
Grandes navios cargueiros costumam transportar carros, celulares, brinquedos e todos os tipos de dispositivos tecnológicos para dentro e fora dos Estados Unidos – as exportações e importações de alimentos fazem parte desse movimento e são extremamente importantes para a economia do país. Em 2024, o setor de agricultura e alimentos representou 5,6% do PIB total, contribuiu com aproximadamente US$ 1,53 trilhão (R$ 8,6 trilhões na cotação atual) para a economia dos EUA e sustentou mais de 24 milhões de empregos americanos.
A dinâmica do comércio global de alimentos tem gerado um déficit contínuo na balança comercial dos EUA. Em 2024, o valor das exportações agrícolas foi de US$ 191 bilhões (R$ 1 trilhão), enquanto as importações atingiram o recorde de US$ 263 bilhões (R$ 1,4 trilhão), revelando o maior déficit comercial da história nesse setor. Os dados levam ao cerne dessa história. Um produto alimentar criticamente importante, considerado uma iguaria na China, historicamente tem sido um grande sucesso de exportação dos EUA – e agora está se tornando símbolo do estado fragilizado da política americana de importação e exportação agrícola. Estamos falando dos pés de galinha.
Não ter um plano para lidar com o excedente de pés de galinha é uma situação lamentável, principalmente depois de virar as costas para mais de 1,4 bilhão de consumidores chineses. Essa enorme oportunidade de mercado global não deveria ser ignorada.
A situação vem se desenrolando ao longo dos últimos anos, e é aqui que estamos agora: os EUA exportaram aproximadamente 133,7 mil toneladas de pés de galinha para a China em 2022, gerando cerca de US$ 550,4 milhões (R$ 3,1 bilhões) em receita. Mas, até meados de 2023, as exportações caíram para cerca de 65,2 mil toneladas, avaliadas em US$ 358,3 milhões (R$ 2 bilhões) – uma queda de 51% no volume e de 35% no valor em comparação com o mesmo período de 2022.
A redução levou a perdas substanciais de receita para os produtores de carne de frango que exportam essa iguaria (de baixa demanda no mercado doméstico) para a China. Empresas como a Tyson Foods, líder na produção de carne bovina, suína e, principalmente, de frango nos EUA, e a Pilgrim’s Pride, uma das maiores produtoras de carne de frango do mundo, controlada pela brasileira JBS, se beneficiavam ao vender pés de galinha por preços premium para consumidores chineses satisfeitos. Agora não mais.
Valor das exportações de pés de galinha para a China
Pés de galinha (também chamados de “paws”, em inglês) são altamente valorizados na China. A indústria avícola dos EUA pode faturar de US$ 0,80 a US$ 1,00 por libra (R$ 9,96 a R$ 12,42 por quilo) ao exportar pés de galinha para a China. Em contraste, quando vendidos para empresas de reciclagem animal no mercado doméstico, os preços podem cair para apenas US$ 0,05 a US$ 0,10 por libra (R$ 0,62 a R$ 1,24 por quilo) – uma queda de 90% no valor.
Para empresas que processam milhões de aves por semana, esse é um choque enorme no resultado financeiro. A Tyson exporta centenas de milhões de libras de pés por ano. Uma perda de US$ 0,50 por ave, considerando 500 milhões de aves, representa um prejuízo anual de US$ 250 milhões (R$ 1,4 bilhão).
Além dos impactos financeiros, empresas fornecedoras da cadeia da indústria avícola também foram negativamente afetadas – como as usinas de reciclagem animal. Esse processo transforma subprodutos de origem animal, como restos de carne e gordura e pés de galinha, em materiais utilizáveis, como ração animal, combustíveis e outros produtos industriais.
Essas usinas estão sendo sobrecarregadas com o excedente de pés de galinha, o que aumenta o desperdício e a pressão operacional. Nos EUA, pés de alta qualidade são rebaixados de grau alimentício para grau de ração, e todo o valor que poderiam ter no mercado chinês vira apenas mais um sonho avícola não realizado.
A queda nas exportações de pés de galinha para a China certamente exige ações imediatas por parte dos consumidores americanos que amam frango. Neste caso, eles precisam comer mais frango.
Quem gosta de frango?
Uma pesquisa realizada em fevereiro de 2024 pela Associação Nacional de Pecuaristas dos EUA (National Cattlemen’s Beef Association), principal entidade de pecuaristas do país que representa mais de um milhão de produtores de gado de corte e criadores em todo território, indicou que 83% dos consumidores consomem carne de frango pelo menos uma vez por semana, seguida pela carne bovina (70%), suína (46%), peixe (41%) e alternativas vegetais (25%).
A expectativa é que o consumo de frango continue crescendo até 2033. Em 2022, os americanos consumiram, em média, 44,9 quilos de frango por pessoa. A projeção é de que esse número chegue a 48,7 quilos até 2033. O frango continua sendo a carne mais consumida nos EUA por causa do preço mais acessível, versatilidade e aos benefícios percebidos para a saúde.
Se não conseguirmos fazer os pés de galinha “caminharem” de volta ao mercado chinês – uma estratégia com a qual temos lutado há anos e que saiu da prioridade das empresas avícolas americanas – caberá aos consumidores dos EUA resolverem o déficit das exportações internamente.
Devemos dar uma chance aos pés de galinha e priorizar refeições “sem medo de patas”. Essa situação merece até um slogan: “Coma pés de galinha, porque a política comercial global tem consequências!”
* Phil Kafarakis é colaborador da Forbes EUA, onde escreve sobre as complexidades da indústria global de alimentos, abordando temas como comércio internacional, inovação e políticas públicas