
A economia global está em um momento de transformação. Não estamos falando apenas dos choques causados por Donald Trump e sua Guerra Comercial, mas também dos “donos” das grandes fortunas.
Cada ano que passa, a lista de bilionários da Forbes conta com mais bilionárias, e isso deve continuar nos próximos anos. Um estudo do time global de wealth do Citi mostra que o volume de riqueza concentrado nas mãos de mulheres nunca foi tão alto, e a expectativa é que, até o fim da década, pelo menos metade de todos esses recursos estejam sob controle feminino.
O mercado financeiro, no entanto, segue sendo um lugar intimidador para a maior parte das mulheres detentoras de grandes fortunas. As equipes são, em sua maioria, formadas por homens. Os grandes e opulentos prédios espelhados, onde ficam os principais private banks ou family offices, estão longe de ser ambientes acolhedores ou dispostos a tornar a gestão de patrimônio uma jornada personalizada e colaborativa.
Mas e se o universo financeiro fosse repensado por mulheres e para mulheres? Foi isso que Mariella Gontijo, sócia fundadora e CEO da Vos Investimentos e Ava Invest, e Marta Zaidan, sócia e CIO das duas companhias, tentam fazer desde 2023, após mais de duas décadas percorrendo os corredores da Faria Lima e gerindo grandes fortunas.
Elas conhecem bem as engrenagens do mercado financeiro e as inúmeras formas como o sistema atual falha com as mulheres — seja como clientes ou do outro lado do balcão, como gestoras de fortunas em grandes bancos e family offices.
A ideia de repensar a forma como um wealth management funciona partiu de Gontijo. “Repetidamente via que as mulheres deixavam o dinheiro para outros homens ou não se sentiam confortáveis para administrá-lo. Percebi que o mercado não estava conversando com elas”, aponta a executiva.
A Vos Investimentos foi a primeira empresa do grupo a nascer, em 2023, voltada para mulheres com patrimônio de mais de RS$ 10 milhões e com serviços de aconselhamento patrimonial, consultoria financeira, governança familiar e sucessão patrimonial. Mais recentemente, em 2025, surgiu a Ava Invest, voltado para aquelas que estão na fase de consolidar os seus patrimônios e que contam com pelo menos R$ 1 milhão — uma forma de tentar garantir que mais mulheres possuem um patrimônio robusto para transmitir para as futuras gerações.
Marta e Mariella sentaram para conversar com a Forbes Brasil bem próximo dos ambientes espelhados, no coração financeiro de São Paulo, mas em uma sede muito diferente: um pequeno sobrado aconchegante, pensado para quebrar as barreiras entre clientes e especialistas.
O manifesto da Ava Invest sintetiza o espírito da abordagem do Grupo Vos na gestão de patrimônio: “Juntas, deixamos para trás os estereótipos do mercado financeiro, igualamos possibilidades, somamos forças e chegamos lá. Nossa missão é criar um ambiente seguro e acolhedor onde mulheres possam tomar decisões financeiras com confiança e autonomia.”
Moldando o Grupo Vos
Como funcionárias de grandes instituições do mercado financeiro, Mariella e Marta viram suas características consideradas “femininas” serem menosprezadas por lideranças e colegas de trabalho. Por mais que as metas e objetivos fossem atingidos, era comum que chefes apontassem que, para liderar corretamente, era preciso ser mais “macho”. Enquanto características como empatia e cuidado eram menosprezadas no ambiente de trabalho, eram valorizadas pelos clientes.
“Eu conversava com diversos deles e escutava: ‘Olha, eu quero alguém que cuide de mim de verdade. Não quero um vendedor de produtos, e sim alguém que se preocupa comigo’”, relembra Mariella. “Ao invés de tentar mudar os grandes bancos, decidi criar algo do zero.” A executiva então se organizou financeiramente para a empreitada e desenhou o que viria a ser a Vos.
Para Marta, responsável pela área de investimentos do grupo e com um background de trabalho 100% voltado para family offices, as dificuldades inerentes ao ser mulher no mundo financeiro se somaram à frustração de não conseguir fazer com que o investimento com propósito ou impacto fosse visto como prioridade dentro da organização, por mais que recebesse o apoio dos clientes.
“Eu acredito que dá para mudar o mundo através dos investimentos. Estamos gerindo grandes patrimônios, isso é uma responsabilidade. Precisamos dar educação financeira para quem vai receber esse dinheiro, mas ao mesmo tempo usar a influência que esses recursos dão para mudar os negócios”, aponta.
Ao vender sua participação na empresa, Marta estava decidida a não voltar ao mercado financeiro. Gontijo, que buscava alguém para comandar a área de investimentos, a fez mudar de ideia ao compartilhar seu objetivo de mudar a vida de mulheres através da gestão de patrimônio.
