Há exatos 12 meses, na noite da quarta-feira 11 de janeiro de 2023, a Americanas (AMER3) surpreendeu o mercado ao divulgar um Fato Relevante em que anunciava “inconsistências contábeis” que poderiam chegar a R$ 20 bilhões. A notícia fez as ações caírem 77%, a maior baixa individual de um papel na B3 desde o início do Plano Real, em 1994. A débâcle se alastrou pelo setor e derrubou as ações dos grandes bancos, todos credores da Americanas. Um ano de investigações depois, a dívida chegou a R$ 43 bilhões, reconhecidos no processo de Recuperação Judicial (RJ) da rede, aceito pela Justiça em dezembro de 2023.
O reconhecimento da fraude custou caro. O valor de mercado da grande varejista era de R$ 10 bilhões no dia 11 de janeiro de 2023. Passado um ano, a empresa vale apenas R$ 783 milhões, uma queda de 92,7%. A varejista dá passos em seu processo de recuperação judicial para reconquistar aquilo que já foi um dia, mas ainda parece estar longe disso – se é que vai retornar à antiga proeminência.
As rede de lojas físicas da companhia encolheu 6,5%, caindo de 1.882 unidades em dezembro de 2022 para 1.759 pontos até novembro de 2023. A empresa viu o número de clientes ativos encolher em mais de 7,5 milhões nesse período. O evento afetou até o mercado de trabalho. A rede tinha 44 mil funcionários antes da crise. Agora, o quadro de colaboradores encolheu 23% para 33,8 mil trabalhadores.
O rombo foi sentido na economia como um todo. A quinta maior varejista do país conseguiu esconder por muito tempo um calote bilionário do mercado de crédito e de grandes bancos, que inflou seus resultados em R$ 25,3 bilhões. “Se uma das maiores empresas do Brasil, que possuía um grande quadro de funcionários, fraudou e não foi descoberto anteriormente, a confiança do investidor consequentemente diminui”, diz Gabriel Meira, especialista da Valor Investimentos.
O impacto dessa inconsistência esbarrou nos fundos de crédito privado, que compram títulos de renda fixa de empresas, como debêntures, CRIs e CRAs. Na prática, esses fundos emprestam dinheiro a grandes companhias. De janeiro a junho do ano passado o segmento amargou resgates líquidos de R$ 72,5 bilhões.
Mas os peixes grandes também foram levados nessa maré de azar da Americanas. De acordo com a lista protocolada na RJ, os principais credores eram Bradesco (BBDC4) com dívida de R$ 4,5 bilhões, Santander Brasil (SANB11) com R$ 3,6 bilhões, BTG Pactual (BPAC11) com R$ 3,4 bilhões, Banco Votorantim com R$ 3,3 bilhões, Itaú Unibanco (ITUB4) com R$ 2,7 bilhões e Banco Safra com R$ 2,5 bilhões.
“Em momentos assim, a desconfiança aumenta e o risco por consequência. O risco representa aumento de juros e dificuldade de acesso a crédito a essas empresas para os bancos”, diz Carlos Honorato, professor de economia da FIA Business. “No geral, o setor fica fragilizado.”
Em outubro de 2023, a agência de classificação de risco Fitch reafirmou o rating de inadimplência do emissor da Americanas em ‘D’. Isso significa que a empresa apresenta um risco muito elevado de não honrar seus compromissos financeiros.
Salva-vidas
Nadando contra a corrente, a Americanas tenta sobreviver. A varejista teve seu plano de recuperação judicial aprovado pelos acionistas em dezembro. A empresa contou com a adesão dos detentores de 97% da dívida concursal da companhia. O plano ainda precisa ser homologado pela Justiça e, a partir disso, a empresa terá dois anos para executá-lo.
Os grandes bancos apoiaram e até mesmo o Safra, que afirmava que os termos do processo de recuperação implicavam na interrupção das investigações sobre a fraude contábil, mudou de posição.
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O principal ponto da proposta de reestruturação das Americanas envolve a incorporação de R$ 12 bilhões no capital da empresa. Essa quantia provém dos três principais acionistas, os bilionários do 3G Capital Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, que possuem 30% das ações da varejista.
Até o momento, aproximadamente R$ 1,5 bilhão já foi aportado. Após a aprovação do plano, está previsto que mais R$ 3,5 bilhões serão injetados nos próximos dias. Considerando a necessidade total de R$ 24 bilhões, os outros R$ 12 bilhões serão provenientes dos bancos credores. Estes converterão parte da dívida em ações, passando a deter 48% da participação na empresa.
Além disso, o plano contempla a venda da Natural da Terra e a aquisição de 70% da Uni.Co. “Com um plano de recuperação judicial factível e apoiado pelos principais credores e acionistas de referência, temos o caminho bem pavimentado para a reconstrução operacional e financeira da Americanas”, escreveu Leonardo Coelho, CEO da Americanas, em nota ao mercado.