Há cerca de cinco anos, a CEO e cofundadora da Vanta, Christina Cacioppo, recebeu uma mensagem de um dos clientes da sua recém-criada empresa de segurança e automação de compliance. Algo estava errado, dizia o cliente. O email “automático” com o relatório que ele recebia todas as manhãs, detalhando o que havia acontecido em sua conta, tinha um erro na grafia da sua marca. Cacioppo respondeu: “Estamos com um bug, sentimos muito. Vamos consertar isso.”
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O que o cliente não percebeu foi que o tal email automatizado havia sido enviado, na verdade, pela própria CEO. Cacioppo, que havia fundado a Vanta apenas alguns meses antes, acordava todos os dias às 5h45 para escrever ela mesma a mensagem de todos os emails. A executiva fez isso para entender se os clientes gostavam do formato antes de decidir se sua empresa deveria investir para automatizar esse processo. Assim que chegou a uma conclusão, Cacioppo e a equipe fundadora da Vanta sentaram e escreveram o código para automação dos emails – que, aliás, não precisaram alterar por um ano e meio.
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Nos dois primeiros anos, a Vanta não tinha executivos formais ou reuniões de equipe. Mas todo o esforço ajudou a empresa a conseguir cerca de 5 mil clientes, com um crescimento de 600 a cada trimestre. Cacioppo também ajudou a levantar US$ 203 milhões (R$ 975 milhões) em financiamento de empresas de capital de risco, como a Craft Ventures e a Sequoia, incluindo US$ 110 milhões (R$ 528 milhões) arrecadados em junho de 2022. Essa movimentação fez a avaliação da Vanta chegar a US$ 1,6 bilhão (R$ 7,6 bilhões).
Foi o suficiente para garantir a Cacioppo, 36, um espaço na lista da Forbes das mulheres self-made mais ricas dos EUA, ou seja, aquelas que construíram as próprias fortunas. Hoje, com base em sua participação na Vanta, a CEO tem um patrimônio estimado em US$ 385 milhões (R$ 1,8 bilhão).
“Antes da Vanta, a segurança e o compliance eram feitos com planilhas e capturas de tela de informações coletadas, organizadas em pastas e mostradas para contadores públicos certificados”, diz Cacioppo. “O que construímos foi uma maneira de fazer quase todo esse trabalho e automatizá-lo”, completa. Cacioppo fundou a Vanta com Erik Goldman, um engenheiro de software e designer de produto que não está mais envolvido na empresa.
O software da Vanta automatiza os processos de compliance e segurança das empresas, economizando tempo e dinheiro. A parte de “segurança” significa ajudar as empresas a atender a certos padrões de gerenciamento e armazenamento de dados de clientes. E o “compliance” é o processo de obtenção de certificação para fazê-lo.
Investimentos de R$ 528 milhões
Historicamente, esse processo durava de seis meses a um ano. Com a Vanta, a entrega foi automatizada por meio de monitoramento contínuo e transmissão de dados em tempo real chamados “relatórios de confiança”. Em seguida, os auditores, incluindo uma rede de profissionais certificados pela Vanta, analisam os dados e certificam a empresa como adequada ou inadequada a partir de uma série de padrões, como controles de sistema e organização, gestão da segurança da informação e proteção de dados, entre outros.
Cacioppo afirma que, hoje, Vanta tem recursos suficientes para operar por mais três anos e meio, com a maior parte da sua rodada de financiamento de US$ 110 milhões (R$ 528 milhões) de junho de 2022 ainda no banco. “A Vanta está “definitivamente na trajetória do IPO”, diz Andrew Reed, sócio da Sequoia, que liderou a rodada anterior de captação de investimentos da startup em 2021 e investiu novamente no último ano. Para Cacioppo, abrir o capital da empresa não é seu objetivo final, mas sim um trampolim para o crescimento.
Além disso, a empresa mais do que dobrou sua receita anual, resultado de todos os anos desde sua fundação, para cerca de US$ 80 milhões (R$ 384 milhões). Como uma companhia por assinatura, a Vanta cobra antecipadamente dos clientes por um ano de serviço. E, como muitas startups, a Vanta hoje não é lucrativa, embora tenha sido aproximadamente de 2019 a 2021, afirma Cacioppo.
Pioneira em automatização de segurança
Para conseguir lucro e um possível IPO, a Vanta precisará enfrentar um cenário cada vez mais competitivo. Cinco anos atrás, os principais concorrentes da empresa eram consultores de segurança autônomos. Cacioppo diz que, mesmo pioneira, hoje a Vanta tem cerca de 40 concorrentes. Sempre que um funcionário adiciona outro concorrente à lista, Cacioppo dá a ele uma lhama de pelúcia, o mascote da Vanta.
