
Em 2001, Michael Dorrell se ofereceu para sair da sede do banco de investimentos australiano Macquarie, em Sydney, e se mudar para um setor então pouco valorizado dentro da área de investimentos em infraestrutura do banco: os Estados Unidos da América. “Por muitos anos, o Macquarie não levava os EUA tão a sério. Foi por isso que um garoto de 25 anos pôde ser enviado para cá e ser um dos seis profissionais analisando todo esse mercado”, explica Dorrell, hoje com 51 anos. “Tínhamos o mercado só para nós.”
Os EUA, com seu mercado de títulos municipais isentos de impostos avaliado hoje em US$ 4 trilhões (R$ 24 trilhões), ainda são considerados relativamente atrasados quando se trata de financiamento privado de infraestrutura. Mas, entre uma lista crescente de nichos lucrativos – como aeroportos para jatos particulares e data centers voltados para a onda da inteligência artificial – e uma demanda cada vez maior por investimentos alternativos de baixo risco, o país se transformou em uma mina de ouro para Dorrell.
Em 2011, ele cofundou a Stonepeak, uma empresa de investimentos em infraestrutura com sede na cidade de Nova York, e ainda a comanda como CEO. Hoje, a empresa administra US$ 72 bilhões (R$ 432 bilhões) em ativos de infraestrutura, incluindo parques eólicos, serviços de banda larga e fornecedores de fibra ótica, equipamentos de transporte marítimo e construtoras de data centers — com cerca de 55% desses ativos localizados nos EUA.
A Forbes estima que Dorrell tenha hoje um patrimônio de US$ 8,5 bilhões (R$ 51 bilhões), quase todo oriundo de sua participação majoritária na Stonepeak. Em 2023, a gigante de capital privado Blue Owl Capital investiu US$ 2 bilhões (R$ 12 bilhões) por uma participação minoritária, em uma negociação que avaliou a empresa em US$ 15 bilhões (R$ 90 bilhões), segundo uma fonte. Foi o maior investimento já feito pela Blue Owl em participação entre as dezenas de empresas de investimento privado com as quais firmou parcerias.
“Existem milhões de fundos de aquisições de porte médio e cerca de 200 fundos de grande porte. No setor de infraestrutura, há apenas de seis a dez grandes players, então é um grupo muito mais restrito”, diz Michael Rees, copresidente da Blue Owl. “Infraestrutura é uma área em que a escala traz vantagens, e os retornos são, na verdade, mais atrativos nas faixas mais altas do mercado. É possível resolver mais problemas, e as transações tendem a ser maiores.”
Novo fundo
Agora, a Stonepeak está levantando outro fundo de infraestrutura, com a meta de alcançar US$ 15 bilhões (R$ 90 bilhões) em capital e uma taxa interna de retorno líquida anual de 12% ao longo da vida útil do fundo, de 12 anos, segundo uma apresentação divulgada no ano passado pelo fundo de pensão dos servidores públicos do estado de Rhode Island. Essa meta não é irreal, a apresentação mostrou que a taxa interna de retorno líquida média da Stonepeak, considerando seus quatro principais fundos, é de 12,4%. Ainda mais impressionante: até hoje, a empresa não teve nenhuma perda em 46 investimentos realizados.
Essa proteção contra perdas é fundamental para os fundos de pensão e companhias de seguros que fazem parte do grupo de investidores limitados da empresa. Dorrell descreve a infraestrutura como uma combinação de crédito privado e capital próprio, com alguns ativos se comportando como títulos de longo prazo, enquanto outros apresentam fluxos de caixa mais variáveis. Enquanto os mercados públicos dos EUA mergulham em território de correção e os fundos tradicionais de aquisições enfrentam quedas, os investidores institucionais estão buscando mais estabilidade em crédito privado e infraestrutura.
