A Axiom Space, uma startup cofundada pelo bilionário Kam Ghaffarian, tem um objetivo ambicioso: construir estações espaciais privadas que permitam que humanos vivam e trabalhem fora do planeta em grande escala. No entanto, a empresa com sede em Houston tem enfrentado uma preocupação mais terrena — uma luta pela sobrevivência.
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De acordo com documentos internos, sete ex-funcionários que falaram sob condição de anonimato devido a acordos de confidencialidade, e especialistas da indústria espacial, a companhia está lidando com uma grave escassez de recursos, desafios de negócios e um fracasso em suas últimas tentativas de captação de recursos. A nova realidade resultou em demissões em massa e cortes salariais.
Os planos da Axiom
A Axiom tinha a intenção de construir uma estação orbital usando a Estação Espacial Internacional (ISS) como base. O plano era construir de forma modular, conectando seções da “Estação Axiom” à ISS. Depois do trabalho finalizado no espaço, ela seria separada da estação para voar de forma independente. A empresa planejava ganhar dinheiro recebendo turistas e empresas interessadas em usar as condições de microgravidade para o desenvolvimento de medicamentos e fabricação de semicondutores. A Forbes apurou que esse plano foi alterado devido ao lento progresso da Axiom no primeiro módulo e à possibilidade de a ISS ter que ser desativada dois anos antes do previsto.
Agora, um ano após levantar US$ 350 milhões (R$ 1,925 bilhão) em uma rodada liderada pela Aljazira Capital, da Arábia Saudita, e pela farmacêutica sul-coreana Boryung, avaliando a empresa em US$ 2 bilhões (R$ 11 bilhões), totalizando US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,75 bilhões) em financiamento, a startup está lutando para convencer investidores a aportar mais dinheiro para financiar uma estação menor e com menos potencial comercial. As informações são de ex-funcionários da companhia.
A falta de novos investimentos agravou desafios financeiros de longa data que cresceram junto com a folha de pagamento da Axiom. No início deste ano, a companhia contava com quase mil funcionários. Fontes familiarizadas com as operações da empresa disseram à Forbes que o cofundador e CEO Michael Suffredini, que passou 30 anos na NASA, gerenciava a Axiom como um grande programa governamental, em vez de uma startup com recursos limitados. Sua ordem de aumentar a equipe para 800 trabalhadores até o final de 2022 levou a uma contratação em massa tão desconectada das necessidades de desenvolvimento de produtos que novos engenheiros frequentemente se viam sem nada para fazer.
Em entrevista à Forbes, Ghaffarian reconheceu que a Axiom enfrentava desafios, incluindo um ambiente de captação de recursos difícil, que exigia um “ajuste” no quadro de funcionários. No entanto, ele disse que espera fechar um novo financiamento até o final do ano e que o futuro é promissor. “Todas as minhas [empresas espaciais], onde estamos fazendo coisas que nunca foram feitas antes, não seguem um caminho reto.”
O início
Quando a Axiom foi fundada em 2016, prometeu aos investidores que o primeiro módulo da estação estaria no ar em 2020. Com esse prazo se afastando, a Axiom procurou expandir para duas novas linhas de negócios para trazer receitas urgentemente necessárias enquanto a estação estava em desenvolvimento.
Em 2020, começou a organizar viagens de passageiros para a ISS em foguetes da SpaceX. A empresa apresentou essas missões privadas como uma maneira de desenvolver a capacidade de, um dia, levar negócios para sua própria estação espacial. E em 2022, ganhou US$ 228 milhões (R$ 1,254 bilhão) em financiamento da NASA para projetar trajes espaciais para a missão lunar Artemis III.
Mas o programa de trajes espaciais desviou engenheiros e recursos do esforço de construção da estação. Além disso, o serviço de passageiros para a ISS acabou se revelando uma distração que gerava grandes prejuízos. “Acontece que não há muitos bilionários dispostos a deixar suas vidas de lado por 18 meses para treinar como astronautas para a ISS”, afirmou um ex-executivo da Axiom à Forbes.
História bilionária
A Forbes estima que Ghaffarian tenha um patrimônio de US$ 1,7 bilhão (R$ 9,35 bilhões), graças a uma série de empresas de tecnologia espacial que ele fundou, incluindo uma companhia de serviços governamentais que vendeu para a KBR por US$ 355 milhões (cerca de R$ 1,96 bilhão); a Intuitive Machines, de capital aberto (capitalização de mercado: US$ 770 milhões, R$ 4,24 bilhões), que está desenvolvendo módulos lunares; a Quantum Space, que levantou US$ 15 milhões (R$ 82,5 milhões) na Série A em 2022 para construir uma rede de reabastecimento para espaçonaves; e a Axiom, na qual Ghaffarian possui uma participação de 42%.
