
Jonas Marques é cearense, assim como a empresa que preside, a rede de farmácias Pague Menos. Porém, isso não quer dizer que ele conseguiu o emprego perto de casa. Marques estava trabalhando na Nova Zelândia quando começou a ser sondado por Mário Queirós, então CEO, e filho do fundador e bilionário Forbes Francisco Deusmar Queirós.
Primeiro executivo de fora da família a liderar a Pague Menos, Marques é psicólogo, piloto de aviões, e tem uma longa carreira internacional em empresas farmacêuticas. Seu trabalho na Pague Menos é o primeiro à frente de uma empresa de varejo. Ele foi recrutado para colocar no prumo a compra da rede Extrafarma, realizada em 2021. Para isso, ele serviu-se não apenas de sua experiência corporativa, mas também de sua prática no consultório. Ele falou com a Forbes:
Origem e formação
Nasci no Ceará, em uma família de classe média baixa. Sou filho de funcionários públicos do estado. Toda a minha vida meus pais me estimularam a estudar, o que foi bom. E também me incentivaram a prestar um concurso público, que nunca me interessou. Sempre fui hiperativo, questionador. Nunca quis trabalhar em uma rotina.
Meu negócio, por assim dizer, sempre foi gente. Sempre quis estar com pessoas, ouvir pessoas. E também tive uma veia empreendedora desde cedo. Abri minha primeira empresa aos 15 anos, fazia produções de áudio e vídeo. Trabalhos pequenos, fotografia e cinema. Sempre fui apaixonado por isso, como fazer uma narrativa ter mais ou menos vida dependo do ângulo que você olha para ela.
Isso me levou a escolher psicologia na universidade. Me formei e comecei a trabalhar atendendo em consultório. E a prática da psicologia, que sempre foi essencial no meu trabalho como executivo, me levou a perceber o verdadeiro custo pago pelas pessoas ao desenvolver uma carreira.
Na psicologia, sempre buscamos a causa raiz de um problema. Por que a pessoa está infeliz no trabalho? E as razões eram muito parecidas. Meu chefe é tóxico. Minha esposa ou esposo é tóxico, por isso estou infeliz no casamento. Havia uma dicotomia muito grande entre o que a pessoa projetava, o chamado self ideal, e o que ela de fato sentia, o self real. E essa diferença gera dor ao longo do tempo.
Não há segurança psicológica nas empresas. Eu encontrei muitas situações em que havia um Triângulo de Karpman, com os papéis de vítima, agressor e salvador [Stephen Karpman desenvolveu um modelo psicológico em que as pessoas assumem papéis de maneira inconsciente para evitar enfrentar problemas reais; essas relações são muito comuns em ambientes de trabalho ou em situações de stress profundo e contínuo].
Decidi que, se um dia eu tivesse essa oportunidade, eu iria criar ambientes empresariais em que as pessoas tivessem ambiente para crescer e se motivar. E ao longo da minha carreira como executivo, sempre privilegiei esse lado. Foi o que eu fiz.
Carreira corporativa
Eu adorava o trabalho como psicólogo. Porém, eu estava casado, com dois filhos gêmeos e pagando aluguel. Tive de ganhar mais dinheiro. Fui trabalhar na Roche, como propagandista. Aqueles profissionais que visitam médicos e divulgam remédios. E no começo da minha carreira corporativa eu vi que não havia muita diferença da realidade que eu encontrava no consultório.
Há muito sofrimento dentro das empresas. Muitas pessoas não estão felizes por trocar a vida pelo salário, mas elas olham para aquele dinheiro que cai na conta todos os meses e vão ficando. As empresas poderiam – e deveriam – ser o lugar mais feliz do mundo, mas não são.
Recebi minha primeira promoção e assumi um cargo de gestor, liderando uma equipe de dez pessoas em Recife. Como todo líder novo eu estava muito ansioso, queria mostrar trabalho e resultados. E aprendi que, como gestor, não é você quem entrega o resultado. Aí percebi a necessidade de ouvir as pessoas e dar protagonismo, ainda que o ambiente corporativo seja totalmente diferente da prática do consultório.
