Rupert Murdoch está deixando o cargo de presidente da Fox e da News Corp – encerrando uma carreira de sete décadas como um dos magnatas da mídia mais revolucionários e controversos do mundo.
Numa nota aos funcionários publicada pela primeira vez no Wall Street Journal, controlado por Murdoch, ele escreveu: “Durante toda a minha vida profissional, estive diariamente envolvido com notícias e ideias, e isso não vai mudar. Mas é o momento certo para eu assumir funções diferentes.” Murdoch, de 92 anos, se tornará presidente emérito das duas corporações.
Lachlan Murdoch, de 52 anos, filho mais velho de Rupert, parece ser o sucessor. Na nota, Murdoch chamou Lachlan de “líder apaixonado e de princípios” que pode levar as empresas para o futuro.
“Em nome dos conselhos de administração da Fox e da News Corp, das equipes de liderança e de todos os acionistas que se beneficiaram de seu trabalho árduo, parabenizo meu pai por sua notável carreira de 70 anos”, disse Lachlan em comunicado. “Agradecemos a ele sua visão, seu espírito pioneiro, sua determinação inabalável e o legado duradouro que deixa às empresas que fundou e às inúmeras pessoas que impactou.”
A decisão do fundador da Fox ocorre cinco meses depois de sua rede de notícias pagar US$ 787,5 milhões para resolver um processo por difamação movido pela empresa de equipamentos de votação Dominion. A Dominion acusou a Fox de ter transmitido conscientemente alegações falsas de que estava envolvida em uma conspiração para roubar as eleições de 2020.
A Fox ainda enfrenta um processo por difamação de US$ 2,7 bilhões movido pela Smartmatic, empresa global de tecnologia eleitoral que alega que a Fox permitiu que seus jornalistas e convidados divulgassem falsidades sobre seu envolvimento nas eleições de 2020. Após o acordo, a Fox News demitiu Tucker Carlson, seu apresentador de maior audiência. Carlson alegou que sua demissão fazia parte do acerto, algo negado pela Fox e pela Dominion.
Os últimos dois anos foram tumultuados para o barão da mídia. Além dos processos, Murdoch anunciou que estava se divorciando de sua quarta esposa, a supermodelo Jerry Hall. Uma reportagem contundente da Vanity Fair detalhou uma série de problemas de saúde do nonagenário, que supostamente quebrou a coluna e quase morreu em janeiro de 2018, ao cair em um iate.
Em abril deste ano, Murdoch cancelou abruptamente o seu noivado com Ann Lesley Smith, 66, uma antiga capelã da polícia de São Francisco que se tornou apresentadora de rádio conservadora, alegadamente devido ao desconforto dele e da sua família com as opiniões evangélicas de Smith.
Em seu memorando de saída, porém, Murdoch disse: “Nossas empresas gozam de boa saúde, assim como eu”.
O escritor David Folkenflik, autor de Murdoch’s World: The Last of the Old Media Empires, disse desconhecer qualquer “crise de saúde imediata ou susto, mas isso não significa que isso não possa ocorrer”. Folkenflik disse que, além da idade, o escândalo eleitoral e as próximas reuniões de acionistas da Fox e da News Corp, controladora de seu império jornalístico, podem ter levado ao anúncio.
Jornal na Austrália
A ascensão de Murdoch para se tornar a figura da mídia mais poderosa de sua geração começou em 1952, quando ele herdou a participação do pai no jornal News, de Adelaide, na Austrália. Na década de 1980, seu império jornalístico se estendia por todo o mundo e incluía o Australian, o Times, o News of the World e o Sun no Reino Unido e o New York Post nos EUA.
O império se expandiu nas décadas seguintes, passando para televisão, editoras e cinema. Ele assumiu o estúdio da Twentieth Century Fox em 1985. Lançou a Sky Television no Reino Unido em 1988, criou a editora HarperCollins em 1990 e lançou a Fox News em 1996.
