Nesta última semana meu estômago revirou. Senti dores físicas. Doeu por outra pessoa. Doeu por ser mulher. Doeu porque já estive em uma mesa de cirurgia passando por uma cesárea, e sei o quanto esse momento é único.
Pensei em quantas vezes andei mais rápido na rua por medo. Pensei em quantas vezes me calei por sentir que talvez o que eu tivesse a dizer em um ambiente masculino fosse menos relevante.
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Em todas as situações em que me senti desconfortável pelo simples fato de ser mulher.
No quanto olhares ou palavras já me constrangeram. No quanto já duvidei de mim mesma e da minha capacidade, só por ser mulher.
Em cada amiga que já sofreu situações inimagináveis.
Em uma amiga que teve que expor sua intimidade para provar a violência que sofreu durante o parto, no momento em que a mulher se encontra mais vulnerável, e se tornou alvo de comentários do tipo “acho que ela exagerou”.
Em cada mulher que chegou a pensar que a culpa era dela. Que chegou em casa e chorou sozinha, por vergonha, por medo. E acreditou que estava só.
Pensei em cada mesa que já me sentei e ouvi algum amigo se gabar e se referir a mulheres como meros objetos. No quanto eu mesma já normalizei esses fatos.
No quanto esses fatos se tornam corriqueiros. Em como a gente se acostuma até com o que não deveria se acostumar.
Não é “papinho” feminista. Não precisamos nem usar o termo feminismo aqui. Basta ter senso crítico.
100% das mulheres já sofreram algum tipo de abuso. 100% das mulheres já se sentiram desconfortáveis em alguma situação.
Cem por cento.
Por outro lado, nenhum homem que eu conheço já abusou de alguma mulher. Nem os amigos desses homens. Agora me diga, essa conta fecha?
É mais fácil culpar a sociedade em que vivemos, a herança de um contexto histórico, a educação que foi dada, nossa cultura que normaliza o desrespeito, a circunstância, a roupa, mas nunca o indivíduo.
Que homens se questionem mais e rompam esse quase pacto coletivo de não falar sobre isso. Ser “brother”. Proteger. O nome disso não é amizade, é conivência.
Que nunca mais seja necessário perguntar “e se fosse com a sua filha?”
Que a gente não se esqueça, não se acostume, não se acomode. Que acontecimentos tão tristes não sirvam apenas como pauta para mídia.
Que a gente plante e regue essa sementinha dentro das nossas casas dia após dia, de forma que nossos filhos sejam diferentes da nossa geração e das passadas.
Que a gente fale mais sobre isso. E que seja desconfortável mesmo. Mas que seja um desconforto de todos, e não apenas das mulheres. E que assim, finalmente, a gente mude.
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
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