Servindo-se da tradicional fleugma britânica, todos os anos a revista The Economist escolhe o país do ano, aquele que se destacou por motivos políticos ou econômicos seguindo a cartilha liberal da publicação. O vencedor em 2024 foi Bangladesh, pelo retorno à democracia. Porém, um dos concorrentes foi a Argentina.
O motivo é simples: o país se tornou um queridinho dos mercados financeiros internacionais a partir do quarto trimestre de 2024. O índice de ações S&P Merval subiu 114,9% em dólares no ano passado, impulsionado por uma recuperação econômica significativa no país. Foi não apenas o melhor resultado global do ano, mas também o maior ganho em dólares desde 2003, quando o Merval havia subido 134,14%, segundo um estudo da consultoria Elos Ayta que analisou 21 índices acionários.
Essa entidade conhecida como mercado tende a antecipar os fatos. A alta do Merval deveu-se à expectativa de que a economia da Argentina se recupere em 2025 após dois anos de recessão. A mediana das expectativas dos economistas ouvidos pela agência Reuters é de um crescimento de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB), seguindo-se a retrações de 1,6% em 2023 e de 3,7% em 2024.
A queda da inflação para 53% neste ano ante os 222% de 2024 deverá estimular o consumo devido ao aumento da renda da população. Ao mesmo tempo, espera-se uma volta dos investimentos privados devido às propostas de desregulamentação do presidente Javier Milei.
As estimativas da Reuters são de que os investimentos externos possam chegar a US$ 15 bilhões (R$ 93 bilhões) em 2025 e atingir US$ 16,5 bilhões (R$ 102,3 bilhões) em 2026, devido a mudanças regulatórias que devem facilitar as exportações e o acesso das companhias a transações em moeda forte.
Corte de gastos
O que animou os investidores foram as mudanças econômicas colocadas em prática por Milei. Os desafios para o novo governo eram pesados. O país estava à beira da hiperinflação, o banco central argentino tinha reservas cambiais líquidas negativas, o déficit fiscal estava fora de controle, e os preços de serviços públicos estavam defasados, congelados à força pelos governos de Cristina Kirchner e Alberto Fernández.
Segundo Guido Sandleris, ex-presidente do Banco Central da Argentina (2018-2019), Milei “identificou corretamente os problemas reais do país: inflação, desequilíbrio fiscal, captura política e corrupção”, escreveu ele em um artigo no “think thank” americano The Atlantic Council.
Milei tomou posse com pouco apoio político, liderando uma minoria no Congresso que nem mesmo garantia proteção contra impeachment e contando com uma estrutura partidária pequena. Apesar disso, o governo conseguiu implantar cortes agressivos no orçamento e propostas de desregulamentação da economia e de reforma tributária.
Embora o cenário seja muito mais positivo do que há um ano, ainda há desafios no horizonte em 2025. O principal objetivo é conseguir fazer a economia crescer. Há uma facilidade, diz David Beker, economista-chefe do Bank of America no Brasil: o resultado de 2025 será comparado com uma base bastante baixa. E Milei diz contar com um trunfo: a proximidade com o próximo presidente americano.
Acordo com o FMI
Milei desenvolveu uma relação próxima com Trump, que deverá tomar posse em 21 de janeiro. O argentino diz acreditar que, com Trump, os Estados Unidos vão influenciar o Fundo Monetário Internacional (FMI) para renegociar as dívidas argentinas em termos mais camaradas.
A Argentina deve cerca de US$ 40 bilhões (R$ 186 bilhões) ao FMI, e suas reservas líquidas estão negativas em US$ 3 bilhões (R$ 18,6 bilhões). O país pleiteia mais empréstimos e a prorrogação dos prazos de pagamento. E o senador republicano Marco Rubio, indicado por Trump para o Departamento de Estado, defendeu que os Estados Unidos deveriam usar sua influência no FMI para ajudar a reestruturar a dívida argentina. “Isso criaria espaço para Milei implementar as reformas necessárias”, disse Rubio.
Um dos principais pontos de divergência entre a Argentina e o Fundo é o sistema de controle cambial, denominado cepo. “O cepo praticamente impede o acesso dos investidores internacionais ao mercado argentino”, diz Beker, do Bank of America. Encerrar o cepo provavelmente estimularia o crescimento e atrairia investimentos, mas também poderia amplificar a desvalorização do peso e acelerar a inflação, algo que o governo provavelmente evitará até as eleições de outubro.
Os analistas dizem acreditar que, além das eleições, o ano de 2025 terá outro desafio para a Argentina. Neste ano o país tem de honrar compromissos financeiros pesados com credores internacionais, algo mais desafiador do que o habitual dado os controles cambiais, que afastam investimentos. Além disso, apertar ainda mais os gastos públicos será difícil em um ano eleitoral. Se não tiver um dinheirinho extra do FMI, a Argentina poderá ter de queimar seus últimos cartuchos para poder pagar as contas neste ano. E isso pode fazer o entusiasmo dos investidores arrefecer rapidamente.