Entre as tantas características que definem um brasileiro, pode-se dizer que vaidade é uma delas. Essa afirmação vai muito além de uma simples suposição. De acordo com um relatório de 2019 da empresa de pesquisas Euromonitor International, o Brasil é o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e do Japão. Isso, é claro, resulta em um setor extremamente inflado, sempre em movimento de crescimento. O mercado de salões de beleza, por exemplo, movimentou, segundo dados da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), cerca de R$ 100 bilhões por ano entre 2010 e 2020 – quando a pandemia chegou e bagunçou um pouco as coisas.
No entanto, foi em um contexto anterior ao coronavírus que Carolina Mendes, ainda como universitária, enxergou todo o potencial do setor e decidiu mudar os planos de sua vida fundando a gal, (assim mesmo, com letras minúsculas e vírgula), a primeira rede agregadora de salões de beleza do mundo.
Estudante de economia no Insper, a jovem sonhava grande e queria, um dia, ser presidente de um banco. A vontade e a ambição na carreira não diminuíram, mas mudaram de forma quando ela teve o seu primeiro contato com o empreendedorismo. “Entrei em um programa da faculdade chamado InFinance. Lá, comecei a aprender sobre o mundo das startups e tive a oportunidade de ouvir o Eric Acher, fundador da Monashees, falando sobre o sucesso da 99, o primeiro unicórnio brasileiro.” A partir desse momento, uma chavinha virou em sua mente.
“Pela primeira vez, eu vi a oportunidade de construir outras realidades”, recorda Carolina. “Comecei a pensar diariamente em algum projeto de startup que atendesse o público feminino.” Sua ideia, no início, foi um aplicativo de agendamento online, onde seria possível marcar atendimentos médicos e até horários para cortar o cabelo. Porém, ao estudar e observar o mercado, a jovem percebeu que os salões tinham um leque muito maior para ser explorado. Conversando com pequenos empreendedores da área, descobriu algumas dificuldades recorrentes e decidiu criar a LaPag, uma empresa de maquininhas que transferiria os pagamentos dos salões de beleza automaticamente para cada prestador de serviço.
“O aplicativo nasceu com a ideia de facilitar a vida dos empreendedores. Com ele, não seria mais preciso fazer transferências bancárias manuais todo mês”, explica ela. No entanto, embora a ideia fosse válida – e até muito esperada pelos donos dos salões -, Carolina tinha apenas 22 anos e ainda estava na faculdade, sem dinheiro para investir. “Eu sempre gostei de fazer brigadeiro, então comecei a vender na faculdade para arrecadar fundos para o meu negócio.”
Em pouco tempo, duas surpresas aconteceram em sua vida: primeiro, conseguiu juntar uma boa renda com seus chocolates. Em segundo, mas não menos importante, conquistou um forte investimento para iniciar a LaPag. Renato Freitas, fundador da 99, decidiu embarcar na ideia em 2016. “Justamente o primeiro empreendedor que me inspirou”, destaca ela.
Hoje, a startup conta com mais de 10 mil empresas clientes. No entanto, não é ela a grande protagonista da trajetória empreendedora de Carolina. A LaPag, de certa forma, foi um atalho para que a jovem conhecesse a fundo a gestão do mercado de beleza. “Comecei a entender outras dores do setor e pensar em como solucioná-las”, recorda. “Foi aí que, no final de 2019, eu criei a gal,, uma agregadora de salões de beleza.”
COMO UMA AGREGADORA FUNCIONA?
O modelo de negócio criado por Carolina é curioso. Ao selecionar algum salão de beleza para investir, a gal, inicia o processo de padronização do espaço, oferecendo treinamento com profissionais da área e reformas, além de colocar em prática metodologias de crescimento e gestão financeira. Resumidamente, fornece aos parceiros uma infraestrutura especializada. E, por mais semelhante que possa parecer, isso não tem nada a ver com modelo de franquias. “Os salões já existem, nós não viramos sócios. Apenas investimos em melhorias e cobramos uma taxa de cerca de 10% sobre a receita mensal de cada unidade”, explica ela, ressaltando que esse valor pode mudar de acordo com os resultados de cada empreendimento.
“Boa parte do que fazemos para impulsioná-los é investir em educação. Temos um salão laboratório próprio que, embora também atenda o público, às vezes, fecha para treinamento de nossos parceiros. Temos manicures, cabeleireiros e maquiadores. É incrível”, completa. “Mas, por mais lindo que seja, é complexo. Após os investimentos iniciais, continuamos acompanhando de perto o dia a dia dos salões agregados. Temos um time de campo que faz visitas constantes, quase como uma consultoria 24 horas.”
O sistema inovador pareceu agradar tanto o setor de beleza como o financeiro. Mesmo em tempos de pandemia, a empresa já conta com 52 funcionários e 30 salões de beleza associados na cidade de São Paulo. Parte desse sucesso é resultado das ações para contenção de crises durante o coronavírus. “Organizamos doações, rifas, vaquinhas e até um sistema de créditos para que os consumidores pudessem comprar pacotes promocionais válidos por um ano nos salões. Todo um ecossistema unido para que nossos parceiros sobrevivessem.” Coincidência ou não, os salões gal, performaram, em média, 30% acima do mercado em 2020.
Diante desse cenário, a expectativa para o final do ano é mais do que otimista. Carolina quer alcançar a marca dos 150 estabelecimentos agregados e um faturamento de R$ 50 milhões. Quando se observa as últimas notícias da companhia, percebe-se que as metas não são fantasiosas. No primeiro semestre de 2021, a agregadora levantou R$ 40 milhões em uma rodada de investimento liderada pela Monashees e com participação da gestora de venture capital Canary e dos investidores-anjo José Galló (presidente do conselho da Renner) e Renato Freitas (fundador da 99).
Embora essa estimativa de crescimento seja alta, a empreendedora revela que o processo para novas parcerias é delicado e paciente. “Identificamos um salão com alto potencial, visitamos o local, entrevistamos o dono, analisamos o perfil e os números do salão. Apenas depois disso conversamos sobre investimento.” Além disso, ela ressalta que, embora a agregadora tenha um padrão de estética e funcionamento, o trabalho sempre busca manter a essência original dos salões.
Afinal, foi por conta desse cuidado que a empresa foi batizada de gal,. “Colocamos a vírgula porque não somos ponto final”, destaca. “Não entramos nos salões e jogamos tudo fora. Nossos parceiros já tem um DNA e uma essência própria que conquistaram o carinho dos moradores de seu bairro. Nós chegamos exatamente para agregar. Somos vírgula, um elemento de soma.” Já a palavra gal nasceu da necessidade de um nome curto e feminino. “Em inglês, ‘gal’ significa garota. É uma forma moderna e descontraída de se referir às mulheres.”
Para Carolina, o nome da empresa é mais do que um simples título. Com o termo #galpower ilustrado nas paredes dos salões parceiros, ela busca incentivá-los a superar as dificuldades do empreendedorismo. “O professor Mário Sérgio Cortella tem uma frase que define os valores da empresa: ‘Faça o teu melhor, na condição que você tem, enquanto você não tem condições melhores para fazer melhor ainda’. Nem sempre temos 100% de segurança, mas vamos com medo mesmo e aprendemos no meio do caminho. Tento passar isso para todos os profissionais que trabalham comigo”, revela.
De certa forma, é essa troca de aprendizados que define o papel da agregadora. “Encontramos, através desse modelo, uma lógica de que juntos somos mais fortes”, conclui.
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