasão da Ucrânia pela Rússia também fizeram os consumidores gastar menos com bebidas em toda a União Europeia. Segundo a revista econômica Barron’s, o consumo de vinho caiu neste ano 34% em Portugal, 22% na Alemanha e 10% em Espanha.
Outros mercados
A França não é o único lugar com uma indústria vinícola em dificuldades. A Austrália registrou um excedente de 2,8 bilhões de garrafas em 2020, quando a China impôs tarifas de importação por cinco anos. As exportações caíram 10%.
O consumo também está desacelerando nos Estados Unidos e as mudanças climáticas levaram às menores colheitas da história na Califórnia. O lado positivo é que as vinícolas dos EUA não têm excessos de estoque que podem forçá-las a reduzir preços se a procura continuar a diminuir ou se ocorrer uma recessão.
Segundo ela, nos últimos anos os vinicultores tiveram de lidar com tempestades de granizo, geadas e secas que afetaram muito as colheitas. Ela diz acreditar que, no futuro, o maior desafio será o acesso à água, o principal ingrediente para o cultivo da uva.
Prosperidade alemã
A França também está exportando menos. Em 2022, as vendas de vinho francês a outros países caíram 5% ante 2021, segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho. Porém, a crise de uns é a alegria de outros. Ernst Büscher, assessor de imprensa do Instituto Alemão do Vinho (DWI), disse que a alta das temperaturas está beneficiando a produção alemã.
Os vinhedos no norte da Alemanha também tiveram que lidar com geadas, mas a região está mais quente. Neste verão foram registradas máximas de 36 graus Celsius, um recorde para o local. De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, a Alemanha foi o único país da União Europeia em que a atividade cresceu no ano passado. A produção aumentou 6% ante 2021.
Algo semelhante está ocorrendo no Reino Unido. A área plantada mais que quadruplicou desde o ano 2000, segundo a WineGB. Em 2021, as vendas aumentaram 31% ante 2020 para 9,3 milhões de garrafas, a maioria espumantes.