
Donald Trump vem causando mal estar na política internacional com o estabelecimento ou elevação das taxas de importação a produtos exportados pelos Estados Unidos. Enquanto os vizinhos e maiores parceiros comerciais do país, Canadá e México, ainda podem tentar uma negociação até março para evitar a nova taxação, a China não pode dizer o mesmo. As tarifas sobre os seus produtos em território americano foram reajustadas em 10% desde o último dia 4. Poucos dias depois, agiu de forma recíproca, elevando as taxas de importação entre 10% e 15%.
Trump também estabeleceu ajustes no imposto de importação de aço e alumínio em 25%, a qual está prevista para vigorar a partir do dia 12 de março. A barreira comercial afeta o Brasil, já que os EUA é um dos principais exportadores desses itens.
Essa não é a primeira vez que o mundo precisa lidar com um conflito tarifário do gênero, especialmente vindo dos Estados Unidos. A Forbes Brasil relembra algumas das maiores guerras comerciais da história — com e sem os EUA.
Guerras do Ópio
Até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, não era raro guerras comerciais se transformarem em conflitos armados e vice-versa. Entre 1839 e 1856, China e Reino Unido foram às vias de fato. O motivo foi a comercialização ilegal do ópio, droga derivada da flor de papoula e com efeito analgésico, por parte da Inglaterra.
A partir do século XVII, os britânicos tornaram-se grandes consumidores dos produtos chineses, como o chá e a louça de porcelana. O comércio era lucrativo para a Inglaterra, mas só era possível mediante pagamento em prata. Embora o metal fosse mais valioso na China, com o avançar do tempo tornou-se uma questão, pois obrigava a Companhia Britânica das Índias Orientais a primeiro fazer seu carregamento em prata, para depois partir rumo ao Império Chinês. Outro fator que pesava era a relação deficitária. Enquanto o Reino Unido era um grande exportador de itens chineses, a China seguia a política da Dinastia Qing, a qual mantinha o comércio local fechado para estrangeiros.
O país europeu até tentou negociar com o Império Chinês para estabelecer uma nova relação comercial, mas em vão. A negativa não foi suficiente para conter os planos ingleses. Para fazer da relação comercial algo mais equilibrado e recuperar a prata acumulada na China, a Inglaterra entendeu que deveria comercializar algo na ilegalidade, já que todas as negociações eram fiscalizadas.
Assim, a Companhia Britânica das Índias Orientais passa a cultivar e vender o ópio para comerciantes chineses, a partir do século XVII. Em cerca de 40 anos, a quantidade de droga que entrava no país asiático cresceu 5 vezes, passando de 1,5 mil toneladas. Na tentativa de contar o uso epidêmico do ópio e suas consequências para o país, a China proibiu o consumo da droga.
Essa e outras iniciativas foram insuficientes para impedir a comercialização e uso do ópio até 1839, quando a comercialização também foi proibida e cerca de 20 mil caixas da droga foram apreendidas. Comerciantes ingleses também foram expulsos. A decisão afetou significativamente a economia britânica. Ao final daquele ano, o Reino Unido então decidiu decretar guerra à China, um conflito que chegou ao fim apenas em 1842. Os chineses saíram derrotados, além de serem obrigados a se subordinar às potências ocidentais que exigiam a abertura para o livre mercado, através da assinatura do Tratado de Naquim.
No ano de 1856, os países entraram em novo duelo, após o governo chinês impedir a entrada de navios ingleses em seu território. A Segunda Guerra do Ópio acabou apenas em 1860, com nova vitória do Reino Unido, que teve apoio da França e dos EUA ao longo do conflito. Como consequência, o país asiático outra parte de seu território, sua autonomia e precisou aceitar condições comerciais que lhe desfavoreciam, inclusive a legalização do comércio de ópio.
Grande Depressão
Em 1932, após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e na tentativa de salvar sua economia, os Estados Unidos passaram a adotar diversas políticas protecionistas. Segundo Vinícius Müller, doutor em História Econômica e professor do Insper, essas medidas foram as mais polêmicas do século XX e desencadearam uma guerra comercial global.
Com o objetivo de proteger os postos de trabalho, o país estabeleceu uma série de tarifas sobre cerca de 20 mil produtos importados, que ficaram conhecidas por Smoot-Halley. Embora parecesse uma boa ideia, a iniciativa americana afundou o país ainda mais, não por acaso o período entre 1929 e 1933 foi conhecido como a Grande Depressão. Ao invés de conter o desemprego, ele saltou de 8% em 1930 para 25% em 1933.