À medida que seu poder crescia, também crescia sua influência. Murdoch moldou gerações de políticos em todo o mundo e escolheu lados, desde o apoio a Margaret Thatcher no Reino Unido na sua guerra contra os sindicatos até ao apoio à vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton. “Ele ficou feliz por influenciar a política desde a invasão do Iraque até ao Brexit e Donald Trump, por quem tinha grande desprezo, mas cujo apoio queria. Isso valeu a pena para ele”, disse Folkenflik.
Proximidade com políticos
A proximidade com políticos também provocou escândalos. As investigações do Guardian revelaram grampeamentos de telefones de políticos, celebridades e pessoas no noticiário por jornalistas da News Corp, causando fúria internacional. Após a notícia de que os repórteres tinham acessado ilegalmente as mensagens de voz da estudante assassinada Milly Dowler, Murdoch fechou o News of The World – o seu jornal mais vendido – em 2011.
Esse escândalo ainda persegue a empresa. O Príncipe Harry está processando a editora do Sun por alegações de coleta ilegal de informações por seus funcionários. O julgamento está previsto para começar em janeiro.
Depois de uma longa batalha com seu irmão mais novo, James, Lachlan Murdoch emergiu como herdeiro aparente de seu pai em 2019, depois que a Fox vendeu seu estúdio de cinema e seus principais ativos de TV a cabo para a Disney por US$ 71 bilhões. Os Murdoch controlam agora um império mediático muito menor, mas que inclui os seus ativos jornalísticos politicamente poderosos e a Fox News.
Lachlan está prestes a assumir o império do seu pai, mas a duração do seu mandato já está sendo questionada. Em O sucessor: a vida de alto risco de Lachlan Murdoch, Paddy Manning, observador de longa data de Murdoch, afirma que os acionistas não estão interessados nos planos de sucessão de Murdoch.
“Um analista de Wall Street que cobriu os negócios de Murdoch durante décadas e está completamente ciente do rompimento no relacionamento entre os irmãos [Lachlan e James Murdoch], declara, em off, que seria justo esperar que Lachlan será demitido no dia em que Rupert morrer”, escreve Manning.
Sucessão
A mudança é o cumprimento de uma promessa indicada pela primeira vez em 2019, quando o Murdoch mais velho nomeou Lachlan como herdeiro de seu negócio. “Esta é a melhor oportunidade de Lachlan provar aos investidores e à sua família que ele é a melhor opção para o futuro”, diz Folkenflik. Mas ele alertou que não se sabe se o sucessor conseguirá manter o império unido. “Os investidores sempre deram um desconto a Rupert durante anos, mas foi para Rupert. Ninguém deposita tanta fé em Lachlan, mesmo que ele tenha feito algumas apostas decentes.”
Nascido em Londres e criado nos EUA desde os três anos de idade, Lachlan tem sido uma figura dominante, mas evasiva, dentro da família Murdoch. Seu primeiro emprego na empresa foi aos 18 anos e, quatro anos depois, ele dirigia seu primeiro jornal em Queensland, Austrália, com o título nacional Australiano caindo sob sua alçada no ano seguinte.
Aos 34 anos, ele era o terceiro executivo mais poderoso da News Corp, com controle sobre várias franquias da Fox TV nos EUA e do New York Post. Mas ele demonstrou capacidade de nadar contra a maré e confundir os observadores da mídia quando, em 2005, se afastou inesperadamente, após uma disputa com o então supremo chefe da Fox News, Roger Ailes, na qual seu pai ficou do lado dele.
Lachlan passou a década seguinte basicamente no exílio. Ele voltou à Austrália com sua esposa australiana Sarah e seu filho (o casal teve mais dois desde então). Lá ele fundou uma empresa de investimento privado, a Illyria, e desenvolveu seu próprio portfólio de mídia. Voltou aos negócios em 2014, após um lobby intenso do seu pai, ganhando inevitáveis manchetes apelidando-o de “filho pródigo”.
