Em 17 de julho de 2023, Julian Sevillano, sócio da consultoria McKinsey, subiu ao palco na Bolsa de Valores de Nova York para falar sobre os encantos da tecnologia blockchain, insistindo que sua utilidade vai muito além do mercado de criptomoedas, marcado por escândalos.
O bitcoin, o ether, o solana e as mais de 10 mil outras criptomoedas estão 60% abaixo do pico de novembro de 2021, resultando em uma perda de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) em valor de mercado. As plataformas de criptomoedas têm sido alvo de hacks regulares, e suas empresas mais importantes têm sido alvo de reguladores. Ainda assim, Sevillano insistiu que a tecnologia subjacente a essa moeda digital ainda era viável e tinha um futuro promissor. “Isso é blockchain, não criptomoedas, e tem utilidade real”, afirma o parceiro da McKinsey.
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Ele explicou os conceitos básicos, definindo termos digitais como “contratos inteligentes” (transações que são executadas automaticamente) e explicou como ativos financeiros tradicionais, como ações, títulos e imóveis, poderiam ser “tokenizados”, recebendo um código blockchain que permitiria sua transferência ao redor do mundo em segundos, em vez de horas ou dias, como é o caso atualmente.
No entanto, apesar de todo o discurso sobre a eficiência, havia uma certa superficialidade na apresentação. Poucas empresas adotaram a tecnologia, e muitos projetos ainda enfrentam os mesmos desafios e debates de anos atrás. A tokenização pode até ser o futuro dos serviços financeiros, mas parece estar muito longe de se concretizar.
A tecnologia blockchain insiste em pagamentos instantâneos em tempo real em qualquer lugar do mundo por centavos de dólar, ferramentas para proteger identidades e informações pessoais dos olhos curiosos de reguladores e empresas, e uma proteção contra políticas governamentais inflacionárias. Nesse conjunto de benefícios também se encontra a tokenização, recibos digitais para ativos do mundo real, como imóveis, arte, títulos ou até propriedade intelectual.
Um relatório de 2015 da divisão de capital de risco do Banco Santander afirmou: “A tecnologia de contabilidade distribuída poderia reduzir de US$ 15 a US$ 20 bilhões dos custos dos bancos com pagamentos transfronteiriços, negociação de títulos e conformidade regulatória até 2022”. O ano passou sem nenhum efeito notável.
Tokenização
O mergulho mais proeminente no mundo da tokenização aconteceu em março de 2015, quando uma startup de Nova York chamada Digital Asset Holdings (DAH) recrutou Blythe Masters para ser sua CEO. Masters foi executiva do JPMorgan por 28 anos, inventou os swaps de crédito, uma ferramenta inteligente para investidores se protegerem do risco. “Você deveria estar levando essa tecnologia tão a sério quanto deveria ter levado o desenvolvimento da internet no início dos anos 1990”, disse Masters em uma entrevista de 2015 à Bloomberg.
Em 2017, a DAH fechou um contrato com a Bolsa de Valores da Austrália para substituir um sistema antiquado. Mas após cinco anos, o negócio teve seu encerramento anunciado. O projeto apresentava atrasos ligados à estabilidade, escalabilidade, governança e gerenciamento geral do projeto. A Bolsa contabilizou uma perda de US$ 165 milhões em seu investimento (R$ 822 milhões).
A empresa de tokenização foi recentemente adquirida pela Depository Trust and Clearing Corporation (DTCC) por US$ 50 milhões (R$ 249 milhões), com 50% de desconto em relação ao seu valor em março de 2021.
“Todos, desde a Blackrock até o Goldman, estão dizendo que a tokenização é o futuro. O problema é a interoperabilidade e a liquidez. Os bancos se associam com a empresa XYZ, fazem uma emissão e depois divulgam um comunicado de imprensa. O que acontece a seguir? Nada. Porque não podem ir a lugar algum”, afirma Nadine Chakar, CEO da Securrency.
Antes da aquisição, a empresa havia adotado uma abordagem diferente. Ela se associou à WisdomTree para lançar uma série de fundos tokenizados e um aplicativo que oferece uma abordagem de baixo custo para fundos de acompanhamento de índices de ações e títulos do Tesouro. Esses fundos têm um investimento mínimo de US$ 25 e uma baixa taxa de despesas de 0,05%. Embora isso ainda seja mais caro do que a negociação sem taxas disponível em outras plataformas. Até o momento, os nove fundos têm ativos combinados no valor de apenas US$ 12 milhões (R$ 59 milhões).
O único uso moderadamente bem-sucedido da tokenização tem sido os stablecoins. O mercado global subiu para US$ 127 bilhões (R$ 633 bilhões) em apenas alguns anos, mas o uso principal das tokens tem sido facilitar negociações especulativas em bolsas de criptomoedas não regulamentadas. Além disso, o mercado é dominado pela Tether, uma entidade que opera há muito tempo fora do escrutínio regulatório. A entidade, que possui US$ 84 bilhões (R$ 418 bilhões) em ativos, nunca foi auditada e se recusa a divulgar os bancos que utiliza para manter os fundos.
Ainda assim, pilotos de tokenização e comunicados de imprensa continuam a ser produzidos em série. Nas últimas semanas, o Citi anunciou um plano para começar a tokenizar os depósitos dos clientes no banco, para que possam enviar fundos instantaneamente para qualquer lugar do mundo, independentemente do horário. A Bolsa de Valores de Londres também deseja lançar um negócio de tokenização de negociações, que provavelmente se concentrará inicialmente em private equities.
Murray Roos, chefe de mercados de capitais do LSE Group, ecoou comentários feitos pela ASX anos atrás, dizendo que a tecnologia havia atingido um “ponto de inflexão” e “a ideia é usar a tecnologia digital para tornar um processo mais eficiente, suave, barato e transparente… e tê-lo regulamentado”.