Dezembro é marcado pelas luzes de natal, as prateleiras cheias de panetone e o inconfundível cheiro de fim de ano no ar. No mercado financeiro, a chegada do último mês do ano significa mais do que pisca-piscas coloridos — tradicionalmente ele também vem acompanhado do “rali de fim de ano”.
Na tradução, essa época é marcada por uma alta mais acentuada da bolsa, seja por conta de um reposicionamento estratégico para o próximo ano ou até mesmo o rebalanceamento de portfólios antes de uma pausa para as festas de fim de ano.
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O Rali de Natal é “tradicional”, mas não é raro que as circunstâncias atrapalhem. Cerca de 50% dos anos de atividade da bolsa brasileira não contaram com o empurrãozinho de fim de ano. E 2024 pode ser mais um deles após o pacote fiscal do governo ter sido recepcionado de forma desastrosa pelos investidores.
Nos últimos dias, pelo menos três grandes bancos internacionais rebaixaram as suas recomendações para a bolsa brasileira — o Morgan Stanley, o JP Morgan e o Julius Baer.
Ao contrário das projeções otimistas do início do ano, que mostravam uma Selic de um dígito ao fim deste ano, o mercado financeiro vive um momento de incerteza. Segundo as opções de Copom negociadas pela B3, 64% dos investidores acreditam em uma alta de 0,75 ponto percentual na próxima reunião, o que pode levar a taxa básica de juros para 12,25% ao ano. Uma alta de 1 p.p também não é descartada — com 31% dos agentes vendo espaço para uma elevação mais ampla. Há bancos de investimentos que já apostam em uma de 14% ao fim de 2025.
Para Rafael Passos, sócio-analista da Ajax Asset, a possibilidade de um rali de fim de ano foi completamente “liquidado” no anúncio da última quinta-feira (27), quando o governo detalhou as suas medidas de contenção de gastos, mas também anunciou a proposta de isentar do imposto de renda todos aqueles que recebem até R$ 5 mil.
“Foi um balde de água fria. Para além dos números do pacote, aqui você mostra uma sinalização muito ruim de descompromisso fiscal e uma volta às medidas populistas. Acho que não teremos um cenário positivo para ações e ele deve seguir desafiador até 2026″, aponta Passos.
Ele não é o único a seguir essa linha de raciocínio. Para alguns, anunciar a intenção de mudar a tabela do imposto de renda fez com que a discussão eleitoreira começasse muitos meses antes do planejado.
“O mercado como um todo estava ansioso pelo anúncio de um pacote de corte de gastos mais robusto, podendo destravar valor no IBOV. Contudo, tivemos uma quebra de expectativa. Para mim não fazia sentido o governo anunciar medidas de isenção fiscal nesse momento. Poderiam ter divulgado um pacote de cortes e no ano que vem tocar nesse assunto novamente”, aponta Guilherme Suzuki, sócio da Astra Capital.
Apesar do tema principal ser questões relacionadas ao ajuste fiscal, Hayson Silva, analista da Nova Futura Investimentos, lembra que o cenário internacional também não ajuda os mercados emergentes, uma vez que conflitos geopolíticos e o impacto das eleições nos Estados Unidos criaram um ambiente de cautela e indefinição para os negócios.
A bolsa está barata?
Apesar do mau humor generalizado, não é raro que bancos de investimentos apontem os ativos brasileiros como estando “baratos”. Ou seja, valendo menos do que os seus balanços sugerem.
Se a bolsa está barata, por que não comprar? Parte da resposta está na Selic projetada pela maior parte dos investidores. Se o cenário mais negativo se confirmar, as empresas verão as suas margens de lucro caírem devido ao aumento das despesas financeiras em seus balanços.
A outra parte está na falta de fluxo estrangeiro na bolsa brasileira, já que o atual cenário fiscal tem afugentado parte do investimento em renda variável do país.
“Incertezas geram volatilidade e pouco direcional. Em um cenário como esse, onde o retorno não compensa o risco, os investidores preferem ficar de fora”, conclui Suzuki.
Para os economistas, o ponto-chave para 2025 segue sendo o mesmo de 2024: o ajuste das contas públicas. Junior Reginatto, Head da Mesa de Renda Variável da Nippur Finance, aponta que 2024 foi um ano de decepções.
“O principal índice da bolsa, o Ibovespa, enfrentou um desempenho bem abaixo da média global. Apesar de algumas empresas terem apresentado resultados positivos, o cenário geral foi marcado por volatilidade e cautela. Esse descolamento dos índices globais, que apesar dos desafios enfrentados conseguiu desempenhar bem, gera esse sentimento de decepção para o Brasil”, explica.
Para 2025, as projeções seguem pessimistas, mas Reginatto aponta que alguns elementos podem gerar uma mudança de cenário no curto prazo, como um alto fluxo de pagamento de dividendos reinvestidos (já que o pagamento das empresas deve superar os R$ 30 bilhões), revisão de estimativas mais otimistas para os próximos trimestres e notícias melhores do que o esperado vindas da tramitação do pacote fiscal.
Se o cenário mais negativo se confirmar, o Ibovespa deve terminar o ano no vermelho, ao contrário dos seus primos americanos, que acumulam ganhos na casa dos dois dígitos.
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