Parece um filme quando Patricia Bonaldi, de 42 anos, puxa pela memória o fio de lembranças de como se encantou pela moda, ainda criança, em Uberlândia (MG). Seu programa predileto era acompanhar a mãe na costureira Elza.
“Amava ir às lojas de tecidos, imaginar as roupas sendo construídas. Foi aí que minha paixão pela moda nasceu. Ficava na fila, olhando o estilista que trabalhava para a loja. As mulheres compravam tecido e já pediam um desenho. Ele fazia coisas espetaculares. Depois, em casa, fazia os meus primeiros desenhos. Quando voltava na loja, conversava com o estilista, dava ideia, mudava o que ele estava fazendo, sugeria encurtar o vestido…”, lembra.
O roteiro deste filme, porém, não levou a protagonista direto aos holofotes da moda. Outras ideias povoaram a mente da jovem mineira. “Sonhava em ser médica. Cheguei a me formar em patologia clínica, mas no estágio percebi que meu emocional me impediria de seguir na profissão. Me envolvia com os pacientes.”
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A próxima curva do destino levou Patricia ao Direito. “Após a medicina, a vontade de ser juíza prevaleceu. Sempre gostei do senso de justiça e da argumentação.” Trancou o curso na Universidade Federal de Uberlândia aos 19 anos, ao decidir viajar para o Japão com um colega de faculdade, Luiz Moraes (o conheceu no casamento da melhor amiga) – seu marido até hoje.
“Passamos três anos lá, foi muito engrandecedor. Trabalhávamos em uma fábrica de componentes eletrônicos – eu, 12 horas por dia; ele, 15. A gente já foi sabendo que voltaria ao Brasil para abrir nosso negócio. Esta vivência no Japão foi uma das experiências mais transformadoras da minha vida. Aprendi sobre disciplina, determinação e planejamento – e a acreditar no meu potencial.”
O plano anterior à temporada japonesa – viveram em Harajuku, bairro que transpira moda em Tóquio – foi cumprido à risca. Ao retornar a Minas Gerais, começaram uma história que completou 20 anos. A continuação deste longa-metragem agora mira cenas em locações cada vez mais internacionais.
A dois dias de desfilar 38 looks da coleção de outono da PatBO, em fevereiro, na New York Fashion Week (quarta participação; única marca brasileira a participar do calendário oficial do Council of Fashion Designers of America), Patricia conversou com a Forbes. Veja a seguir:
Forbes: Como a marca evoluiu nesses 20 anos?
Patricia Bonaldi: Em 2002, a marca nasceu com o nome Patricia Bonaldi. O nosso foco era o mercado de festa, vestidos bordados. Dez anos depois, em 2012, surgiu a PatBO, que veio a partir do meu desejo de ingressar no mercado casual. Mantivemos o nosso principal valor, o handmade, levando o bordado, a alfaiataria e a estamparia feita à mão para um lado mais experimental e ousado. Hoje, acredito que nosso principal diferencial é oferecer uma coleção ampla, transitando por evening, jeans, casual e beachwear. Ano passado, tivemos resultados fantásticos nas vendas globais para o atacado da PatBO, além do e-commerce internacional, que cresceu 265%. Tudo isso sem investidores ou um grande grupo por trás.
Quais as principais metas da marca em 2023?
No Brasil, temos 10 lojas próprias: queremos chegar a 20 em três anos. Mas o foco é a expansão do mercado internacional. Estamos presentes em mais de 25 países, em 250 pontos de venda. Hoje os Estados Unidos são nosso maior mercado. Além do e-commerce, abrimos uma loja há um ano e meio no Soho (NY). No segundo semestre, vamos abrir uma segunda loja no país. Na Europa, contratamos direção comercial em Lisboa, nosso ponto logístico de distribuição do e-commerce. Será assim daqui pra frente: vamos mapear mercados específicos e ter uma operação no local. A longo prazo, quero atuar no mercado asiático. Sei que é super difícil, mas pra mim não existe ‘impossível’ – esta palavra é sinônimo de ‘desafio de grau máximo’.
Como criou o seu primeiro vestido?
Em 2002, abri uma loja multimarcas. Muitas clientes, no entanto, se interessavam pelo vestido que eu estava usando – peças que tinha desenhado para mim, e dizia que não tinha outra pra vender. Até que um dia, uma cliente insistiu, disse que eu precisava começar a fazer para as clientes. Naquele dia, pensei: ‘Bom, então, vamos lá!’. Topei o desafio. Falei para ela que faria, e ela me deu a liberdade de criar o que quisesse. Fiz um vestido preto mídi de cetim. A partir daí, tudo mudou. Foi quando trouxe a minha visão e minhas roupas que o negócio mudou de direção, começou a crescer e explodiu.
