Charles Munger (1924-2023) e Warren Buffett, nascido em 1930, foram sócios na Berkshire Hathaway durante décadas. Na carta aos acionistas divulgada no domingo (25), Buffett lembrou o sócio e amigo, falecido em novembro de 2023 poucos dias antes de completar 100 anos. Apesar de terem crescido a poucos quarteirões um do outro na cidade de Omaha, Nebraska, eles se conheceram apenas em 1959, e logo passaram a investir juntos e a discutir estratégias de investimento.
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Três anos depois, lembrou Buffett, Munger disse que a decisão recente de comprar o controle da Berkshire havia sido estúpida. “Ele estava certo”, escreveu o bilionário. Na carta, Buffett relembrou algo que bem conhecido por quem acompanha a trajetória da Berkshire. Munger fez a empresa alterar sua estratégia e, com isso, obteve grandes lucros.
Ao começar sua trajetória como investidor, o bilionário seguia a fórmula de Benjamin Graham (1894-1976), que consiste em comprar ações com uma chamada “margem de segurança”. Ou seja, investir apenas em momentos em que as cotações estão tão baixas que é impossível perder dinheiro. Em uma imagem do próprio Graham, essa estratégia é como o (pouco saudável) hábito de recolher bitucas de cigarro na rua para dar uma última tragada.
Munger mudou isso. Ele disse a Buffett: “abandone essa estratégia de comprar empresas razoáveis a preços maravilhosos, e passe a comprar empresas maravilhosas a preços razoáveis”.
Ou seja, em vez de comprar apenas uma companhia por estar barata, procure o chamado “valor intrínseco”. Algo que não possa ser reproduzido. Uma marca global, como Coca Cola ou Apple. Um serviço imprescindível, como transporte ferroviário. Ou algo que produza um excesso de capital para ser reinvestido, como seguros.
Munger se contentou em ficar mais longe dos holofotes do que Buffett. No entanto, o sócio que sobreviveu a ele sempre reconheceu sua contribuição. “Munger me dizia quando eu estava errado”, escreveu Buffett na mais recente carta aos acionistas da Berkshire. A seguir, algumas das lições ensinadas por ele.
1) Procure valor, não preço
Em seus primeiros investimentos, Buffett procurava empresas baratas, ou com ativos que não estavam expresso nos preços das ações. Por exemplo, companhias antigas com grandes posições de caixa. Isso mudou na compra da See’s Candy, empresa de chocolates adquirida em 1972 por US$ 25 milhões.
Na época, a companhia faturava US$ 30 milhões e dava US$ 4,2 milhões de lucro. Atualmente, sua receita é de US$ 380 milhões e os lucros chegam a US$ 80 milhões. Mais do que isso, a baixa demanda por capital e a pequena necessidade de investimentos. Na carta aos acionistas de 2019, Buffett calculou que desde a aquisição, a empresa gerou US$ 2 bilhões em retorno para a Berkshire.
A empresa custou caro para os padrões de Buffett, mas era um negócio lucrativo. Em vez de procurar preço, o bilionário comprou valor e foi recompensado.
2) Compre empresas que não podem ser reproduzidas
Um das participações minoritárias mais importantes da Berkshire é a Coca-Cola. A companhia é lucrativa, tem um valor de mercado de cerca de US$ 260 bilhões (R$ 1,29 trilhão) e sua logomarca é um dos sinais mais conhecidos do mundo. Mesmo um eventual investidor que tivesse US$ 260 bilhões (algo que até a Berkshire teria dificuldade em levantar) para criar uma concorrente da Coca-Cola teria, ao fim do processo, uma marca desconhecida.
Qualquer empresa de bebidas medianamente competente pode fabricar um refrigerante semelhante à Coca-Cola. Nenhuma é capaz de reproduzir sua marca. Na expressão de Munger, a Coca-Cola é como um castelo medieval que tem um fosso a seu redor, impedindo a entrada de concorrentes.
3) Garanta receitas recorrentes
Munger e Buffett sempre evitaram disputas corporativas, mas não puderam evitar uma no início dos anos 1970, quando compraram o jornal Buffalo News. Um concorrente levou a Berkshire aos tribunais. Munger, advogado por formação, testemunhou em defesa da dupla e explicou que o melhor negócio era comprar uma ponte que cobrasse pedágio. “Ela já está lá, já foi construída, não vai sair do lugar, e todos têm de passar por ela para atravessar o rio, e pagar por isso.” Nessa época, não por acaso a Berkshire tinha uma participação na única ponte dos Estados Unidos que cobrava pedágio.
O mesmo princípio foi usado em outra aquisição clássica da Berkshire, a participação na Gilette. Buffett escreveu em uma de suas cartas aos acionistas, referindo-se à empresa: o sonho de qualquer investidor é uma empresa que domine o mercado e fabrique um produto que metade da humanidade tem de usar todos os dias e jogar fora após o uso.
4) Reinvista os fluxos de caixa
Reza a lenda que, em sua viagem de lua de mel em 1955, Buffett parou o carro em frente ao prédio da seguradora Geico para conversar com os executivos da companhia. Ele sempre foi um entusiasta de investimentos em seguradoras, ainda hoje o principal negócio isoladamente da Berkshire. O que o atraiu foi o capital dessas empresas: seguradoras vendem apólices e recebem o dinheiro antecipadamente. Elas só terão de pagar as indenizações se ocorrerem sinistros. Assim, uma boa gestão de risco pode garantir um fluxo constante de receitas.
Esse conceito era familiar a Buffett desde sempre, mas Munger foi o pioneiro em desenvolver a estratégia de usar o capital excedente para comprar outros investimentos que, por sua vez, também gerariam uma renda passiva.