A retaliação atingiu diretamente mais de 30 países, os quais adotaram a política da reciprocidade, e o comércio mundial praticamente parou. As exportações e importações americanas caíram em torno de 70% no período.
Primeiro Choque do Petróleo
Durante a Guerra Yom Kippur, que opôs Israel ao Egito e Síria em 1973, o apoio dos Estados Unidos ao país judeu culminou em um embargo petrolífero aos americanos e outros apoiadores, como Holanda, Portugal e África do Sul. A decisão partiu da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que era liderada pela Arábia Saudita. Com a redução do ritmo de extração, a commodity disparou. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em três meses, o aumento acumulado foi de 400% no preço do barril, passando de US$ 2,90 (R$ 16,75 na cotação atual) para US$11,65 (67,53).
Essa sucessão de acontecimentos geopolíticos foi apenas o estopim. Dois anos antes dos países do Oriente Médio se unirem, já havia um movimento favorável à redução de extração de petróleo. Isso porque o então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon pôs fim ao padrão-ouro, que basicamente equivalia o dólar uma onça de ouro. A medida desfavorecia os exportadores de petróleo, que ficavam vulneráveis ao câmbio da divisa americana diante de outras moedas.
Com a escassez da commodity, diversas economias foram significativamente afetadas, passando por recessão e inflação. Não era raro ver fábricas paradas e postos de combustível abarrotados de carros. No ano de 1974, com o fim da Guerra do Yom Kippur, o embargo chegou ao fim. No entanto, nos anos de 1979 e 1991 novas crises de petróleo eclodiram.
Guerra do Suco de Laranja
A disputa comercial travada por Brasil e Estados Unidos a respeito da importação do suco de laranja começou em 2005. Na visão dos EUA, o suco de laranja brasileiro era favorecido por dumping, o que explicaria o seu custo de produção inferior ao do americano. No entanto, essa avaliação foi baseada apenas nas marcas mais baratas de suco de laranja do Brasil, ao contrário do que é previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que estabelece que o método de cálculo deve se basear em todas as marcas exportadas pelo país.
Durante a disputa, os EUA decidiram taxar o suco brasileiro em até 60%. Como o maior exportador mundial do produto, o Brasil resolveu recorrer à OMC, em 2009. Dois anos depois, a organização deu ganho de causa ao país. Em 2012, durante painel comercial dos Estados Unidos, o país revogou o imposto, mas formalmente ambos anunciaram o fim da disputa apenas em 2013.
Guerra comercial EUA-China
Em 2018, no primeiro mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o aço e o alumínio vindos de outros países também foram taxados em 25% e 10%, respectivamente. Canadá e México conseguiram exceção. Após negociar com o governo americano, o Brasil estabeleceu um esquema de cotas para o aço e alumínio. No caso dos semiacabados, o volume correspondia à média das exportações desses produtos entre 2015 e 2016. Já para os acabados, o teto era 30% ao registrado nesses anos.
No entanto, em 2019, o então e atual presidente dos Estados Unidos acusou o Brasil de desvalorizar sua moeda para baratear o aço e o alumínio. No ano seguinte, a cota de exportação de produtos brasileiros foi reduzida em 80%. Ainda em 2020, as chapas de alumínio do Brasil tiveram tributação entre 15% e 145%. Segundo Trump, o motivo era que o produto era vendido abaixo do custo. As medidas restritivas só foram revogadas em julho de 2022, durante o governo de Joe Biden.
Vale lembrar que a China e outros países também sofreram retaliações por parte dos americanos, entre 2017 e 2021. Além dos próprios chineses, Canadá, China, Índia, México, Turquia e União Europeia estabeleceram tarifas retaliatórias. O resultado entre os anos de 2018 e 2019, foi uma redução nas exportações agrícolas dos EUA em US$ 27 bilhões, segundo o Departamento de Agricultura do país (USDA), especialmente por conta da queda das compras chinesas. A soja foi o produto que mais contribuiu para a redução, caindo em torno de 71%.
Em 2020, americanos e chineses fizeram um acordo para reduzir a tributação estabelecida entre ambos. No entanto, a iniciativa foi insuficiente para que os Estados Unidos retomassem sua participação na economia da China, ficando abaixo dos níveis anteriores ao aumento tarifário.