
Depois de cinco pregões de perdas bilionárias, Donald Trump voltou atrás em sua política tarifária controversa por pelo menos 90 dias. Culpando a China pelo caos que tomou conta do mercado financeiro e claramente irritado pelas tarifas retaliatórias impostas pelo governo chinês, Trump anunciou que todas as taxações recíprocas serão congeladas em 10% pelos próximos três meses — mas o seu rival asiático sofrerá com uma sobretaxa de 125% mais os 20% anunciados no início do ano.
A reação do mercado foi de festa — com o Nasdaq alcançando o seu melhor desempenho diário com uma alta de 12%. As bolsas no Brasil, Europa e Ásia também saltaram. Hoje, no entanto, a história é bem diferente.
Em Nova York, as perdas são da ordem de 5%. O petróleo tem mais um dia de forte queda, com um recuo de quase 4%. Na B3, o Ibovespa cai 2%.
Você pode estar se perguntando o que aconteceu com o bom humor que se dissipou entre o mercado ontem, mas a verdade é que os economistas e analistas já apontavam que a euforia tendia a ter vida curta. É que, no fim do dia, o cenário principal ainda é de uma Guerra Comercial envolvendo as duas maiores economias globais — e com impactos colaterais ainda incalculáveis.
Nem mesmo o resultado da inflação americana abaixo do esperado foi capaz de dar fôlego ao mercado. Nomes de peso seguem falando sobre os riscos da Guerra Tarifária e o seu impacto no bolso — e na economia — dos americanos.
Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, segue alertando para um risco cada vez maior de recessão, enquanto analistas do Goldman Sachs apontam para um risco maior de “bear market”.
Além disso, Andy Jassy, CEO da Amazon, afirmou em entrevista à CNBC que é muito provável que os varejistas repassem o preço das tarifas para os seus consumidores, alimentando a inflação. Jeff Schmid, presidente do Fed de Kansas City, afirmou hoje que não está “disposto a correr riscos quando se trata de manter a credibilidade do Fed” em relação à alta dos preços.
“O cenário ainda está muito volátil”, aponta Matheus Spiess, analista da Empiricus Research. “Essa pausa não encerra e nem coloca um ponto final nessa história, mas já fragiliza o governo americano que, agora, tenta se recompor”.
Em resumo: as tarifas paralisaram, mas o cenário adverso segue firme e forte.
“Essa “trégua” momentânea não traz qualquer alívio para situação que se criou. Ela é absolutamente volátil, sem segurança alguma, e deve impactar apenas os ativos do mercado financeiro por conta da sua caraterística imediatista. Em termos de atividade, de esfera produtiva, ela é absolutamente ineficaz”, explica Carla Argenta, da CM Capital.
Por que uma pausa não é suficiente?
Para entender a razão pela qual uma pausa momentânea não é suficiente é preciso analisar o cenário para além do evento do dia 2 de abril, quando Trump anunciou as tarifas recíprocas com percentuais elevados e uma taxação mínima de 10% para todos os países com relações comerciais com os EUA.
Se para muitos as ações de Trump apontam para um “blefe” — obrigando os seus parceiros comerciais a sentarem na mesa de negociações e estabelecerem melhores condições para a exportação dos produtos americanos —, a China parece ter decidido dobrar a aposta.
Primeiro vieram as tarifas recíprocas de 34% para os Estados Unidos. Trump então adicionou 50% à taxação já existente. O governo chinês retribuiu o gesto, até que o governo americano decidiu pela tarifa de 125% mais os 20% instituídos no início do ano. Ou seja, as duas principais economias do mundo seguem em uma guerra de braço e as tarifas sobre produtos chineses ainda têm um potencial negativo sobre a economia americana (e global).
A frequência com que Donald Trump é capaz de mudar de ideia também é um fator a ser levado em consideração pelos investidores. Nesse caso, não há como fazer investimentos em plantas produtivas, cuja maturação é longa e o objetivo é atender mercados específicos, se a conjuntura e a estrutura econômica que embasaram essa decisão de investimento estão em plena mutação.
“O cenário é carregado de um grau elevadíssimo de incerteza e isso promove reações distintas na esfera financeira e na esfera produtiva. Se, na esfera financeira, o mercado reage intempestivamente a cada anúncio, fazendo com que os ativos valorizem diante de cada sinalização de redução tarifária e vice-versa, na esfera produtiva, as empresas optam por segurança”, aponta Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital.