Em 2021, o cofundador e CEO da Sympla Rodrigo Cartacho convidou a única mulher na diretoria da empresa para assumir seu cargo. “A Sympla é a minha filha que hoje eu só consigo entregar para quem consegue ser mãe”, disse ele à até então diretora de operações Tereza Santos, que surpreendeu Cartacho com seu olhar de otimismo e inovação em meio à pandemia. “Ser mulher, mãe, resiliente, ter passado por atendimento, escutado clientes e vindo de tecnologia são meus grandes diferenciais”, diz Santos.
A executiva aceitou a proposta e passou a liderar a plataforma online de eventos em um momento em que o setor vislumbrava sua retomada pós-pandemia. A nova CEO guiou a empresa em meio à demanda reprimida pela crise e registrou crescimento de 150% entre 2021 e 2022 e de mais de 90% no último ano fiscal, que termina em 31 de março.
Hoje, Santos está à frente de 250 colaboradores e cerca de 30 mil eventos simultâneos à venda na plataforma. Entre janeiro e dezembro do ano passado, foram 223 mil eventos e 40 milhões de ingressos emitidos. Mas mesmo cumprindo algumas funções burocráticas que sua cadeira exige, ela permanece focada nos clientes. “A gente não vende ingresso, a gente vende experiência. E com evento não tem margem de erro porque não tem 2ª chance para levar a mãe pela 1ª vez num teatro ou pedir a noiva em casamento durante um show.”
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Do call center ao mundo dos eventos
Santos chegou à Sympla em 2019, depois de a empresa receber um aporte da Movile, dona de marcas como iFood e Afterverse, e comprar a carteira de clientes da Ingresso Rápido, cuja operação era liderada pela executiva.
Começou a carreira como atendente de telemarketing, aos 18 anos, e depois se candidatou a uma vaga de suporte técnico – mesmo sabendo quase nada de internet. “Aquilo foi a minha grande escola da vida corporativa. Eu indicaria para a minha filha começar com atendimento ao cliente”, diz a executiva, que logo passou a assistente comercial e ficou nove anos na empresa de call center. “Me formou como pessoa porque eu estava na fase de ganhar casca e como profissional naquilo que me norteou a carreira toda, que é ouvir o cliente.”
Santos engravidou em 2009, aos 28 anos, quando era diretora comercial, em um período que coincidiu com a venda da empresa. A poucos meses de ter sua filha, hoje com 13 anos, ouviu do CEO que teria que escolher o que fazer, já que, como PJ, não teria licença-maternidade. “Foi um banho de água fria depois de nove anos de história. Mas decidi tirar um sabático e focar em ser mãe.”
Com uma bebê de seis meses no colo, ela já sentia a necessidade de voltar ao mundo corporativo. Passou pelo setor financeiro e por uma empresa de tecnologia que ficava do lado oposto da sua casa. “Eu atravessava São Paulo na hora do trânsito, tinha vezes que largava o carro na rua e pegava o metrô correndo para buscar minha filha na escola.”
Até fazer uma entrevista para a vaga de gerente comercial na Ingresso Rápido e se encantar pelo agito do mundo do entretenimento. “O CEO falava de produção de eventos e eu pensava que o maior evento que eu já tinha produzido era a minha festa de casamento ou o aniversário de um ano da minha filha.”
Líder de transformação digital
A executiva entrou com uma mente de transformação digital em uma companhia que tinha 80 pessoas vendendo ingressos por telefone, mas que acabara de receber um aporte da Movile. Em 2015, depois de um problema com a abertura das vendas do show de um artista internacional, a então diretora de operações saiu do cargo e Santos foi promovida. “Transformamos o site num ecommerce, trouxemos tecnologia com sistema de lugar marcado e começamos a fazer pesquisa e ouvir clientes.”
Seu background em tecnologia também foi importante para pensar formas de manter a Sympla – que teve sua receita cortada em 98% em março de 2020 –, girando apesar do apagão que a pandemia causou no setor de eventos. “A gente precisava fazer algo para movimentar nossos mais de 200 mil produtores de eventos”, lembra Tereza, que participou do lançamento do streaming da Sympla, incentivou o teatro online, eventos no formato drive-in e também promoveu cursos na plataforma.
Hoje, como CEO, a executiva continua investindo em tecnologia para criar uma plataforma personalizada para os clientes e está atenta às suas necessidades e aos movimentos do mercado. “Eu estou o tempo inteiro com o radar ligado”, diz ela, que divide sua rotina estrategicamente para estar em campo, manter contato com os clientes e cumprir a agenda interna e mais burocrática da empresa.
A gestão de tempo é importante para a executiva que, além da carreira, equilibra os papéis de mãe e esposa. “Eu sempre digo que não é fácil, mas não é impossível.”
Santos é a primeira CEO mulher dentro do grupo Movile e também a única à frente de uma empresa de venda de ingressos. Ela não gostaria de ser a única, algo que foi frequente na sua trajetória em tecnologia, mas entende a representatividade por trás disso. Teve a certeza de que tomou a decisão certa ao assumir o cargo de CEO quando falou sobre seu trabalho para a sua filha, que perguntou se também podia ser CEO trabalhando com moda. “Percebi que direta e indiretamente podia estar representando os sonhos de muitas outras mulheres.”
Turning point da carreira
“Foi o dia que um cliente apareceu na Ingresso Rápido com a foto do filho dele. Em 2015 teve uma abertura de venda para o show do David Gilmour, o guitarrista do Pink Floyd, e deu tudo errado, a conexão caiu e muita gente ficou sem ingresso. Um senhor apareceu na recepção da Ingresso Rápido para quebrar a bilheteria se não conseguisse um ingresso. Eu mandei ele para casa e liguei à noite dizendo que tinha conseguido um ingresso. E quando ele foi buscar na minha mão ele disse que o filho era cover do David Gilmour, tinha morrido num acidente de carro e que ele ia tinha prometido levar o filho no show de qualquer jeito, e me mostrou a foto. Até aquele momento eu trabalhava muito pensando no lado financeiro, e ninguém trabalha por hobby, mas ali eu encontrei um propósito.”
Quem me ajudou
“Não tem uma pessoa só e para mim foram várias, mas eu acho que hoje minha maior motivação vem do meu esposo e da minha filha. Minha mãe foi para mim uma grande inspiração e a minha avó, que morava no interior com nova filhos e um marido extremamente machista e venceu todas as barreiras para sair de casa e ir trabalhar.”
O que ainda quero fazer
“Muita coisa, não quero parar nunca. Ainda quero fazer a Sympla voar muito alto, tenho o sonho de levar para outro patamar, internacionalizar, futuramente quem sabe abrir capital. Tenho o sonho de trazer uma força cada vez mais feminina e ser uma grande referência, fazer o setor de eventos superar barreiras.”
Causas que abraço
“Todas são muito importantes. Eu trago muito a causa da mulher, acho que o que eu vivi e escutei sempre é um zumbido no meu ouvido. A causa racial também porque eu fico pensando que se eu, uma mulher branca privilegiada, passei por isso, imagina as dificuldades de uma mulher preta. E as causas LGBTQIA+ porque o mundo ainda fala muito e pratica pouco. Essas são as causas que eu abraço, até porque em eventos e entretenimento tem que ter diversidade.”
Minha formação
Publicidade e propaganda na Anhembi Morumbi e MBA na FGV (Fundação Getulio Vargas)
Quinzenalmente a Forbes publica a coluna Minha Jornada retratando histórias de mulheres que trilharam vidas e carreiras de sucesso.