Ele e Suffredini fundaram a empresa com a crença de que os avanços tecnológicos e os custos de lançamento mais baixos permitiriam a construção de uma estação espacial privada por uma fração do preço da ISS, que custa US$ 150 bilhões (R$ 825 bilhões).
Eles almejavam criar uma substituta para a ISS por apenas US$ 3 bilhões (R$ 16,5 bilhões), em parte usando a antiga estação como base. Em 2019, a NASA concedeu à Axiom um contrato de US$ 140 milhões (R$ 770 milhões) para construir e operar um módulo habitável na ISS que serviria como a primeira parte de sua estação. A Axiom poderia obter energia e suporte de vida da ISS enquanto construía o restante, permitindo que começasse a receber turistas e clientes antes que a estação estivesse completa.
Com a captação de recursos desacelerando, a principal forma que a Axiom planejava usar para financiar a estação eram os voos espaciais privados para a ISS — uma apresentação de 2023 revisada pela Forbes previa que eles gerariam metade dos US$ 3 bilhões (R$ 16,5 bilhões) necessários.
Problemas com as contas
A Axiom se viu lutando para pagar a folha de pagamento, que chegou a US$ 10 milhões (cerca de R$ 55 milhões) por mês no início de 2023, segundo um documento interno, e atrasou pagamentos a fornecedores, afirmaram ex-funcionários. Entre eles estão a Thales Alenia Space, que está construindo a estrutura do primeiro módulo da estação espacial da Axiom, e a SpaceX, à qual a empresa pagou centenas de milhões de dólares por quatro lançamentos de foguetes de passageiros para a ISS.
“As rodadas de captação de recursos nunca foram suficientes para nos manter à frente da curva e a receita certamente não estava fechando o buraco”, contou o ex-executivo à Forbes. “Com cada rodada, assim que o dinheiro entrava, você pagava a SpaceX, pagava a Thales Alenia, pagava suas contas e então já era.”
Ghaffarian disse que a Axiom havia acertado novos prazos de pagamento com a SpaceX e outros fornecedores. A porta-voz da Thales Alenia, Catherine des Arcis, afirmou: “Temos uma relação muito forte e de confiança com a Axiom Space.” A SpaceX não quis comentar.
Para cobrir os débitos, Ghaffarian injetou dezenas de milhões de dólares na empresa. A informação foi confirmada por ela à Forbes. John Shoffner, um empresário rico que comprou um assento na segunda missão privada da Axiom para a ISS, emprestou US$ 10 milhões (cerca de R$ 55 milhões). Seu empréstimo ocorreu antes do voo em 2023, disseram ex-funcionários. (“Tenho orgulho de ser tanto astronauta quanto investidor na Axiom Space”, disse Shoffner em um e-mail à Forbes.)
Mas isso não tem sido suficiente, e a startup tem reduzido discretamente o número de funcionários. Ghaffarian afirmou que cerca de 100 pessoas foram demitidas este ano. Os funcionários foram solicitados a aceitar cortes salariais voluntários de até 20% ao longo dos próximos 12 meses em troca de ações da empresa. Enquanto isso, a Axiom tem visto uma debandada de altos executivos.
O preço de mercado atribuído à Axiom pelos investidores agora parece uma maldição, segundo um executivo da indústria espacial. “Eles chegaram a um ponto em que não conseguem levantar capital”, disse ele. “Kam não teve escolha a não ser intervir e tentar juntar os cacos.”
Mas, em vez de recuar, Ghaffarian insistiu que “nosso plano é aumentar o escopo de atuação.” Na narrativa de Ghaffarian, a Axiom vai ajudar a construir uma economia próspera em baixa órbita terrestre, onde sua estação espacial será um precursor de “uma cidade espacial” com serviço de transporte a cada hora. Investidores céticos acabarão se convencendo do que os otimistas como ele estão criando. “As pessoas dizem: ‘Eu acreditarei quando eu ver,’” disse Ghaffarian. “Eu acredito, então eu verei.”
Dinheiro insuficiente
Embora os três voos até agora tenham gerado bastante atenção da mídia, a Axiom perdeu dinheiro em todos eles, afirmam ex-funcionários. As contas da SpaceX têm sido altas: segundo documentos internos, a Axiom deve pagar cerca de US$ 670 milhões (R$ 3,6 bilhões) por quatro lançamentos do Dragon 2. Os documentos mostram que a startup esperava perder cerca de US$ 30 milhões (R$ 165 milhões) no primeiro voo, em abril de 2022, e que as perdas diminuiriam a partir daí.
No entanto, ex-funcionários afirmam que as perdas foram, na verdade, dezenas de milhões de dólares a mais, pois a empresa não contabilizou os custos dos aproximadamente 60 funcionários contratados para operar as missões. Além disso, após o primeiro voo, a NASA estipulou que um dos quatro assentos do Dragon 2 deveria ser ocupado por um comandante de missão experiente da NASA — às custas da Axiom.
Isso deixou a empresa, que já havia informado aos clientes que o preço de um assento variava entre US$ 50 milhões e US$ 55 milhões (cerca de R$ 275 milhões a R$ 302,5 milhões), em uma situação difícil; agora, era impossível alcançar o equilíbrio financeiro. “Não estávamos nem perto”, disse um ex-executivo.
O diretor de receita, Tejpaul Bhatia, estava totalmente focado em vender assentos e receber pagamentos, mas foi uma luta interminável para a Axiom cobrir suas contas. No final, apenas quatro dos seis assentos disponíveis nos dois primeiros voos foram vendidos para turistas espaciais ricos, a um preço médio de US$ 48 milhões (R$ 264 milhões) cada.
Para o terceiro voo, a Axiom conseguiu vender assentos para países sem programas de lançamento espacial, a um valor um pouco acima de US$ 50 milhões (R$ 275 milhões) cada, mostram documentos internos. Mas não foram vendas fáceis. “Assim que o preço entrava na conversa, as coisas costumavam ficar em silêncio”, disse um ex-funcionário.
Ghaffarian afirmou que as perdas nas três primeiras missões eram “parte do plano desde o início”, pois representavam o “custo de aquisição” para construir relacionamentos com agências espaciais globais que resultarão em vendas lucrativas no futuro. A quarta missão da Axiom, programada para 2025, “será neutra ou positiva em termos de fluxo de caixa”.
E a estação espacial da Axiom?
Em meio ao foco em lotar as missões de astronautas, a empresa negligenciou o desenvolvimento de parcerias e clientes para fabricação e pesquisa na estação espacial, o que poderia ter ajudado a convencer os investidores sobre o negócio. E agora, a Axiom está anos atrasada na construção.
Parte do problema é que a startup foi forçada a mudar radicalmente o design devido ao seu progresso lento e à possibilidade de a ISS ser desativada antes do previsto, disseram quatro ex-funcionários. A Axiom planejava acoplar dois módulos à ISS em 2024 e 2025 — cada um com espaços de trabalho e acomodações para quatro tripulantes — e adicionar um módulo de pesquisa e fabricação em 2026. Depois, conectaria um módulo de energia e térmico em 2027, deixando a estação pronta para ser separada da ISS em 2028.
O primeiro módulo não foi concluído, e a Axiom agora afirma que o lançamento para a ISS ficou para o final de 2026. O atraso significa receita perdida, já que a Axiom teria recebido parte do contrato com a NASA se tivesse cumprido os prazos originais.
A ISS está programada para ser desativada em 2030 e depois ser empurrada para a atmosfera da Terra para queimar, mas a Rússia já declarou que não financiará a estação após 2028. Isso pode fazer com que ela seja desativada antes do previsto.
Ex-funcionários disseram que a Axiom tem se esforçado nos últimos anos para projetar um segundo módulo que possa ser apressado e que tenha capacidades de geração de energia suficientes para criar uma estação viável de voo livre antes disso. Ghaffarian afirmou que essa era uma opção que a empresa estava “avaliando muito seriamente”, mas que ainda não havia se “comprometido oficialmente”.
Assumindo que a Axiom consiga concretizar isso, uma estação mais enxuta e de menor potência teria perspectivas comerciais mais limitadas, complicando os apelos da empresa por novos investimentos.
“O modelo de negócios sempre contava com uma potência significativa para pesquisa em microgravidade, produção de semicondutores e produção farmacêutica, além de suportar a vida no espaço”, explicou um ex-funcionário. “O modelo de negócios teve que mudar… e isso tem dificultado a empresa a lidar com seus problemas de fluxo de caixa.”
O programa de trajes espaciais parece estar em melhores condições, disseram fontes à Forbes. No ano passado, a NASA concedeu à Axiom financiamento adicional para adaptar seu design para caminhadas no espaço — um trabalho em que a empresa pode ter mais oportunidades de ganhar dinheiro, após a Collins Aerospace anunciar em junho que interromperia o desenvolvimento de seu próprio traje de caminhada no espaço.
Mas a SpaceX apresentou seu próprio traje espacial na semana passada durante a missão Polaris Dawn, e se ele se mostrar eficaz, isso pode prejudicar as chances da Axiom de conquistar negócios além da NASA.
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Se Ghaffarian não conseguir garantir o financiamento para que a Axiom continue competindo, ele pode ter que reduzir ainda mais a empresa para torná-la financeiramente viável. Mas um ex-executivo é cético quanto ao fato de que a liderança de Ghaffarian faça diferença. “Kam sempre foi o presidente, e Suffredini ainda está no conselho. Então, qual mudança realmente aconteceu?”