Quando as plataformas de streaming ganharam popularidade durante a pandemia, os estúdios de Hollywood entraram em uma corrida para ver quem gastava mais com conteúdos exclusivo que atraíssem assinantes. Não demorou para a indústria perceber que suas plataformas precisavam de produções “pilares”. Esse termo é uma gíria do meio cinematográfico para descrever filmes que geraram tanto lucro que compensaram as perdas de produções mais arriscadas. A série Os Anéis do Poder se destaca.
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Antes do streaming se popularizar, a HBO iniciou essa tendência em 2011 com a estreia da série Game of Thrones. Dois anos depois, a Netflix seguiu o mesmo caminho com o grande sucesso de House of Cards. Em poucos meses após o lançamento do Disney+ em 2019, a plataforma já exibia séries baseadas em suas franquias Star Wars e Marvel. Então, quando a Amazon entrou na disputa com o Prime Video, eles precisavam de uma produção ainda mais impactante.
Com isso em mente, em 2017, a Amazon pagou US$ 250 milhões (R$ 1,7 bilhão) pelos direitos televisivos de O Senhor dos Anéis, adquiridos do autor britânico J.R.R. Tolkien, que escreveu os livros na década de 1950. Segundo a análise do “Box Office Mojo”, os longas metragens arrecadaram US$ 5,9 bilhões (R$ 40 bilhões), e Jeff Bezos enxergou ainda mais potencial de lucro, criando uma série derivada de O Senhor dos Anéis capaz de competir com Game of Thrones: Os Anéis de Poder.
Segundo o “Hollywood Reporter”, em 2018, a expectativa de custo de produção, seriam cinco temporadas em US$ 1 bilhão (R$ 6,8 bilhões). No entanto, o Daily Mail mostrou que, quase esse valor já foi gasto apenas nas duas primeiras temporadas.
A série
Ambientada antes da trilogia de Tolkien, a primeira temporada estreou em 2022 e, assim como os filmes de grande sucesso, foi filmada na Nova Zelândia, revelando o custo significativo de sua produção.
A Amazon não comentou muito sobre as despesas da série. Os orçamentos de produções de streaming geralmente são mantidos em segredo. Os estúdios unificam os custos de diversas produções em suas despesas para ter vantagens fiscais.
As produções na Nova Zelândia são uma exceção, já que o governo do país reembolsa 20% do dinheiro que os estúdios gastam lá. Para isso, os estúdios criam produtoras para cada série. Isso permite estimar os custos.
A primeira temporada de Os Anéis de Poder foi filmada pela GSR Productions, uma subsidiária da Reunion Pacific Entertainment, a empresa canadense que produziu a série para a Amazon. Os últimos demonstrativos financeiros da GSR revelam que o custo da filmagem da primeira temporada foi de US$ 226,4 milhões (R$ 1,54 bilhão), com mais US$ 124,3 milhões (R$ 845 milhões) gastos em efeitos especiais até 30 de junho de 2022, pouco antes da estreia do programa.
O custo colossal de US$ 350,7 milhões (R$ 2,38 bilhões) para a primeira temporada se deve aos efeitos extravagantes que recriaram exércitos de orcs marchando por vastos cenários de conto de fadas. Mais de 1.500 artistas de efeitos visuais de 20 estúdios trabalharam na série, incluindo a Weta FX, responsável pelos efeitos dos filmes de O Senhor dos Anéis.
Segunda temporada
Os visuais vibrantes continuaram na segunda temporada, filmada no Reino Unido e lançada em agosto de 2024. A Amazon ficou tão encantada com o Reino Unido, país que serviu de inspiração para os livros originais, que em julho deste ano, adquiriu o estúdio de cinema nos arredores de Londres onde a segunda temporada foi gravada.
Assim como na Nova Zelândia, o Reino Unido também oferece incentivos fiscais para produções filmadas no país, reembolsando até 25,5% dos custos. Dessa forma, as empresas de produção criam entidades separadas para cada projeto.
Os últimos demonstrativos financeiros da GSR UK Productions, divulgados na semana passada, revelam que até junho de 2023, quando se encerraram as filmagens da segunda temporada, foram gastos US$ 458,2 milhões (R$ 2,7 bilhões). Eles acrescentam que esse valor não se deve a gastos excessivos, pois o programa de televisão em produção estava com custos alinhados ao orçamento acordado.
As despesas ainda devem aumentar. A segunda temporada estreou mais de um ano após a data dos demonstrativos financeiros e, nesse período, grande parte do trabalho caro de efeitos digitais foi concluída. Os registros mostram que Os Anéis de Poder recebeu um reembolso de US$ 91,9 milhões (R$ 558 milhões), e a produção teve um impacto positivo no Reino Unido, já que os estúdios gastam com serviços locais, como fornecedores de adereços, segurança e catering.
As filmagens empregam trabalhadores locais, e os demonstrativos financeiros indicam que, no auge da produção, 522 funcionários trabalharam em Os Anéis de Poder, com uma folha de pagamento total de US$ 35,7 milhões (R$ 216 milhões).
Por outro lado…
O orçamento total dá à série um custo por minuto de US$ 850 mil (R$ 5,78 milhões), quase alcançando o limite mínimo de US$ 1,3 milhão (R$ 7,9 milhões) por hora necessário para se qualificar para o reembolso. O que resta saber é se o investimento valerá a pena.
Apenas 37% dos espectadores nos EUA que começaram a assistir à primeira temporada chegaram ao final, de acordo com o Hollywood Reporter. A segunda temporada também não teve um desempenho muito melhor: dados da empresa de análise de streaming Samba TV mostraram que, nos quatro dias após sua estreia, o primeiro episódio foi assistido em 900 mil lares nos EUA, cerca de metade da audiência do episódio piloto da primeira temporada.
Além disso, o programa se viu no centro de uma intensa polêmica devido ao seu elenco diverso, o que desagradou fãs dos livros. Eles alegaram que a obra-prima de Tolkien foi atualizada para o mundo moderno de maneiras que comprometeram a integridade do original. Isso contribuiu para que as duas temporadas recebessem uma média de 49% de aprovação no agregador de críticas Rotten Tomatoes, enquanto Game of Thrones obteve 85%.
“Considerando os custos exorbitantes de Os Anéis de Poder, a audiência moderada e a contínua dificuldade da Amazon em criar conexões eficazes entre o Prime Video e as compras, é improvável que a empresa esteja obtendo um retorno significativo sobre o investimento na série”, afirma Tom Harrington, da consultoria de mídia Enders Analysis. No entanto, ele acrescenta que o principal propósito do Prime é vender assinaturas de canais de vídeo de terceiros como Paramount+, Discovery+, etc, além de alugar filmes. Com isso, o conteúdo original do Prime é apenas um atrativo para levar os espectadores até lá.
Em resumo, o tamanho da audiência da série é menos importante do que o impacto que ela provoca, e, nesse sentido, é indiscutível que Os Anéis de Poder exerceu uma influência poderosa.