A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa referencial Selic em 1,00 ponto percentual, anunciada na noite da quarta-feira (11), não foi uma surpresa para o mercado. Mesmo antes da reunião, a maioria das opções de Copom negociadas na B3 indicava essa possibilidade. O que surpreendeu mesmo os profissionais do mercado foi a volta do “forward guidance”. Em português, uma indicação do que o Comitê deve fazer nas próximas reuniões. E ficou claro: se o cenário não mudar, o Copom já “contratou” mais duas altas de juros de 1,00 ponto percentual nas reuniões agendadas para janeiro e março de 2025.
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O Comunicado divulgado após a reunião não deixa dúvidas. Segundo o texto, a economia brasileira “segue apresentando dinamismo, com destaque para a divulgação do PIB do terceiro trimestre, que indicou abertura adicional do hiato”.
Hiato, aqui, é um indicador econômico conhecido como hiato de produto. Parece complicado, mas é fácil de entender. Esse indicador calcula a diferença entre quanto uma economia pode produzir (o Produto Interno Bruto, ou PIB, potencial) e quanto ela está produzindo em um determinado momento (o PIB corrente). Quando o hiato é negativo, o PIB corrente está abaixo do PIB potencial. Ou seja, há folga na economia (máquinas, infraestrutura, força de trabalho). Quando o hiato é positivo, a economia está produzindo acima de sua capacidade. Isso causa escassez. E o resultado é inflação.
O Comunicado é claro nesse ponto. “A inflação cheia e as medidas subjacentes têm se situado acima da meta para a inflação e apresentaram elevação nas divulgações mais recentes”, informa o texto. E o Copom elevou suas projeções de inflação para 4,0%, ante 3,6% da reunião anterior. Para não deixar dúvidas: “o Comitê avalia que o cenário se mostra menos incerto e mais adverso do que na reunião anterior. Persiste, no entanto, uma assimetria altista no balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação”, informa o Comunicado.
E o fato de o governo não ter apresentado uma proposta convincente para o ajuste das contas públicas, um dos principais motivos da alta do dólar e da piora das expectativas, não passou desapercebido. “. A percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal afetou, de forma relevante, (…) as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio. Avaliou-se que tais impactos contribuem para uma dinâmica inflacionária mais adversa”, informa o Comunicado.
Copo meio cheio
Os analistas avaliam que o endurecimento da política monetária por parte do Banco Central (BC) era necessário para ancorar as expectativas. Segundo Enrico Cozzolino, sócio e head de análise da Levante Investimentos, o Comunicado foi duro, mas positivo. “Ele enfatizou a materialização de riscos do lado fiscal e a necessidade de elevar os juros”, diz Cozzolino. “O texto veio em linha com o que o mercado esperava, então há um copo meio cheio dessa subida de juros e desse Comunicado duro”, diz ele.
“Parte relevante dessa desancoragem de expectativas vem da desconfiança sobre o próprio BC”, diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. “A reconstrução de tal credibilidade se dará principalmente após o início do ano que vem, quando se forma a maioria de indicados por Lula”, diz ele. “Se o rigor observado nessa reunião se mantiver ao longo do primeiro semestre de 2025, parte das expectativas já deverá se acomodar de maneira mais expressiva.”
Segundo Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, a decisão “reflete a postura mais assertiva do Banco Central (BC) diante das pressões inflacionárias persistentes, exacerbadas pela aceleração da atividade econômica e pela desvalorização do real”. Para ele, a política monetária mais dura “pode gerar mais confiança nas intenções do Comitê, dada a troca de liderança”. A partir de janeiro, a presidência do Copom (e do BC) passa para Gabriel Galípolo.
No entanto, avalia Lima, essa decisão tem um custo econômico. “Juros mais elevados encarecem o crédito, limitam o consumo e retardam os investimentos, o que pode impactar o crescimento no curto prazo.”
Para Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank, o resultado da reunião do Copom “deve ser positivo para o comportamento do câmbio amanhã, já que o nosso diferencial de juros ficará mais atrativo para o ingresso de fluxo de capitais”. Porém, ela afirma que “parte desse movimento já pode ter sido antecipado pelo mercado” e que há “outros fatores, como a questão fiscal e a saúde do presidente, que podem trazer volatilidade para os ativos”.
Claro, haverá custos para a economia. O economista André Paiva, membro do Conselho Regional de Economia de São Paulo, avalia que a política monetária contracionista “vai elevar o custo de financiamento da dívida pública e aumentar a percepção de risco fiscal”. Isso terá um impacto negativo no mercado de crédito e no endividamento dos agentes econômicos. “Esse cenário vai reduzir o potencial de crescimento econômico em 2025 e vai impactar negativamente muitas tomadas de decisões de investimentos produtivos por parte das empresas”, diz ele.