Para ela é tudo muito simples: “Meu objetivo é ir de um ponto A para um ponto B. É assim que construímos a nossa trajetória no mar e o mais importante é que cada trajeto seja uma escola”. Tudo muito bom, tudo muito bem mas o que Tamara Klink, 24 anos, navegadora, está falando é de uma jornada que, para a maioria de nós, seria algo extremamente remoto ou francamente improvável. Navegar da França até o Brasil, a bordo de uma pequena embarcação, completamente só.
Paulistana formada em Arquitetura pela FAU-USP, ela tem uma irmã gêmea e outra mais nova, filhas de Marina Bandeira e Amyr Klink. Sim, ele mesmo, o grande navegador e a primeira pessoa a realizar a travessia do Atlântico sul a remo, em 1984, além de outras façanhas marítimas como a viagem de circunavegação da Terra a bordo do veleiro Paratii, durante dois anos. Mas os caminhos do mar, Tamara teve de desbravar sozinha.
“Sempre que eu perguntava alguma coisa para meu pai, ele dizia para eu abrir um livro ou ouvir pessoas que sabiam mais do que ele”, conta. Quando ela argumentava que ele já havia feito tudo aquilo muitas e muitas vezes, ele devolvia: “Estou desatualizado, tem gente mais bem informada”. Ao não entregar tudo de bandeja para Tamara, ele a instigou a procurar respostas. Deu resultado.
Na última semana, Tamara chegou a Portugal depois de percorrer a costa norte francesa e enfrentar o tempo carrancudo e o mar encrespado do golfo de Biscaia, entre o sul da França e o norte da Espanha. Empreitada de gente grande.
Tamara passou alguns dias em terra firme preparando o Sardinha – seu veleiro – para seguir até a Ilha da Madeira, em seguida rumar para Cabo Verde e de lá, finalmente, atingir Recife, na costa brasileira. Um percurso que vai durar até novembro, sendo grande parte no meio do Atlântico: “Eu calculo que essa parte deve levar entre três semanas e um mês”, informa Tamara. Detalhe: sem internet a bordo, com direito apenas a mensagens de SMS – 160 caracteres cada – para um seletíssimo grupo de quatro pessoas escolhidas por ela. Ah, e dormindo quatro horas por dia, fracionadas em períodos de poucos minutos.
Tamara Klink é uma simpatia. Sorriso largo, conversa fluente e a capacidade de falar sobre prováveis dificuldades durante a rota marítima como se estivesse comentando a troca de um pneu de bicicleta. “Acredito que a partir de agora a dificuldade será mais emocional. Passar muitos dias sem me comunicar com ninguém e enfrentar períodos de calmaria, que costumam ser tão problemáticos como dias de mau tempo”, resume.
A atual jornada de Tamara começou algum tempo antes, quando ela teve de levar o Sardinha, comprado na Noruega, até a França, através de uma zona marítima de intenso tráfego de embarcações de grande porte e de barcos pesqueiros.
Na empreitada, ela conta com o patrocínio do Magalu, da Localiza e da Prevent Senior Sports. Outros parceiros devem se juntar ao apoio nos próximos dias. No começo da conversa – via WhatsApp diretamente do Sardinha, ancorado em Lisboa – Tamara quis saber: “Por que Mulher de Sucesso? Afinal, eu só tenho 24 anos e minha viagem ainda nem chegou na metade”, indagou.
Bem, nós sabemos o porquê, Tamara. A seguir, os melhores momentos do delicioso papo com a navegadora.
A voz do mar
“Optei por ter uma comunicação restrita durante a viagem porque a minha geração conviveu muito pouco com essa impossibilidade de falar com todo mundo o tempo todo. Nas futuras viagens pretendo ter ainda menos comunicação, porque serão para lugares com menor contato com a terra. Quero sentir como é estar sozinha sem ouvir a voz de ninguém. Como eu falo muito e gosto de ouvir, será um exercício muito interessante.”
Mil e Uma Noites
“Cresci ouvindo e lendo muitas histórias e fui para o mar graças a elas. Imaginava o mar, os ventos, as distâncias, os fenômenos da natureza. Por isso é importante para mim atravessar esse momento, vivenciando tudo e também contando com a imaginação.”