“Se você está fazendo um negócio de private equity, seu cenário base pode ser um retorno de 25%, mas no pior cenário, talvez você recupere apenas 30 centavos por dólar investido”, diz Dorrell. “No nosso caso, nos piores cenários, recuperamos 100 centavos por dólar, talvez até mais do que isso, mas o nosso cenário base pode ser um retorno de 15%, e não de 25%.”
O Goldman Sachs projeta que os ativos globais de infraestrutura privada sob gestão triplicarão, chegando a US$ 3 trilhões (R$ 18 trilhões) até 2035, e a decisão do governo Trump de cortar o financiamento público para infraestrutura pode impulsionar o interesse pela privatização nos EUA. Existe até a possibilidade de que o Congresso, em busca de fontes de receita para compensar os cortes de impostos promovidos por Trump, limite os benefícios fiscais dos títulos isentos de impostos.
Nasce a Stonepeak
Na Austrália, uma grave recessão no início dos anos 1990 levou os estados a venderem ativos como rodovias com pedágio e aeroportos. Mas, nos EUA, autoridades governamentais como a Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey conseguem emitir títulos isentos de impostos garantidos por receitas futuras — de forma que, mesmo quando a cidade de Nova York esteve à beira da falência nos anos 1970, os aeroportos LaGuardia e JFK não foram vendidos.
Foi por isso que, quando Dorrell chegou aos EUA, essa área era em grande parte ignorada por Wall Street. Ainda assim, sua equipe conseguiu identificar ativos interessantes no país, comprando terminais de aeroportos privados, fornecedores de energia e redes elétricas que não eram de propriedade municipal. Mais tarde, em meados dos anos 2000, grandes bancos de investimento dos EUA, como Goldman Sachs e Morgan Stanley, lançaram divisões semelhantes.
Dorrell entrou para o grupo de fusões e aquisições do Macquarie em 1998, logo após se formar pela Universidade de New South Wales, mas percebeu que grande parte das transações que passavam por sua mesa vinha da assessoria aos próprios fundos do Macquarie na compra de ativos de infraestrutura. Depois de três anos nesse trabalho, com o desejo de ter uma experiência internacional, ele se ofereceu para se mudar para Nova York.
Um dos primeiros negócios do Macquarie nos EUA foi a aquisição, em 2004, da Atlantic Aviation por US$ 238 milhões (R$ 1,428 bilhão), empresa que opera terminais FBO (fixed-base operator), ou seja, terminais aeroportuários para jatos particulares. Se grandes aeroportos internacionais não estavam à venda, essa era a melhor alternativa — e era subestimada. Dorrell conta que compraram o ativo por seis vezes o fluxo de caixa, enquanto hoje ativos semelhantes são vendidos por 15 a 20 vezes o fluxo de caixa. Ele teve um papel essencial na consolidação de vários FBOs, além da adição de pistas e da modernização dos terminais. Hoje, a Atlantic Aviation opera mais de 100 desses terminais.
“Você cobra taxas de pouso e taxas de serviço e, se a demanda continuar crescendo, seu negócio vai melhorar,” diz Murray Bleach, ex-CEO do Macquarie North America e chefe de Dorrell na época. “Esse é um negócio de infraestrutura tradicional — você consegue prever os fluxos de receita por um longo período.”
O Macquarie vendeu a Atlantic Aviation para a KKR em 2021 por US$ 4,5 bilhões (R$ 27 bilhões), quase 20 vezes o valor de compra. Até então, Dorrell já havia seguido outro caminho. Após uma década no Macquarie, ele e seu colega Trent Vichie queriam criar seu próprio fundo e, após um almoço com Stephen Schwarzman, CEO do Blackstone Group, decidiram fazer parceria com o gigante do private equity.