Seu retorno rapidamente o colocou de volta na ascendência, eclipsando o status de seu irmão mais moderado e mediano, James, e das irmãs Elisabeth e Prudence. Depois que uma fatia do império Murdoch, a 21st Century Fox, foi vendida para a Disney em 2019, Lachlan foi nomeado presidente e CEO da Fox Corporation.
Conflito familiar
Ao deixar clara a sua intenção de passar o império para Lachlan, Murdoch espera evitar uma briga entre os irmãos após a sua morte. No fundo fiduciário da família foi estabelecido que os quatro filhos de Murdoch partilham conjuntamente a participação familiar, indicando que ainda poderá haver problemas pela frente.
As tensões entre Lachlan e James foram bem documentadas, e também não está claro até que ponto suas irmãs apoiariam. Folkenflik disse que embora estivesse claro que Rupert Murdoch queria que Lachlan liderasse o império no futuro, “não está nada claro que isso seja algo que seus irmãos, que estão na confiança, abracem completamente”.
Lachlan Murdoch traz para o cargo um estilo de liderança e afinidades políticas claramente mais alinhadas com as de seu pai. Embora James nos últimos anos tenha se tornado um crítico de bastidores da Fox News e de sua influência na política americana, Lachlan tem sido amplamente assumido como compartilhando a política de extrema direita cada vez mais defendida pelo canal como parte da revolução “Make America Great Again” (MAGA) de Donald Trump.
No entanto, seria errado classificar Lachlan como um guerreiro MAGA. De acordo com o redator de mídia Michael Wolff em seu novo livro The Fall: The End of Fox News and the Murdoch Dynasty, Ailes desdenhou Lachlan. Ainda segundo Wolff, durante a campanha presidencial de 2016, Lachlan manteve papel higiênico impresso com o rosto de Trump em sua casa e que disse a amigos que sua família chorou quando Trump foi vitorioso.
Apesar das tendências da elite, Lachlan Murdoch mostrou ser um lutador leal quando se trata de seguir os passos controversos de seu pai. Ele esteve na frente e no centro de muitas das ações recentes mais controversas da Fox News.
Ele desempenhou um papel importante na ascensão de Tucker Carlson como a maior e mais extrema estrela da Fox News, defendendo o comentarista do horário nobre quando ele difamou os imigrantes por tornarem a “América mais suja”. De acordo com Wolff, Rupert Murdoch a certa altura reclamou que seu filho queria que Carlson concorresse à presidência – “Meu filho quer seu próprio presidente”, ele teria dito.
Processos
Quando se trata de lidar com agressores, Lachlan provou ser um sucessor de seu pai, exibindo os mesmos instintos do lutador implacável. Os resultados, porém, nem sempre foram felizes. No mês passado, ele foi forçado a pagar mais de US$ 800 mil em honorários advocatícios à empresa australiana Private Media depois de abandonar um processo por difamação contra seu canal Crikey. Chamou-o de “co-conspirador não indiciado” na insurreição de 6 de Janeiro de 2021 no Capitólio dos EUA.
Lachlan também foi implicado na ação movida pela empresa de sistemas de votação Dominion, que provocou a queda de Carlson. Em documentos legais, Dominion acusou Lachlan de desempenhar um papel central ao permitir que os apresentadores da Fox News transmitissem mentiras sobre suas máquinas de votação de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2020.
A empresa disse que seu envolvimento na disseminação das falsidades negacionistas eleitorais foi “direto”.
O material obtido pela Dominion sob divulgação também mostrou Lachlan Murdoch desempenhando um papel prático na determinação do impulso político da Fox News em favor de Trump. Desde então, as relações entre Trump e os Murdoch esfriaram. E o sucessor de Rupert terá a tarefa hipersensível de dirigir a rede durante as eleições presidenciais de 2024, sendo Trump o provável candidato republicano.