Passei quase 12 anos na Roche e cheguei a ser diretor nacional de vendas dos medicamentos para oncologia. Trabalhei mais dois anos em outro laboratório, o Stiefel, como responsável pelas áreas comercial e de logística. E aos 38 anos eu vi que era hora de fazer um MBA. Eu tinha ambições de presidir uma empresa, então tinha de desenvolver outras competências, como finanças por exemplo.
Meu passo seguinte foi assumir a presidência da subsidiária brasileira da empresa espanhola de dermatologia Isdin. E depois fui trabalhar na Bayer, como head da divisão de produtos de consumo no Brasil.
Trabalhei por 12 anos na Bayer e tive a oportunidade de morar no exterior. Fui head de produtos de consumo na Itália e depois assumi toda a região da Oceania. Ao todo, eu passei quase oito anos fora do Brasil.
Volta às origens
Eu já estava na Oceania há três anos. O time estava montado e eu comecei a me sentir isolado. É do outro lado do mundo, não é fácil viajar para o Brasil. Um dia, o Sérgio Mena Barreto, CEO da Abrafarma, me procurou para ajudar a elaborar uma missão de executivos brasileiros que queria conhecer o mercado farmacêutico na Oceania.
A princípio eu seria apenas um cicerone, mas no fim fui o curador da missão. É um trabalho intenso: eu tinha de preparar as visitas, fazer as apresentações, escolher os conteúdos, buscar as possíveis correlações com o Brasil. Foram nove dias entre Austrália e Nova Zelândia.
Nesse evento reencontrei o Mário Queirós, filho do Deusmar Queirós, fundador da Pague Menos. Ele me disse que estava insatisfeito com a função de CEO e que buscava um sucessor. Eu não demorei muito para dizer não. Minha formação era na indústria, não me via trabalhando no varejo.
No fim do ano fui a Fortaleza visitar minha mãe e almocei com o Mário. Ele insistiu para que eu participasse do processo seletivo em busca de um CEO para a Pague Menos. Explicou que os filhos do fundador queriam ficar fora da operação, e disse uma frase que me marcou: “as empresas nascem sem data para morrer, e nós queremos perpetuar o negócio”. Também era uma maneira de voltar às origens. Eu estava fora do Brasil há oito anos e há 28 anos fora do Ceará. Aceitei o desafio e assumi no início de 2024.
A complacência mata
A Pague Menos havia feito uma aquisição estratégica em 2021, quando comprou a rede de farmácias Extrafarma, que pertencia à Ultrapar. Foi uma compra de R$ 700 milhões, sendo R$ 600 milhões em dinheiro e assumindo R$ 100 milhões em dívidas. Com essa aquisição, a Pague Menos aumentou bastante sua rede. Porém, a Extrafarma tinha problemas de execução, rentabilidade e integração. Meu trabalho era resolver essas questões.
Logo que tomei posse, fui visitar as lojas mais problemáticas da Extrafarma. O que mais me impressionou foi que a energia de muitas pessoas estava apagada. As pessoas estavam complacentes. E a complacência mata.
Sou piloto de aviões. Quando estava aprendendo a pilotar, me surpreendi ao descobrir que a maior causa de vítimas na aviação é a complacência. A companhia aérea que se torna complacente não faz a manutenção adequada das aeronaves. O piloto que se torna complacente não se desvia da turbulência a tempo. E isso vale para qualquer empresa.
Certa ocasião visitei um hotel cinco estrelas. Em um bebedouro, havia uma placa caprichada dizendo que o equipamento estava quebrado. Pelo capricho da placa, ela demorou algum tempo para ser escrita. Por que não usar esse tempo para consertar o bebedouro, em vez de escrever uma placa? Viajei em um avião em que uma das poltronas tinha um pano com um bonito bordado informando que ela estava quebrada e não reclinava. Aparentemente aquele assento estava quebrado há meses, pois havia dado tempo de alguém bordar o aviso.
