
O Copom subiu a Selic em 0,5 ponto percentual, saltando de 14,25% ao ano para 14,75%, o maior patamar desde agosto de 2006. Por mais que essa seja uma pauta recorrente, fico impressionado com a quantidade de pessoas que ainda tem dúvidas quanto à influência disso na vida cotidiana e na economia.
Muito mais do que um número técnico, a Selic é a principal ferramenta de política econômica do Banco Central (BC) para controlar a inflação, e suas oscilações têm efeitos em cascata que chegam até o seu bolso e ao dia a dia das empresas.
O objetivo do BC é trazer a inflação de volta para a meta (atualmente 3%, com tolerância até 4,5%), mesmo que isso exija manter os juros em um nível que cause retração da economia.
As projeções do mercado, refletidas no último Boletim Focus, consideram que a Selic deve terminar o ano em 14,75%, espelhando as previsões de muitos economistas, embora o número exato ainda seja alvo de debate.
Mas, como em termos de futuro o que temos são meras projeções, meu objetivo é que você entenda como a Selic atual afeta desde o cafezinho até a compra da casa própria, passando pelo ritmo de crescimento do país.
Os efeitos não são imediatos, mas entendê-los agora, é fundamental para que você esteja preparado quando eles começarem a se refletir em seu cotidiano.
Crédito mais caro: o primeiro movimento do efeito dominó
Sendo a Selic a taxa básica da economia, ela funciona como balizador para todo o sistema financeiro. Quando ela sobe, os bancos pagam mais caro para captar dinheiro (muitas vezes atrelado à Selic ou ao CDI, que a segue de perto) e, naturalmente, repassam esse custo maior para quem pega dinheiro emprestado.
O resultado? Todas as linhas de crédito ficam mais caras:
- Empréstimos pessoais e cheque especial: as taxas sobem, tornando mais custoso cobrir uma emergência ou um imprevisto.
- Financiamento de veículos e imóveis: os juros maiores aumentam o valor das parcelas e o custo total do bem, dificultando a realização desses sonhos ou exigindo um esforço financeiro maior.
- Cartão de crédito: o rotativo do cartão, já conhecido pelas altas taxas, tende a ficar ainda mais proibitivo.
- Capital de giro para empresas: fica mais caro pegar empréstimos para investir na produção, contratar funcionários ou simplesmente manter o negócio funcionando no dia a dia.
Efeito pequeno ou um tsunami silencioso?
Um estudo publicado pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), pondera que a elevação da Selic de 14,25% ao ano para 14,75% terá efeito pequeno nas operações de crédito.
A premissa do estudo é o imenso descolamento existente entre a Selic e as taxas de juros cobradas aos consumidores pessoa física que, segundo o estudo, atingem atualmente, na média, 122,79% ao ano. Sendo, portanto, uma variação de mais de 700% entre a taxa básica de juros e o custo do crédito imposto ao consumidor.
Apesar do impacto imediato parecer pequeno, principalmente diante da enorme diferença entre a Selic e as taxas finais ao consumidor, os efeitos de um ciclo prolongado de juros altos vão muito além do encarecimento do crédito.
Segundo a teoria monetária clássica e reforçado pelo modelo IS-LM da macroeconomia (modelo que avalia o funcionamento da economia no curto prazo), a taxa Selic elevada por um período extenso tende a desestimular o investimento produtivo, reduzindo o crescimento potencial da economia no longo prazo.
Com crédito mais caro, empresas investem menos, a geração de empregos desacelera e o consumo das famílias recua, criando um ciclo de menor atividade econômica. Em outras palavras, mesmo um “pequeno impacto” pontual pode se transformar em um entrave importante para o crescimento futuro, caso a política monetária restritiva se prolongue por tempo demais.
Crescimento econômico (PIB) em ritmo menor
Se as pessoas consomem menos e as empresas investem menos, a economia como um todo cresce mais devagar. O Produto Interno Bruto (PIB), que mede a soma de todas as riquezas produzidas no país, reflete essa dinâmica.
Estudos do próprio Banco Central, indicam que um aumento de 1 ponto percentual na Selic pode reduzir o crescimento do PIB em até 0,3 ponto percentual ao longo de 12 meses.
Embora as projeções do Boletim Focus ainda apontem para um crescimento do PIB de 2,00% em 2025, a Selic elevada funciona como um freio de mão puxado na atividade econômica.
Essa desaceleração pode ter consequências como:
- Menor geração de empregos: com as empresas investindo e vendendo menos, a criação de novas vagas de trabalho pode diminuir, e o desemprego pode aumentar.
- Redução da renda: a atividade econômica mais fraca pode impactar a renda das famílias.
O peso da dívida pública: um custo para todos
Outro impacto importante, e muitas vezes menos visível para o cidadão comum, é no custo da dívida do governo. Grande parte da dívida pública brasileira é corrigida pela própria taxa Selic. Quando a Selic sobe, o governo precisa gastar mais dinheiro apenas para pagar os juros dessa dívida.
Estudos do Banco Central divulgados em dezembro de 2024, indicam que a cada 1 ponto percentual de aumento na Selic representa um custo anual adicional de R$ 54,2 bilhões na Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) e de R$ 49,3 bilhões na Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG). Esse dinheiro, que poderia ser investido em saúde, educação ou infraestrutura, acaba sendo direcionado para o pagamento de juros.
Essa dinâmica cria um ciclo complicado: juros altos aumentam o custo da dívida, o que pode pressionar as contas públicas e gerar mais incertezas, retroalimentando a necessidade de elevação de juros. O equilíbrio fiscal (gastar dentro do que se arrecada) torna-se ainda mais importante nesse cenário.
Entender para se planejar
A Selic pode parecer algo distante, mas seus efeitos são bastante concretos no dia a dia: ela influencia o custo do crédito, o consumo, o crescimento da economia, as contas públicas e a capacidade do governo em investir em políticas sociais.
Com a inflação crescente, a Selic continuará sendo o instrumento de política monetária que o Banco Central seguirá utilizando, contudo, o real problema do Brasil é de ordem fiscal e tributária.
A taxa Selic é o termômetro da política monetária, mas o tratamento da febre exige muito mais do que remédios pontuais. A ausência de austeridade nos gastos públicos ao longo de sucessivos governos e a baixa vontade política para reformas estruturais, leva o Brasil a continuar pagando caro por decisões mal alinhadas.
Infelizmente, não temos como interferir diretamente no controle dos gastos públicos, então, nos cabe compreender a forma como tudo está interligado e, assim, tomar decisões financeiras mais conscientes — seja ao planejar uma compra, buscar um empréstimo ou investir com foco no futuro.
Em um cenário de juros altos, informação e planejamento são as melhores ferramentas para proteger seu dinheiro e seguir em frente com segurança.
Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI, mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira, empresário, sócio do Clube FII, Grana Capital e sócio fundador da holding financeira MR4 Participações.