Enquanto alguns investidores e empresas abordam as práticas ESG (pautadas em sustentabilidade ambiental, preocupação social e governança) com certo ceticismo após o “boom” do pós-pandemia, o Itaú Unibanco decidiu mais do que dobrar sua aposta na agenda.
Na semana passada, o banco anunciou que pretende investir R$ 1 trilhão em finanças sustentáveis até 2030 — ampliando a meta anterior de R$ 400 bilhões, batida com antecedência.
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Pouco antes de embarcar para o Azerbaijão, onde participará da Conferência do Clima que acontece em Baku (COP29), Luciana Nicola, diretora de relações com investidores e sustentabilidade do Itaú Unibanco, conversou com a Forbes Brasil sobre a importância da nova estratégia ESG para o banco e como o setor financeiro é um importante catalisador de mudanças.
Nos próximos cinco anos, o banco buscará alocar os recursos em três principais eixos: finanças sustentáveis, diversidade e desenvolvimento (voltado para a inclusão, desenvolvimento social e uma maior equidade de gênero e raça dentro do próprio banco) e transição climática (com produtos e linhas de crédito específicas para apoiar ações de descarbonização e baixo carbono).
“Por mais que a gente perceba a intensidade dos eventos climáticos extremos, a questão do quanto isso impacta a atividade econômica ainda não está muito clara para algumas empresas e pessoas”, aponta Nicola. Segundo a executiva, o banco quer se tornar um polo de aconselhamento para que as companhias entendam a importância de adaptar processos.
Para ela, a agenda ESG é um caminho sem volta. “As empresas entenderam que a pauta é importante para a perenidade dos negócios. Olhar para o futuro é olhar para o ESG. Política pública é importante, ajuda a acelerar, mas, se ela não existir, a iniciativa privada não vai parar de investir. Quem acordou não vai dar um passo para trás”, acredita Nicola.
A meta ousada do Itaú vem também da crença de que bancos podem ser grandes indutores de mudanças em toda a cadeia produtiva — e, quando o assunto é agenda climática, não há competição entre os maiores do Brasil. “Ela é uma agenda de cooperação, não de competição. Se os bancos não agirem em conjunto, não vamos conseguir descarbonizar.”
Confira os melhores momentos da conversa. A entrevista foi editada para maior clareza e concisão.
Forbes: O Itaú bateu com mais de um ano de antecedência sua meta de R$ 400 bilhões de alocação de recursos em ESG. O que fez o banco decidir acelerar sua participação dentro do segmento e desenhar a meta de R$ 1 trilhão?
Luciana: Nossa primeira estratégia de sustentabilidade foi desenvolvida em 2009, com um olhar socioambiental que estava começando a ser debatido, de governança, que é muito importante para vermos evolução nas empresas, e de educação financeira.
Em 2019, fizemos uma revisão desses temas. Revisitamos nossa matriz de materialidade [ferramenta utilizada pelas empresas para identificar questões relevantes a serem endereçadas por suas operações e outras partes interessadas dentro do universo ESG], conversamos com acionistas, investidores, colaboradores, clientes, fornecedores e especialistas para definir os novos objetivos. Estabelecemos 10 compromissos de impacto positivo e uma meta de R$ 100 bilhões que posteriormente passou para R$ 400 bilhões.
Classificamos setores de impacto positivo e acreditamos que a quantia inicial era uma boa forma de o Itaú começar a medir o apetite e a demanda por esses investimentos e contribuir para um debate sobre uma economia mais verde e de baixo carbono. Nos primeiros dois anos, vimos um apetite muito maior do que o esperado; setores não contemplados começaram a nos procurar e aumentamos a meta para R$ 400 bilhões para 2025. Percebemos que havia demanda e espaço para diálogo com nossos clientes.
Bater a meta antecipadamente foi importante para refletirmos sobre nosso apetite para o futuro. Adicionamos pautas novas, já que antes não havia uma discussão tão ampla sobre compromissos climáticos ou a agenda de biodiversidade. Além disso, houve uma evolução no âmbito regulatório. Agora, a meta é de R$ 1 trilhão até 2030, com R$ 400 bilhões já investidos.
Qual o papel do banco na disseminação de uma política de ESG mais consolidada em todo o mercado?
Temos nos colocado muito como um banco de transição. Acreditamos em não deixar ninguém para trás. O papel de uma instituição financeira não é apenas oferecer crédito. É também servir como conselheiro, ajudar o cliente a estruturar suas operações e fazer com que ele entenda onde está sua vulnerabilidade e qual a estratégia que irá garantir a perenidade dos seus negócios.
Nosso objetivo de transição climática está muito pautado nesse espírito: ajudar na transição, não deixar ninguém para trás e engajar as empresas a entender o processo. O setor financeiro é o único que consegue ter uma visão ampla de todos os setores e de como essas coisas vão se encaixando. Se meus clientes não forem net zero, eu nunca serei também.