Nesses dois casos há alguma coisa muito errada. Em vez de resolver o problema, ficamos complacentes com ele. Notei isso ao visitar as lojas da Extrafarma.
Ouvir e entender
Nunca aceito um novo trabalho sem ouvir as pessoas. No caso da Pague Menos eu conversei com meu antecessor, com os principais executivos e com a família controladora. Em uma dessas reuniões estava o fundador, o Deusmar, os filhos com as esposas, e os netos. E foi importante estabelecer o que era inegociável.
Por exemplo, eu perguntei – só para ver a reação – se poderíamos fechar as lojas do Rio Grande do Sul para cortar custos. O Deusmar deixou bastante claro que ele tinha se esforçado muito para ter uma abrangência em todos os estados do Brasil e no Distrito Federal, e que isso era inegociável. Eu não planejava sair de nenhum estado, mas queria saber o que poderia ou não ser negociado.
Recebi três diretrizes do Conselho quando assumi a presidência. A primeira era capturar as sinergias da integração com a Extrafarma. A segunda era reconhecer o valor do que já havia sido feito. E terceiro era colocar a empresa no foco sem esquecer das pessoas.
Minha primeira providência foi montar 70 grupos de cinco pessoas escolhidas aleatoriamente e fazer reuniões presenciais. Não apenas com executivos, mas também com pessoal da linha de frente. Foram 70 horas de escuta. E a memória auditiva disso facilitou a percepção dos problemas.
Ar-condicionado e crachás
Havia lojas que estavam há dez anos sem reforma, com equipamentos gastos e ultrapassados. Em muitas lojas o ar-condicionado não funcionava há anos. E as pessoas tinham de ir esquentar suas refeições no posto de gasolina vizinho, pois não havia um forno de micro-ondas. Uma das minhas primeiras providências foi comprar 1.500 aparelhos de ar-condicionado e 500 fornos de micro-ondas.
O cálculo é simples. O Brasil é um país quente e o Nordeste é mais quente ainda. Se a loja não tem ar-condicionado, o cliente não entra e as pessoas trabalham com muito desconforto e não têm ânimo. O mesmo vale para os micro-ondas: além de perder tempo, a pessoa tem o constrangimento de ter de pedir para esquentar sua comida.
Outra coisa que não parece importante, mas que incomodava as pessoas, eram os crachás. A empresa acabava de reformar uma loja, estava tudo novinho e com a cara da Pague Menos, mas os colaboradores ainda usavam os crachás da Extrafarma. E sentiam que não pertenciam à nova loja.
Reorganização
Havia problemas mais profundos. O famoso “eles e nós”, que ocorre frequentemente quando uma empresa é comprada. Diferenças salariais para colaboradores do mesmo nível, diferenças entre quem fazia home office e quem não fazia, diferenças no plano e saúde e na cesta básica.
Fizemos várias mudanças. Todo o turnaround começa por pessoas. Havia seis níveis hierárquicos entre o gerente da loja e o CEO. Reduzimos para três. Em 2024, o faturamento consolidado foi de R$ 12,6 bilhões. Um diretor regional responde por R$ 2 bilhões de faturamento. É muito mais do que a maioria das empresas brasileiras. Trocamos vários executivos de operações e de logística.
Varejo é giro de mercadoria. Ou seja, não podemos comprar errado. E havia erros no sortimento de produtos e no estoque. Isso consome caixa. Entrei em contato com vários conhecidos da indústria farmacêutica. Montamos campanhas de venda conjuntas e aceleramos o giro.
Os resultados vêm melhorando e pudemos divulgar números bons referentes a 2024. O lucro foi de R$ 103 milhões, quase 40 vezes mais que em 2023. Agora, com a integração bem mais avançada, podemos seguir melhorando o desempenho.