Há uma história recorrente no mercado de criptomoedas. Consta que, no dia 22 de maio de 2010, o programador Laszlo Hanyecz, então morando na Flórida, queria legitimar os bitcoins que tinha comprado. Ele tentou pagar duas pizzas usando a criptomoeda, que havia sido lançada quase dois anos antes, em agosto de 2008.
A tarefa de Hanyecz não foi fácil. Ele colocou um anúncio no jornal (sim, em papel) oferecendo bitcoins em troca das pizzas. Outro programador, um jovem de 19 anos, se ofereceu para comprar as pizzas e pagar em dinheiro, recebendo os bitcoins de Hanyecz em troca. Negócio fechado: em troca de US$ 41 (R$ 246) em pizzas, o programador entregou 10 mil bitcoins.
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As duas pizzas são o jantar mais caro da história. Na madrugada desta quinta-feira (05) o bitcoin ultrapassou US$ 100 mil (R$ 600 mil) pela primeira vez na história. A essa cotação, as pizzas custariam US$ 1 bilhão (R$ 6 bilhões).
O bitcoin alcançou um recorde histórico de US$ 103,9 mil (R$ 623,4 mil) antes de se estabilizar em torno de US$ 103,1 mil (R$ 618,6 mil), registrando uma alta de 7,62% nas últimas 24 horas. As cotações subiram mais de 36% desde o dia das eleições, quando o bitcoin valia US$ 75,6 mil (R$ 453,6 mil).
O preço do bitcoin aumentou 133,41% desde o início do ano, quando estava avaliado em US$ 44,2 mil (R$ 265,2 mil).
Não foi a única alta. O Ether, o segundo token mais negociado, foi impulsionado pela valorização do bitcoin. As cotações atingiram US$ 3.870 (R$ 23.220) na noite de quarta-feira, com uma alta superior a 5,4% nas últimas 24 horas.
O que disparou a alta foi o anúncio de Paul Atkins para presidir a Securities and Exchange Commission (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) americana. O escolhido é uma indicação do presidente eleito dos Estados Unido, Donald Trump. Ele descreveu Atkins como alguém que “reconhece que ativos digitais e outras inovações são cruciais para Tornar a América Maior do que Nunca”.
Em novembro, o atual presidente da SEC, Gary Gensler, anunciou que deixará o cargo em janeiro. Sua saída foi um alívio para o setor de criptomoedas, já que sua gestão foi marcada por várias ações de fiscalização contra empresas de criptoativos, incluindo grandes exchanges.
Ascensão
A ascensão do bitcoin reflete sua inclusão indiscutível no sistema econômico global. Já amplamente aceito por Wall Street e investidores amadores, ele superou uma queda dramática em 2022, quando seu preço caiu para menos de US$ 17 mil (R$ 102 mil) após o colapso da exchange FTX.
O bitcoin deu a volta por cima em 2023 e em 2024. Após uma longa disputa judicial contra a SEC, gestoras de fundos foram autorizadas a lançar Exchange Traded Funds (ETF) vinculados à moeda, atraindo bilhões de dólares em novos investimentos. A eleição de Trump acelerou ainda mais a alta, alimentando o entusiasmo da indústria.
A cotação atual do bitcoin é algo notável para um ativo financeiro experimental que já foi considerado tanto uma moda passageira (pelos analistas mais favoráveis) quanto uma fraude (pelos críticos mais acerbos). Segundo o portal CoinMarketCap, o valor de mercado de todos os bitcoins em circulação é de cerca de US$ 2,03 trilhões (R$ 12,2 trilhões), mais do que os valores de mercado de Mastercard, Walmart e JP Morgan Chase – somados.
Wall Street
Desde sua criação por um programador (ou grupo de programadores) usando o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, em 2008, o bitcoin evoluiu de um projeto experimental para um dos produtos de investimento mais bem-sucedidos dos últimos 20 anos. Seu crescimento deu origem a uma indústria inteira, com empresas públicas como a Coinbase, e conquistou o apoio de celebridades, atletas e bilionários como Elon Musk.
O impulso final veio de Trump, que promoveu o bitcoin durante sua campanha. Ele prometeu transformar os Estados Unidos na “capital mundial das criptomoedas” e garantiu que manteria “100% de todos os bitcoins que o governo dos EUA possui ou vier a adquirir”. Essa postura é uma mudança significativa. No governo anterior, Trump chamava as criptomoedas de “fraude” e “desastre iminente.”
Apesar do otimismo, o bitcoin continua vulnerável à volatilidade extrema. Seu preço cai quando a economia global enfrenta dificuldades, e preocupações ambientais persistem devido à energia necessária para operar sua rede. Além disso, a tecnologia já foi amplamente utilizada por golpistas e criminosos, que, apenas no primeiro semestre deste ano, movimentaram cerca de US$ 500 milhões (R$ 3 bilhões) em pagamentos de resgate.
Desde seu início como uma ideia delineada em um artigo de nove páginas, o bitcoin transformou-se em uma moeda digital que redefiniu o mercado financeiro. Originalmente concebido como uma alternativa descentralizada ao sistema bancário, o bitcoin foi inicialmente rejeitado pelos gigantes de Wall Street e criticado como um esquema fraudulento.
No entanto, ele conquistou espaço no mundo real, inspirando milhares de outras criptomoedas, como Ether, Solana e Dogecoin. Apesar de momentos de extrema valorização, como em novembro de 2021, quando alcançou US$ 70.000 (R$ 420.000), o mercado enfrentou duras correções, com perdas de até 96% em 2022.
Com a saída de Gensler da presidência da SEC e a perspectiva de um ambiente regulatório mais amigável, empresas como BlackRock e Fidelity começaram a oferecer ETFs ligados ao bitcoin, atraindo grandes investidores. Pessoas como Michael Saylor, da MicroStrategy, tornaram-se ainda mais ricas: suas aquisições de bitcoin agora valem mais de US$ 30 bilhões (R$ 180 bilhões).
A vitória de Trump também trouxe benefícios para sua família. Pouco antes da eleição, ele e seus filhos fundaram a World Liberty Financial, uma empresa de criptomoedas, posicionando-se para lucrar com a flexibilização regulatória. Ironicamente, um ativo financeiro projetado para operar fora do controle governamental agora ganha valor devido ao apoio de um político.