A maternidade perpassa as vidas de Flávia Deutsch e Paula Crespi, seja pessoal ou profissionalmente. Em pleno puerpério, Flávia convidou a ex-colega de MBA em Stanford para jantar e fez um convite: começar um negócio juntas, possibilidade que elas já vinham estudando desde o curso, em 2010. Foi aí que começaram a desenhar o que viria a ser a Theia, femtech fundada em 2019, com foco em atendimento à mulher gestante.
À época, receberam um dos maiores aportes de venture capital injetados em um negócio liderado por mulheres na América Latina, cerca de R$ 7 milhões. Agora, além de co-CEOs da Theia, elas também são clientes de seu próprio negócio. Grávidas de seis e oito meses, respectivamente, Flávia e Paula anunciam um novo aporte, de R$ 30 milhões, para expandir sua operação de tecnologia.
A rodada seed, tipo de investimento que busca recursos para um estágio mais avançado da startup, foi liderada pelo fundo americano 8VC. Também entraram o fundo americano Canaan, especializado em saúde, além da Kaszek Ventures, que já havia liderado a última rodada de investimento da Theia.
Antes de começarem a desenvolver a startup, elas se depararam com dados que consideraram preocupantes e que mostram como as gestantes têm pouco controle sobre sua saúde. Ao começar uma gestação, 70% das mulheres brasileiras querem um parto normal, mas 55% delas têm cesarianas – no setor privado, a taxa vai a 85% –, segundo estudo do IBGE. O índice de cesáreas indicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%, e o procedimento é recomendado apenas em casos específicos. “Nossa ideia foi trazer a tecnologia e desenhar um sistema em que a mulher pudesse ter direito de escolha e ser protagonista da sua história”, diz Flávia.
Clientes e co-CEOs da Theia
Fisioterapia pélvica, doula, acompanhamentos psicológico e nutricional são exemplos de atendimentos que Paula não teve na sua primeira gestação, mas que agora reconhece a importância. “Poder passar pelo que nós mesmas criamos é essencial e está sendo muito especial porque a gente desenhou algo que tem muito cuidado. É uma experiência muito diferente do que eu já tive em saúde, então eu me sinto extremamente bem cuidada e muito mais confiante”, diz Paula.
Por meio do site e aplicativo da Theia, as mães recebem indicação de consultas e ações a serem realizadas. Podem agendar consultas presenciais e online, receber conteúdos e navegar seus dados de saúde, acompanhadas por uma especialista pessoal que coordena outros profissionais que a acompanham durante a gestação.
Ser cliente do próprio negócio também é uma oportunidade de aprimorá-lo. “Existe uma diferença de quando você constrói e quando você de fato vira cliente e paciente. Agora, a gente consegue entender muitas coisas que funcionam bem e onde a gente tem espaço para desenvolver melhorias”, diz Flávia.
Expansão
Em 2021, a Theia quintuplicou sua receita. Naquele ano, realizou mais de mil atendimentos, somando centenas de pacientes consultadas. Este ano, o número de pacientes dobrou. Além disso, elas tiveram uma taxa de cesáreas de 35%, enquanto a da rede de saúde privada no Brasil é de 85%. “Tivemos resultados de saúde excelentes, reduzimos bastante as taxas de prematuridade, internações hospitalares e o índice de cesárea em relação à média no Brasil, e tivemos um NPS [metodologia que analisa o nível de satisfação dos clientes] altíssimo, acima de 90.”
Com esses resultados, elas perceberam que tinham nas mãos algo significativo para as mulheres. O próximo passo seria expandir. No começo deste ano, abriram a primeira clínica presencial, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. As cores, formas, artes feitas por mulheres brasileiras na parede, macas para todos os tipos de corpos e salas com sofás em vez de mesas, com o objetivo de horizontalizar a relação com os especialistas, foram pensadas para criar um ambiente acolhedor.
Com o objetivo ampliar os atendimentos, elas vão usar o aporte recebido para intensificar parcerias com planos de saúde, além de investir em softwares e tecnologia dentro da operação. “A gente começou a Theia querendo mudar de fato o cenário de saúde do país. E a gente não vai fazer isso trabalhando só com a população que consegue pagar”, diz Flávia.
Elas defendem que o mundo da saúde é muito focado nas doenças, e o paciente acaba sendo a ponta frágil da relação e não tem poder de escolha, o que acontece com muita frequência para as mulheres. Com a equipe transdisciplinar de especialistas alinhados para cuidar do pré, durante e pós-parto, a mulher fica no centro do cuidado. “É muito bom estar grávida vivendo isso”, diz Flávia, enquanto sua bebê chutava na barriga.