Com o aumento da demanda, quem te ajudou?
Quando começamos a participar de eventos de lojistas e a vender mais, eu precisava de mais mão de obra para bordado – e não tinha de jeito nenhum. Podia até encomendar em outro lugar, mas decidimos capacitar bordadeiras em Uberlândia, criando o projeto Bordando Sonhos: disponibilizamos gratuitamente as melhores bordadeiras para mulheres e homens que quisessem aprender. Não havia a obrigação de trabalhar pra gente depois. Podia montar o próprio negócio ou ir pro concorrente. E muitos ficaram conosco.
Como é a sua rotina?
Para aguentar tudo isso, tenho um ritmo fora do normal. Quando saio do Fashion Week de Nova York, entro em outra maluquice: construção de coleção, gestão da empresa, direção… Mas, pela primeira vez, estamos criando cadeiras de diretores nos próximos meses. Isso vai me deixar mais focada em produto, estratégica e marketing. Temos a Fundação Dom Cabral, que nos ajuda com gestão e governança. Sou muito disciplinada. Tenho duas casas: em Uberlândia e São Paulo, e a rotina é a mesma. Acordo 6h30, malho 7h30, café da manhã e vou trabalhar. Durmo entre 22h30 e 23h da noite. Dentro do caos há uma rotina que faz as coisas acontecerem.
Quais são os prós e contras de trabalhar com o marido?
Luiz é muito visionário. Ele é administrador financeiro, responsável pela estratégia, além de liderar a operação nos Estados Unidos. Ele criou o nosso conselho. Mas não romantizo o trabalho com o marido. A gente se potencializa juntos, temos objetivos em comum, mas tem todo um desgaste… Já fomos desafiados, e agora estamos mais tranquilos quanto a isso – fomos lapidados como profissionais e como casal. O importante é saber valorizar o espaço de cada um, com respeito mútuo.
Vale falar de trabalho em casa?
A gente procura não falar. Mas, quando alguém traz no automático, a gente tem o direito de vetar: Não, isso agora não.
Consegue tirar férias?
Parar é quase impossível. O truque é tirar dois ou três dias no lugar onde estou. Mas com uma nova estrutura vou conseguir ficar uns 20 dias off de verdade. Não me orgulho de falar ‘não tenho tempo para nada’, e que ‘minha vida está corrida’. OK perseguir o sucesso, mas existe um limite. As coisas mais legais que faço são as que menos custam. Dosar um pouco essa loucura é minha prioridade. Quando puder viajar, quero conhecer este Brasil imenso, ir aos Lençóis Maranhenses, Alter do Chão, Bonito, voltar para a Amazônia. No exterior, tenho o sonho desde criança de ir para o Egito.
Que importância você dá a uma boa alimentação?
Cuido muito. Não vivo em dieta, mas me alimento muito bem. Meu maior luxo é almoçar em casa, comida é orgânica, homemade. Arroz, feijão, carne e vegetais. Nada de fritura, de gordura. Saudável e simples, esse é meu jeito de viver. Bem mineirinha! (risos). Se estiver bem alimentada, e dormido bem, sou uma máquina.
O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
Pensa numa coisa que eu amo na vida? É a minha cachorra, a Ticha (Yorshire, 13 anos). Todo dia ela almoça, dorme comigo, passeamos… Ela é o meu bebê! (risos) Eu também toco piano. Adoro música. Estudei desde os 9 anos, Bach, Mozart… Em Uberlândia, tenho piano; em São Paulo, um órgão. Ouço Gilberto Gil, Caetano Veloso, Bethânia, amo Cazuza. Gosto muito de ler, empreendedorismo e ficção científica. E, apesar de curtir coisas analógicas, gosto de tecnologia.
Tem alguma lição que pode compartilhar após empreender por 20 anos?
Aprendi que liderança é sobre se adaptar aos novos contextos e, principalmente, ser agente da transformação. Um dos meus maiores aprendizados nos últimos anos foi com a gestão de pessoas. Uma das soluções para a empresa, que se apresentou como divisor de águas, foi trazer uma consultoria de negócios e implementar um plano estratégico de crescimento para reorientar a bússola do nosso business. Se não há como contratar uma consultoria, a mensagem é gestão, desde o primeiro dia. E um bom RH.
*Entrevista publicada na edição 105, lançada em fevereiro de 2023