Uma das novas rotinas que o trabalho remoto me trouxe foi a possibilidade de estar mais próxima das minhas duas filhas durante suas lições de casa. Dia sim e outro também, Manuela, 12 anos, repete a mesma frase “Mas para que eu preciso aprender isso?”.
Confesso que nem sempre é fácil explicar a utilidade em aprender sobre as partes da célula de uma planta ou decorar uma tabela periódica “para quem não vai ser cientista”. Mas algumas lições realmente não são simples de entender. Às vezes, demora uma vida inteira.
É menos sobre o que se aprende. No fundo, é sobre nos fazer pensar. Lições nem sempre tão óbvias.
Aliás, o simples fato dela questionar a existência da tal célula, já é um aprendizado.
Entre outras não-obviedades, entender que grande parte do conhecimento não vem apenas dos acertos, da quantidade de notas 10 no boletim. O erro pode ser uma importante fonte de aprendizado, se o encararmos como uma real possibilidade, ao assumirmos riscos.
Na cultura de inovação, o já consagrado “fail fast, learn faster”.
Óbvio, não é sobre errar muito, mas como usamos os erros para evoluir.
A Apple é um belo exemplo disso: para cada 10 produtos de sucesso, um fracasso retumbante. Lembra do Apple Cube? Então.
O que faz a diferença é como encaramos o erro e decidimos seguir em frente. Isso vale tanto para a aula de botânica da Manu, quanto para os percalços ao longo da carreira ou da vida adulta.
Ter passado por experiências que somaram erros aos acertos me trouxe a capacidade de ver além do momento presente. Um bom marinheiro não se faz sem tempestades.
Tal como no mar, os CEOs devem ter clareza da visão, sem isso, a tripulação fica sem rumo. Aliás, é o que propõe o autor e palestrante Simon Sinek. No lugar do tradicional Chief Executive Officer, um novo título: Chief Vision Office.
Independentemente da sigla escolhida, a visão, aliada a um propósito verdadeiro, consegue transformar inquietação e indignação em ação. E, felizmente (ou infelizmente para alguns), descobrir essa motivação pessoal não está em nenhuma aula de MBA ou podcast da moda.
E, sim, é possível combinar propósito e lucro. Precisamos repensar as habilidades necessárias para que líderes possam focar na rentabilidade do seu negócio, sem sacrificar seu bem mais poderoso: as pessoas.
Uma marca pode oferecer um produto (ou serviço) melhor e ainda impactar positivamente o seu entorno. Ganha a comunidade, ganham os colaboradores e os consumidores. Comunidades fortalecidas alimentam senso de pertencimento e bem-estar, gerando oportunidade de grandes realizações coletivas.
Nessa grande jornada do conhecimento, às vezes o grande aprendizado é desaprender, por mais contraditório que isso pareça. Esse é o caso do “Livro da Desreceita”, da empresa que lidero, que foi desenhado como um fichário, para garantir que os colaboradores pudessem acolher a constante transformação do mercado – substituindo páginas, reorganizando alguns capítulos e incluindo novos e, por que não, jogar fora outros. Um trabalho feito a muitas mãos e que concretizou não só a minha visão, como a de todos que estão comigo a bordo.
É dele que trago uma última reflexão: o aprendizado é nossa maior e melhor ferramenta para o futuro, mas não necessariamente é a mais fácil. Demanda curiosidade, humildade e disposição. Sem isso, corremos o risco de acreditar que o que sabemos é suficiente. E, se tem algo que o tempo provou, é que as pessoas mais confortáveis com seu conhecimento são as primeiras a descobrir o tamanho de sua ignorância.
Steve Jobs já falava: “Você não consegue ligar os pontos olhando para frente, você só consegue ligá-los olhando para trás. Então você tem que confiar que os pontos vão se conectar no futuro”. Seja você um CEO, um navegador, um líder ou a Manu.
Luciana Rodrigues é CEO e presidente da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho MMA Brasil e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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