Olhando para o nosso pilar de finanças sustentáveis, vimos que havia muito espaço para crescer. O Fórum Econômico Mundial estima que trilhões de dólares serão necessários para a transição climática. Então, como o banco pode estar ao lado do cliente nessa jornada?
Quando falamos em finanças sustentáveis, falamos da questão verde, do agro, do social… Aumentar nossa meta não é apenas uma questão numérica. Também fizemos processos de melhoria para comparar indicadores de desempenho e resultado.
Como esse processo de aconselhamento se encaixa dentro da estratégia de transição climática?
Como parte da Net Zero Bank Alliance, nos aprofundamos nos nove setores de carbono intensivo. Entendemos os desafios e cenários desenhados pela ONU. Com isso, olhamos para nossa carteira de financiamento e a maturidade de nossos clientes.
Temos clientes que são grandes empresas e que possuem áreas de sustentabilidade. É muito mais fácil conversar com eles, pois já têm um plano de descarbonização, e podemos ajudá-los a acessar métodos de financiamento com selos ESG, como emissão de dívida mais barata.
Mas também temos uma outra camada de clientes que não entendem os desafios climáticos e os riscos e oportunidades no setor deles. Nesse caso, precisamos prestar um serviço de “advisor”. Ajudamos a revisitar processos, modos de produção e transformá-los em algo menos intensivo em carbono — o que muitas vezes traz maior produtividade para a companhia. Muitas vezes, eles nem sabem qual é o ponto de partida.
Não se trata apenas de educar sobre mudanças climáticas, mas sim sobre o próprio setor de atuação do cliente.
Temos investido muito em universidades para nos ajudar a avaliar as melhores matérias-primas e soluções para os diferentes tipos de empresa. Ao final do processo, conseguimos oferecer serviços ou linhas de crédito mais atrativas para esses clientes.
Quais são as iniciativas para os demais compromissos firmados?
Já atingimos nossa meta mínima de diversidade e inclusão dentro do banco e agora queremos chegar ao máximo, tanto para mulheres em cargos de liderança quanto na inclusão. Temos um olhar também para nossos fornecedores e seus processos.
Externamente, focamos bastante no público empreendedor, oferecendo capacitação, produtos e serviços mais alinhados às necessidades dos negócios. Temos uma meta para pequenas e médias empresas de mulheres — é o Itaú Mulher Empreendedora, que vai desde a capacitação até o suporte jurídico necessário e o acesso a microcrédito.
Além de produtos financeiros e de crédito, temos uma agenda de incentivos, produtos e linhas de financiamento para o agronegócio, com foco no uso de bioinsumos. Trabalhamos também com carros elétricos e estamos estudando como incentivar o uso de biocompostos em carros flex, que é algo que temos no Brasil e em nenhum outro lugar do mundo.
Quais são os maiores desafios para alcançar a meta?
Acredito que o maior desafio no Brasil é a falta de dados. Esse desafio não é só para os bancos, mas também para os governos em escala global.
Outro desafio é como traduzir toda essa agenda técnica e científica para o dia a dia dos negócios dos nossos clientes. O engajamento acontece quando conseguimos sentar e conversar a partir da realidade deles. Esse é o grande desafio.
Trabalhamos com cenários desenhados numa perspectiva global, mas o Brasil tem particularidades que nem sempre estão refletidas nesses cenários.
Um exemplo é o agronegócio e a busca por práticas sustentáveis. É um setor que pode ser negativo na emissão de carbono, principalmente se for possível integrar pecuária, lavoura e floresta, com boas práticas. Temos projetos no banco que ajudam pequenos produtores a recuperar áreas degradadas e transformá-las em áreas agricultáveis.
Vocês se veem na vanguarda e com capacidade de impacto positivo dentro do setor?
Sim. Nossa agenda data da década de 1990. Sempre procuramos estar à frente em termos de aprendizado. Acompanhamos os principais índices de sustentabilidade e assinamos uma série de compromissos e pactos voluntários. Acreditamos que um banco não sobrevive em uma sociedade ou em um planeta doente.
Temos uma contribuição importante, pois o recurso financeiro é um grande indutor de mudanças.
Não trabalhamos apenas oferecendo produtos, mas também com advocacy, promovendo conhecimento para a discussão de políticas públicas. Acredito que já ajudamos e influenciamos outros bancos a aderirem a essa agenda, o que é muito positivo. A agenda climática é de cooperação, não de competição.
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O plano Amazônia, por exemplo, desenvolvido em parceria com o Bradesco e o Santander, mostra que, se os bancos não agirmos em conjunto, não vamos conseguir descarbonizar. Aqui, não existe concorrência. Precisamos da participação de todos.
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