Empatia e comunicação
Para as duas sócias, o segredo do sucesso está na reversão do que ocorre em um wealth management comum. Ao invés de apenas delegar a gestão e os poderes de decisão a terceiros, o Grupo Vos quer que os clientes entendam seu patrimônio nos mínimos detalhes e se sintam confiantes para lidar com o dinheiro. A base de tudo, no fim, está na educação financeira.
Segundo Mariella, é comum reuniões longas que reúnem diversas gerações de uma mesma família — um conhecimento que começa a passar de mãe para filha, perpetuando o patrimônio de forma saudável em um ambiente acolhedor e que não constranja aquelas que, no passado, já se sentiram oprimidas em ambientes bancários.
“Elas encontraram um lugar onde podem aprender. A ideia de estarmos em uma casa é justamente essa: não queremos que a pessoa chegue aqui e sinta aquela opressão do mercado financeiro. A ideia é que ela chegue e se sinta em casa. Que passe pela porta e relaxe”, explica a CEO.
É por meio da empatia e acolhimento, características apontadas como “fraquezas femininas”, que Marta e Mariella buscam dar às mulheres a liberdade de administrar seu próprio patrimônio — até mesmo àquelas que se julgavam incapazes de fazê-lo.
A comunicação também é pensada para aproximar especialistas e clientes — uma tarefa à qual a equipe de quase 20 pessoas se dedica de forma prioritária. Por meio de diversas pesquisas, consultas e sugestões das mulheres atendidas, a Vos chegou a um modelo de relatórios de investimentos, extratos e documentos acessíveis a todos.
“Temos algumas clientes, já mais velhas, que nunca entenderam e sempre deixaram o dinheiro na mão de outros. No dia que mostramos os extratos, relatórios e documentos de uma forma que ela entendesse, ela mudou. Uma delas disse: ‘Muito obrigada, hoje eu me sinto no controle’”, conta.
Apesar de ter nascido do desejo de dar maior autonomia às mulheres, a abordagem da companhia e o boca a boca têm atraído homens que buscam a personalização da experiência. Hoje, a divisão entre os dois gêneros é de quase 50% cada.
“É preciso entender que esse é um mercado de relação. Entregar retorno é importante, fazer as coisas com competência é extremamente relevante. Mas ter resultados e competência sem clientes não adianta. Para mantê-los por um longo prazo, você precisa de relação. E relação é tempo, atenção e entender que você criou aquele modelo especialmente para ele”, explica Marta Zaidan, CIO das duas companhias.
Investindo com propósito
A pesquisa do Citi e tantas outras que tentam traçar um perfil das mulheres milionárias e seus investimentos apontam que há diferenças em relação à abordagem dos homens no mundo dos investimentos.
Para elas, bater o mercado no curto prazo não é o objetivo principal. A maior preocupação está no longo prazo, no impacto dos investimentos feitos e nos planejamentos futuros. Na média, recursos geridos por mulheres costumam ter retornos maiores em uma janela de tempo mais longa.
Com a visão de que o dinheiro é capaz de provocar mudanças de longo prazo no mundo, a Vos também se propõe a levar uma visão mais ampla do que pode ser feito com o “poder do dinheiro” — sempre respeitando os perfis de cada investidor e as necessidades de cada família ou indivíduo. A ideia é “provocar” os clientes a serem agentes de mudança.
Segundo Zaidan, as gerações mais jovens estão mais conectadas a investimentos de impacto, e as mulheres tendem a olhar para o futuro de uma forma diferente. Dentre os segmentos explorados pela casa como opções estão aportes em empresas criadas por mulheres — que recebem uma fatia menor de funding por meios tradicionais — e projetos geradores de renda para mulheres.
De olho na tendência de que mulheres alcançarão 50% do patrimônio global, Mariella e Marta esperam que essa fatia da população esteja preparada para entender o poder da mudança que vem junto com a herança. “Sempre reforçamos: o dinheiro estará em nossas mãos, mas precisamos estar preparados. Por isso, quando uma mulher chega até nós, estabelecemos um acordo: vamos gerenciar os investimentos, mas ela deve estar disposta a aprender. Não apenas a cuidar do próprio dinheiro, mas também a pensar em como transmitir esse conhecimento aos filhos”, pontua a CEO do Grupo Vos.
Se a Vos cuida das famílias já consolidadas, a Ava Invest busca garantir que mais mulheres consigam transmitir esse legado financeiro e de conhecimento para frente. Além das soluções tradicionais de planejamento, a casa também busca prepará-las para momentos que vão além da construção de patrimônio, como a maternidade ou um divórcio.
Agora, elas sonham em levar o modelo para todo o Brasil, impulsionando finanças femininas por onde passem. “Nosso objetivo vai além de apenas cuidar do dinheiro das mulheres. Queremos gerar empregos também. Temos uma base sólida para preparar boas banqueiras para o futuro”, concluem.