Isso foi em outubro de 2008. Péssimo timing. As ações da Blackstone caíram mais de 50% antes do fim daquele ano, uma má notícia para Dorrell, que recebeu US$ 3 milhões (R$ 18 milhões) em ações logo ao entrar na empresa, como compensação pela parte do bônus do Macquarie que precisou devolver. Seus dois anos e meio na Blackstone foram uma batalha difícil durante a crise, e, em 2011, a empresa permitiu que ele e Vichie separassem o negócio para recomeçar. Nessa mesma época, Dorrell pedalava pelo Mont Ventoux, nos Alpes Franceses, onde o topo da montanha é desmatado e se assemelha à paisagem da lua. Foi ali que teve a ideia de chamar a nova empresa de Stonepeak.
Investimentos pioneiros em infraestrutura
Um dos primeiros negócios da empresa foi um investimento de capital de US$ 175 milhões (R$ 1,05 bilhão) para apoiar a construção da Usina de Dessalinização de Carlsbad, em San Diego, viabilizado por meio da antiga relação de Dorrell com a Poseidon Resources, a desenvolvedora do projeto. Um contrato de compra de água por 30 anos com a Autoridade de Água do Condado de San Diego, para fornecer cerca de 10% da água potável da região, garantiu uma base sólida de retornos atrativos. A usina entrou em operação em 2015.
“Eles compravam água da Metropolitan Water Association, no norte, e também do Rio Colorado, que frequentemente secava… foi uma solução em que todos saíram ganhando, porque eles resolveram o problema deles,” diz Luke Taylor, promovido a copresidente da Stonepeak ao lado de Jack Howell no ano passado. Vichie saiu da Stonepeak em 2020 e fundou a EverWind, uma empresa de desenvolvimento de energia limpa no Canadá. Em 2019, a Stonepeak vendeu sua participação no projeto de Carlsbad para a Aberdeen Standard Investments, obtendo um retorno anualizado mais que o dobro da meta de 12%.
A Stonepeak também foi pioneira em “infraestrutura digital”, adquirindo participação majoritária na Cologix em 2017, com co-investidores, por US$ 1,2 bilhão (R$ 7,2 bilhões). Em 2022, levantou mais US$ 3 bilhões (R$ 18 bilhões) com investidores novos e existentes para recapitalizar o negócio e comprar a participação de alguns investidores anteriores. Com sede em Denver, a Cologix é a maior empresa privada de “carrier hotels” dos EUA – esses hubs de interconexão funcionam, por exemplo, conectando o provedor de banda larga da sua casa a um data center da Amazon.
Agora, as empresas de inteligência artificial estão ávidas por data centers hyperscale, que têm capacidade para crescer conforme a demanda aumenta. É um setor no qual a Stonepeak está entrando de forma seletiva, e apenas quando já tem contratos de longo prazo assegurados para garantir o retorno sobre o investimento, explica Howell. A Cologix criou uma divisão voltada para hyperscale chamada Scalelogix, que possui sete data centers em operação ou em planejamento, em locais como Ashburn, na Virgínia, e Columbus, em Ohio.
“Existem duas maneiras de entrar no setor de hyperscales se você ainda não faz parte desse mercado. Uma delas é comprar uma grande plataforma hyperscale já existente… O problema de seguir esse caminho é que você paga um prêmio muito alto,” diz Dorrell. “A outra maneira, que preferimos, é construir seus próprios data centers do zero. Provavelmente vai levar cinco anos para colocar essa engrenagem para funcionar, mas a vantagem é que você entra nesse mercado gastando muito menos.”
O mercado dos EUA está bem diferente de quando Dorrell chegou ao país, há mais de duas décadas. Os investidores americanos, que antes viam infraestrutura como algo exclusivamente ligado ao governo, hoje não se cansam desse setor. Gigantes do private equity como KKR, Brookfield e EQT já levantaram fundos dedicados à infraestrutura, enquanto a Blackrock comprou a Global Infrastructure Partners por US$ 12,5 bilhões (R$ 75 bilhões) no ano passado. “Não faltam oportunidades. Também não falta capital correndo atrás dessas oportunidades,” diz Dorrell.