
Em 2024, os programas de recompra de ações – quando uma empresa de capital aberto usa o próprio dinheiro para adquirir parte de seus papéis negociados na Bolsa de Valores – atingiram nível histórico, com 126 operações abertas. Segundo pesquisa do Itaú BBA, esse é o maior número desde 2005. Só no ano passado, foram R$ 78,4 bilhões em volume financeiro.
Geralmente, a recompra ocorre em períodos de elevada volatilidade de mercado, queda da bolsa ou no caso da empresa possuir excesso de caixa e não ter melhor alternativa de investimento. Assim como aconteceu em 2024, os programas de recompra de ações seguem em alta em 2025, divulgados ao longo da temporada de balanços.
No último dia de fevereiro (28), o Ibovespa despencou com valor de fechamento de 1,6%. Para o acumulado do mês, a bolsa brasileira registrou queda de 1,19%. Isso confirmou a mudança na direção do mercado, ou seja, uma leitura de reversão de tendência de curto prazo para o índice Bovespa, de acordo com a equipe de grafistas da Ágora Investimentos. A expectativa é bem diferente do visto em janeiro, quando a bolsa subiu quase 5%.
Somado a isso, temos um cenário externo ainda mais volátil. O presidente dos EUA promete tarifas de importação para diversos países sem que haja um padrão estabelecido para as tributações, gerando incertezas no mercado.
Por que as empresas optam pelo mecanismo?
Para Cândido Piovesan, trader da mesa de alocação da Nippur Finance, durante esses períodos de baixa e de mudanças no mercado acionário, as empresas podem perceber que suas ações estão subvalorizadas – sendo negociados a um preço inferior ao seu valor estimado -, intensificando suas recompras. O que torna seus programas mais “gordos”.
Essa estratégia é adotada para aproveitar os preços reduzidos, resultando em um custo menor na aquisição dos papéis. “Isso pode representar uma oportunidade de valorização do ativo”, afirma. Na maioria das vezes, a operação é financiada com recursos provenientes de caixa, beneficiando-se do capital excedente da empresa, e costumam ser bem recebidos pelo mercado.
Quando essas ações estão em caixa, a empresa pode optar por dois caminhos: cancelar o montante (reduzindo o número de papéis em circulação) ou revendê-las posteriormente para levantar capital.
Piovesan também destaca que a redução do número de ações em circulação melhora métricas financeiras como o lucro por ação (LPA), além de sinalizar confiança da administração quanto à avaliação da empresa. “Uma vantagem é a mitigação da diluição dos acionistas, uma vez que a recompra reduz o número de ações em circulação, ao contrário da emissão de novos ativos”, diz o especialista. No entanto, ele alerta que, se a queda refletir um cenário econômico estruturalmente desfavorável, a recompra pode não ser suficiente para reverter a tendência negativa a longo prazo.
Outro motivo pelo qual as empresas estão optando pelo mecanismo é devido à flexibilidade, já que a companhia pode decidir quando e quanto recomprar, dependendo das condições do mercado, segundo o economista da casa de análise Top Gain, Bruno Cotrim. É comum que os programas abertos não sejam completados.
O trader da Nippur Finance aconselha que o movimento deve ser evitado quando os papéis estão sobrevalorizados, pois a aquisição a preços altos pode resultar em um custo excessivo e em um retorno inferior para os acionistas. A operação também não deve ser feita caso a empresa não disponha de recursos financeiros suficientes.
Dividendos X Recompra
Segundo Cotrim, apesar da remuneração indireta aos acionistas aumentar o lucro por ação e, consequentemente, o valor dos dividendos futuros, a recompra não é sinônimo desses proventos.
O pagamento de dividendos é uma distribuição direta de valor, com um retorno imediato em dinheiro aos acionistas, enquanto a recompra é feita indiretamente, ou seja, a empresa utiliza seus lucros ou reservas de caixa para adquirir essas ações. Para Rafael Lage, analista da CM Capital, a recompra beneficia o investidor pela redução da base acionária e não pelo aumento do lucro distribuído como dividendo.
Além disso, enquanto os dividendos são pagos periodicamente com base nos lucros realizados, a recompra de ações é implementada conforme a avaliação da administração sobre o valor das ações da empresa e as condições de mercado, sem uma regularidade.
Regras
A recompra de ações pelas empresas está sujeita a regulamentações estabelecidas pela legislação brasileira e pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As companhias podem fazer a operação desde que cumpram requisitos específicos, como a obtenção de aprovação do Conselho de Administração e em determinados casos da Assembleia Geral, especialmente quando a operação envolve volumes altos de ações.
O programa de recompra deve ser executado dentro do prazo máximo de 18 meses e respeitar o limite de ações em tesouraria, que não pode exceder 10% do total de ações em circulação. Para o procedimento também é necessário ser financiado exclusivamente com recursos disponíveis, provenientes das reservas de lucros ou de capital.
Segundo os especialistas, a empresa deve consultar as exigências de transparência e governança corporativa, incluindo a divulgação ao mercado por meio de fato relevante e o envio de informações detalhadas à CVM.