Momento animal
“Outro dia, enquanto eu navegava, havia golfinhos nadando perto do barco. Achei o máximo e mergulhei minha câmera GoPro para filmá-los e achei que havia feito imagens lindas. Quando vi o resultado, eram os golfinhos fazendo cocô, deixando aquele rastro marrom atrás deles. Senti uma certa vergonha alheia. Mas, quer saber, no final fiz mesmo imagens incríveis, porque afinal eu não sabia se os dejetos dos golfinhos eram marrom, laranja ou fosforescente.”
Mamãe e papai sabem tudo
“Meu pai e minha mãe são minhas grandes inspirações, a principal razão de eu poder sonhar e realizar o que estou fazendo agora. Minha relação com o mar começou quando meu pai saiu para navegar e eu descobri a falta que faz uma pessoa importante na sua vida. Minha mãe é uma influência enorme, eu sorrio muito e falo muito como ela. Meu pai já é mais quieto, fala pouco. Em casa, ele dizia que a gente só podia ouvir música com fone de ouvido porque ninguém deve impor seu gosto musical para os outros.”
Planeta água
“Sou formada em Arquitetura e vi como o crescimento urbano no Brasil nos afastou do mar, algo que sempre foi muito importante para o país. Podemos ver isso no relacionamento de São Paulo com nossos rios. Enquanto a cidade cresceu, os rios foram canalizados, usados para despejar o esgoto e a população evita chegar perto. Eles poderiam ser a grande riqueza de São Paulo e de outras cidades. Quanto mais a gente navega, mais nos preocupamos com o futuro e a saúde das águas.”
Mulheres ao mar
“Entre os 14 e os 23 anos comecei a ler sobre mulheres navegadoras e foi uma revelação. Minha grande inspiração é a inglesa Elle MacArthur, a primeira a quebrar o recorde de circunavegação solitária do globo. Ela começou com um barco pequeno, que comprou com o dinheiro que ganhava trabalhando na cantina do colégio. Hoje ela é um dos grandes nomes no setor da economia circular – que promove o desenvolvimento sustentável e a economia verde. Há também a bióloga marinha e exploradora Sylvia Earle. No Brasil temos Izabel Pimentel, um pouco polêmica, mas a primeira brasileira a fazer a circunavegação solitária ao redor da Terra. Sem falar nas maravilhosas Martine Grael e Kahena Kunze, bicampeãs olímpicas.”
No divã
“Faço terapia desde que tive depressão durante o ensino médio. Foi revolucionário, porque procurei por uma necessidade, mas descobri como me preparar para o estresse de uma travessia marítima, encontrar soluções e ter disciplina.”
Cardápio a bordo
“Para a viagem atual, fiz preparação física – para ter força e evitar lesões com musculação, remo e ioga. Montei um cardápio vegano e vegetariano com a ajuda de uma nutricionista. Para mim faz cada vez menos sentido se alimentar de animais, inclusive pelo impacto ambiental que esse tipo de alimentação causa. E também para evitar os enjoos marítimos. Estou comendo alimentos liofilizados que ficam prontos em cinco minutos. É só adicionar água quente na embalagem. Também estou levando frutas secas e grãos.”
Música aquática
“Minha playlist a bordo é bem variada, com músicas que lembram minha infância, adolescência e meus amigos. Tem Chico Buarque, cantores franceses – como Yael Naim -, poetas que cantam o mar – como Dorival Caymmi – e Tom Waits.”
Navegar é preciso
“Sucesso? Acredito que quanto mais eu aprender, mais terei sucesso. Meu objetivo a longo prazo é navegar tanto a ponto de quebrar o barco inteiro e eu saber consertar cada uma das partes. Por isso é bom sempre ter uma nova viagem em vista para sentir cada dificuldade como uma oportunidade de aprendizado para a próxima, que será mais difícil.”
Cidadã do mundo
“Falo portugês, inglês, francês e arraso no portunhol, sou super fluente.”
Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
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