Uma das mulheres mais poderosas de 2022 morreu sem saber do impacto que teve no mundo.
No dia 13 de setembro, a jovem de 22 anos Jina “Mahsa” Amini foi presa pela polícia moral do Irã por usar seu hijab incorretamente e, de acordo com a sua família e as mídias locais, foi torturada severamente. Ela morreu três dias depois enquanto ainda estava sob custódia da polícia.
Após a publicação de relatos do que teria acontecido com ela – em grande parte, graças às repórteres Niloofar Hamedi e Elahe Mohammadi, as quais, desde então, estão presas –, protestos explodiram pelo país. Eles foram liderados por mulheres que rasgaram seus hijabs, cortaram seus cabelos e adotaram o lema “mulher, vida e liberdade”.
Entretanto, o poder da morte de Amini – e a razão pela sua inclusão na lista da Forbes das 100 mulheres mais poderosas do mundo –, que começou como um grito contra o tratamento das mulheres no Irã, evoluiu para um movimento revolucionário que reivindica mudanças no regime do país e vem sendo reconhecido pelo mundo todo. O nome de Amini não só se tornou sinônimo da repressão do governo teocrático, mas também se transformou em uma hashtag que, até dia 30 de novembro, havia sido usada 79 milhões de vezes.
“Mahsa Amini agora é um símbolo global de liberdade não restrito apenas ao Irã”, diz Nina Ansary, historiadora e ativista pelos direitos das mulheres.
Ansary e outros membros da diáspora iraniana dizem ser importante lembrar que esse protesto, que já dura 80 dias, desafia um regime que, por lei, trata mulheres como cidadãs de segunda classe. Em 8 de março de 1979, menos de um mês após a Revolução Islâmica ter consolidado seu controle, milhares de mulheres foram às ruas de Teerã para protestar contra as novas políticas propostas pelo governo, que iam além do uso compulsório do hijab ou de roupas que cobrem todo o corpo da mulher.
“As leis introduzidas após a Revolução Islâmica basicamente institucionalizaram a discriminação”, afi9rma Roya Boroumand, cofundadora e diretora-executiva da organização iraniana de direitos Abdorrahman Boroumand Center. “Aqui, as vidas das mulheres têm metade do valor daquelas dos homens. Os testemunhos delas têm metade do valor daqueles dos homens, além de terem perdido o direito de se divorciar e de ter a custódia de seus filhos.”
Gatilho dos recentes protestos
Outros movimentos já reivindicaram transformações no Irã. Uma campanha em 2006 buscava um milhão de assinaturas para mudar as leis discriminatórias do país e, pelos últimos oito anos, a jornalista e ativista Masih Alinejad tem postado vídeos de pequenos grupos de mulheres participando de atos de desobediência civil, como andar pelas ruas não usando o hijab.
No entanto, foi necessária a morte violenta de Amini para levar o povo iraniano às ruas e conquistar a atenção do mundo. Por quê?
“Mahsa era uma jovem curda”, diz Alinejad, se referindo ao grupo que é minoria étnica no Irã. “Se não fosse pelas pessoas curdas tornando o funeral dela um protesto massivo contra o uso compulsório do hijab e o governo islâmico, não acredito que veríamos revoltas dessas proporções ao redor do país.”
O outro poder de Amini era o fato de ela ser uma mulher como qualquer outra, com a qual milhares de mulheres puderam se identificar. “Ela não era uma ativista”, diz Hadi Ghaemi, fundadora do Centro pelos Direitos Humanos no Irã. “Seu rosto e suas experiências eram muito íntimas e, assim, familiares a qualquer família iraniana, porque toda vez que suas mães, irmãs e filhas saem de casa, elas são assediadas, presas ou até mesmo torturadas pela polícia moral.”
Repressão às iranianas
Amini não foi a primeira pessoa a morrer sob a custódia da Guarda Revolucionária do Irã e não será a última. Oficiais do governo iraniano reportam que aproximadamente 300 pessoas já foram mortas por conta dos protestos no país, apesar de grupos de direitos humanos afirmarem que o número de mortos, na verdade, está próximo de 500. No último mês, o Conselho de Direitos Humanos da ONU concordou em investigar possíveis violações de direitos humanos no Irã.
O apoio da comunidade internacional dá esperança à Amani e a outros de que esse movimento finalmente irá gerar reformas no Irã. “As mulheres não vão recuar”, ela afirma. “Elas não se sacrificaram durante décadas e pelos últimos dois meses e meio para voltar às suas casas.”
Entretanto, o poder do regime não pode ser subestimado, uma vez que ele já foi mais forte que os protestantes no passado. Ghaemi alerta o mundo de que o governo iraniano pode ter uma reação apaziguadora, como concordar em fazer pequenas mudanças sem realmente ter transformações consideráveis.
No último domingo (4), essa previsão de Ghaemi se concretizou. Alguns informes alegaram que o advogado-geral iraniano teria afirmado o desmonte da polícia moral. Oferecendo vagos detalhes, a mídia explica que ainda é cedo para escrever o obituário da polícia moral do país.
A população iraniana pode ter que se preparar para uma luta mais longa, que pode piorar antes de ter vitórias. Alinejad crê no poder das mulheres iranianas – e, infelizmente, no poder do medo. Ela nos conta sobre uma adolescente cuja mãe lhe advertiu para não se juntar aos protestos pelo medo de sua filha ser morta.
“Não posso escolher o que eu visto”, a jovem disse à mãe. “Não tenho o direito de dançar em público. Por lei, eu não posso ser eu mesma. Eu já estou morta. Mas, quando eu for às ruas, eu terei um sonho. É isso que me mantém viva.”