Aos 10 anos, quando a brasiliense Daniela Santoro assistia a rotina de vacinação de sua irmã mais nova, apenas uma coisa passava pela sua cabeça: como uma simples gotinha pode salvar a vida de uma criança? Na época, ela não tinha resposta para essa pergunta, mas já achava a história fascinante. Hoje, Daniela transformou a curiosidade em estudo e se tornou imunologista e docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Mais do que isso, aos 46 anos, a pesquisadora está entre os 30 cientistas que trabalham para criar o spray nasal que promete ser um reforço para a imunidade contra a Covid-19.
O spray, que está sendo testado em animais desde dezembro de 2020, nasceu do raciocínio de que, para invadir o corpo humano, cada doença escolhe uma porta de entrada. O tétano, por exemplo, ataca pelo sangue, enquanto a pneumonia avança pelos pulmões. Em doenças respiratórias, como o coronavírus, a infecção ocorre principalmente pelas mucosas da boca e do nariz. A ideia é induzir uma resposta imune exatamente no local onde ocorre esse primeiro contato.
“A pessoa é infectada pelo SARS-CoV 2 por gotículas que entram pelas vias áreas superiores. Queremos induzir uma resposta imune na mucosa para tentar impedir que a infecção ocorra e reforçar o trabalho das vacinas”, explica Daniela. As vacinas que temos até o momento são intramusculares e estimulam a produção de anticorpos dos tipos IgM e IgG, que circulam no sangue e no plasma. “Elas são muito eficazes no combate ao vírus, sem dúvidas. No entanto, ainda enfrentam o desafio de barrar a grande capacidade de transmissão desse vírus.”
O spray nasal não descartaria a necessidade de vacinação convencional, mas trabalharia como um parceiro na imunização. Para a pesquisadora, esse estudo se torna mais relevante quando se observa o surgimento e a força das variantes. “Em breve, o Brasil inteiro vai estar vacinado, mas ainda temos as mutações circulando, então estamos trabalhando para nos adaptarmos a elas.”
Por enquanto, ainda não se sabe quantas doses seriam necessárias para confirmar o reforço, mas a ideia é terminar os testes até o final do ano e seguir para os testes clínicos em pessoas em 2022. Os pesquisadores esperam distribuir o imunizante completamente brasileiro pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que poderia ser aplicado pelo próprio paciente e oferecido em farmácias, sem a necessidade de um profissional de saúde para aplicar. Outra boa notícia é que a vacina sintética em forma de spray não é produzida com vírus ativado, então tem baixo risco de efeitos colaterais.
Quando os primeiros casos de Covid-19 foram registrados em solo nacional, a Unifesp foi procurada pela CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) para compartilhar o laboratório, que é nível três de segurança (espaço para trabalho com agentes de risco biológico de risco individual elevado), para testar compostos do vírus. “Em poucas semanas, nos envolvemos com a situação e formamos uma espécie de consórcio de pesquisadores com o intuito de tentar desenvolver uma vacina completamente brasileira”, conta. Em parceria com o laboratório do Dr. Roberto Kalil no Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas), mais de 30 estudiosos se envolveram no trabalho, com financiamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
A VIDA CIENTÍFICA
Filha de um pai militar e de uma mãe administradora, Daniela não tinha referências familiares na área da ciência. Foi dentro de casa que ela percebeu o quanto as pessoas ainda não entendem como é a vida de um pesquisador. “No começo, minha escolha gerou uma certa estranheza. Me perguntavam se minha profissão era ser estudante e não entendiam como isso podia ser um trabalho.”
Formada em biomedicina pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a pesquisadora se mudou para São Paulo assim que terminou a graduação. Seu sonho era estudar na Unifesp, onde fez um mestrado em imunologia. Tanto no mestrado quanto no doutorado – feito em partes na França -, o foco era a vacina para a malária. Já no pós-doutorado, começou a pesquisar imunizantes contra o HIV.
Em 2010, já como professora da Unifesp, ganhou a oportunidade de ter seu próprio laboratório. “Comecei trabalhando com HIV, mas em 2014 os primeiros casos de zika e chikungunya surgiram, então direcionei os esforços para vacinas nessa área”, diz. Nesse meio tempo, a professora se interessou por uma segunda linha de estudo: a relação entre sono e imunidade. “Estabeleci uma linha de pesquisa no meu laboratório para estudar a relação entre a resposta imune do corpo humano e os distúrbios de sono.”
Nos últimos seis anos, descobriu – por exemplo – que animais privados de sono têm sintomas de asma alérgica piorados, o que prova o impacto positivo de uma noite bem dormida em nossa saúde. De forma conjunta, os estudos de desenvolvimento de vacinas e as pesquisas sobre distúrbios de sono começaram a conviver dentro de um mesmo laboratório. Tudo isso até chegar a pandemia de Covid-19.
Com esse novo campo de atuação, Daniela espera alcançar reconhecimento no Brasil. “Quando publicamos artigos, mostramos nosso potencial para a comunidade científica internacional. Mas a população brasileira, de um modo geral, nunca deu muito valor à ciência. Espero que isso tenha mudado um pouco durante a pandemia”, diz. Seu sonho é assistir outras crianças se apaixonando pelo mundo das vacinas e dos imunizantes da mesma forma que aconteceu com ela durante a infância.
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