Na semana passada me despedindo dos meus pais, em vez de desejar uma boa viagem como de costume, simplesmente falei “que seja leve”.
Na minha caminhada, cada dia se torna mais evidente que a leveza tem mais a ver com os personagens do que com o roteiro.
E que fique bem claro: não me refiro aqui a gente superficial, que não se aprofunda em nada, e nem mesmo ao estereótipo zen/good vibes.
Tampouco me refiro a uma busca incessante pela leveza, que paradoxalmente a transformaria em um peso. Me refiro à leveza possível: aquela que nos faz separar o que é realmente digno de nos tirar o sono do que é perda de tempo. Aquela leveza da vida real, que admite que existem pedras pelo caminho, mas que é possível torná-las menores ou maiores do que realmente são. Quando nos afastamos e colocamos as coisas em perspectiva, tudo toma sua devida proporção.
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Uma viagem serve para mim como o exemplo perfeito: férias, uma viagem a lazer, provavelmente estaremos acompanhados das pessoas que mais gostamos em um lugar que programamos com bastante antecedência. Você avisou no trabalho que estaria desconectado durante toda a semana, afinal quer curtir a família. Faz um bom tempo que não viajam juntos… Teria tudo para dar certo, correto?
Tudo começa no aeroporto. Uma fila enorme no Check in, você não encontra o passaporte pelo tempo que parece uma eternidade, você culpa sua esposa e ela te culpa, até notar que estava o tempo todo no bolso. Você decide comer uma pizza, mas a pizzaria está fechada, o que te chateia e impede de notar que ali ao lado tem um hambúrguer maravilhoso. Passa pelo raio-x, te pedem para tirar tudo da mala, e você o faz resmungando. Finalmente embarca, o colega ao lado ronca. Você dá tanta importância que se torna o foco da sua noite. Seus filhos brigam, você pensa “não deveria ter trazido”. Vocês chegam no hotel. O hóspede na sua frente que conversa com o concierge demora, e você amaldiçoa até sua quinta geração. No jantar, se incomoda com os jovens falando alto na mesa vizinha, e acha que sua não pega a melhor vista. Durante os dias seguintes da viagem, apenas reclamações: sobre o dia quente, piscina fria, academia cheia, música ruim, táxi lento, escadas demais.
Assim segue a viagem, você se incomodou com tantos detalhes que não conseguiu curtir. Nem notou que estava com as pessoas que mais ama, que fizeram dias lindos, que o lugar era cheio de história, que as ruas eram charmosas. Que era um privilégio estar ali, que era um privilégio ter uma esposa companheira e filhos com tanta saúde. Quando percebe, lá se foram as férias. Lá se foi a vida. E que me desculpe a libra, mas essa sim é uma moeda valiosa. A única que não tem volta: o tempo.
Uma mesma situação pode se apresentar de diferentes formas para pessoas distintas. Uma mesma história pode ser narrada sob diferentes pontos de vista. Já conheci pessoas que tinham tudo e não conseguiam se alegrar com nada como já conheci pessoas que não tinham o básico e valorizavam imensamente o pouco que tinham. Isso tudo porque a forma com que enxergamos a vida não reflete exatamente como as coisas são, e sim como nós somos. Não há dinheiro, beleza, sucesso ou status no mundo que possam trazer felicidade a quem só consegue enxergar as insignificâncias. O pneu que fura, o vôo que atrasa, o wi-fi que não funciona, a cerveja quente são meras trivialidades.
Já fui a pessoa que pensou que seria mais feliz se estivesse em Paris, enquanto a felicidade estava a cinco passos de mim, na sala de casa, com as pessoas que amo. Já fui a mãe que perdeu pequenos momentos buscando uma perfeição inatingível e incomodada com tudo que saía fora do roteiro. Já fui a pessoa que achou que tudo que vivia no presente era treino para uma vida que ainda começaria, enquanto o relógio na realidade estava correndo. Já fui a pessoa que não conseguiu perceber pequenos prazeres enquanto perdia tempo focando nas imperfeições. Em alguns momentos, confesso que ainda sou.
Agora vou te contar algo que aprendi sobre essa lente: não se compra, não se vende, não se empresta. É uma escolha diária sobre a forma com que escolhemos usar nosso tempo. Então olhe ao redor e responda: com que lente você tem enxergado sua vida? Você tem escolhido o peso ou a leveza?
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
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