Alguns desses concorrentes são empresas como Drata e Secureframe. A primeira, por exemplo, cresceu mais rápido que a Vanta em valor de mercado: foi fundada em 2020 e atingiu uma avaliação de US$ 2 bilhões (R$ 9,6 bilhões) em dezembro de 2022.
O plano da Vanta para se diferenciar inclui a expansão da lista de empresas com as quais seu software é compatível. Nesse contexto, a companhia lançou no ano passado uma iniciativa com o objetivo de aumentar o número de normas de conformidade que o software comporta.
Também teve largada as primeiras ações do outro lado do Atlântico: nascida em São Francisco, desde o fim de 2002 a Vanta opera na Irlanda o seu primeiro escritório na Europa – para Reed, sócio da Sequoia, Cacioppo e cia. podem ser ainda mais úteis na região devido aos complexos sistemas regulatórios do Velho Continente. Além disso, a startup mantém seu foco na contratação de engenheiros que também gostam de conversar com os clientes para feedbacks rápidos, como os dos emails “automatizados” da CEO.
A trajetória da empreendedora
Cacioppo nem sempre soube que queria ser empreendedora, embora gostasse de construir coisas desde os 11 anos, quando administrava uma lojinha no eBay. Filha de professores universitários de psicologia, ela brinca que, até os 22, não sabia que adultos podiam ser outra coisa além de professores.
Naquela época, ela estava terminando a faculdade de economia em Stanford e fez um mestrado na mesma universidade. Na sequência, partiu para o venture capital, trabalhando de 2010 a 2012 como analista da Union Square Ventures em investimentos em estágio inicial – um trabalho que ela aceitou porque “é igual a ser pesquisadora, você pode encontrar pessoas e fazer perguntas o dia todo”.
Então ela decidiu que queria construir coisas. Quando começou a trabalhar sozinha, em 2013, Cacioppo disse aos pais que era um “sabático” de seu trabalho com investimentos. Não foi: ela já havia desistido de atuar na área.
Seu primeiro projeto, uma série de produtos de software criados sob o guarda-chuva “Nebula Labs” – que ela fundou com o colega de Stanford Matt Spitz, hoje chefe de engenharia da Vanta – não deu certo, mas ajudou Cacioppo a lançar as bases para a Vanta. Depois da Nebula Labs, Spitz e, um pouco mais tarde, Cacioppo, foram trabalhar na Dropbox. Em 2014, Cacioppo começou como gerente de produto de um novo negócio do Dropbox, o Dropbox Paper, a versão da empresa do Google Docs.
A ideia da Vanta surgiu nesse momento, quando ela conversava com os clientes do Dropbox para que usassem o Paper. Um membro da equipe jurídica do Dropbox disse que ela não poderia fazer isso: os contratos de compliance e segurança assinados pelos clientes do Dropbox ainda não se aplicavam ao Dropbox Paper.
Ao trabalhar com a equipe jurídica para entender esses padrões de regulação e conformidade, ela se lembra de ter pensado em como o processo era tedioso, manual e sujeito a erros. “Como indústria, pensamos na segurança dos produtos por meio de contadores que analisam as capturas de tela? Sério?”, refletiu Cacioppo.
Começo de carreira no Dropbox
Cacioppo deixou o Dropbox em 2016 para fundar a Vanta com Erik Goldman, embora eles não soubessem exatamente o que a empresa se tornaria naquele momento. A fase de exploração de um mês os levaria a várias ideias, incluindo um aplicativo que era como a Alexa, da Amazon, para biólogos. Eles esperaram para escrever qualquer código até que tivessem conversado com especialistas em segurança suficientes e tivessem certeza de que tinham um negócio. Depois disso, perceberam que realmente havia necessidade de uma solução automatizada.
No início, a Vanta estava construindo seu produto com clientes individuais, atuando essencialmente como consultores de segurança, e administrava quantias relativamente pequenas de financiamento – US$ 500 mil (R$ 2,4 milhões) da Y Combinator, e US$ 3 milhões (R$ 14,4 milhões) em financiamento inicial.
A empresa ultrapassou US$ 10 milhões (R$ 48 milhões) em receita recorrente anual antes de levantar US$ 50 milhões (R$ 240 milhões) em maio de 2021. Esse número é maior do que a média das startups levantam na sua primeira grande rodada de financiamento, de acordo com Reed.
Como a Vanta saiu de alguns para milhares de clientes, Reed diz que a obsessão de Cacioppo pelo cliente e a abordagem atenta ao concorrente beneficiam a Vanta em um campo que está mais disputado agora, visto que a empresa continua desenvolvendo e inovando seu produto.
Tanto o cofundador da Vanta, Goldman, quanto o líder de engenharia, Spitz, dizem que um dos principais pontos fortes de Cacioppo é sua capacidade de mergulhar em um problema com o qual ela não estava familiarizada anteriormente, seja escrevendo códigos mesmo sem ter experiência em ciência da computação ou segurança ou chegando com um modelo de preços para os primeiros clientes corporativos da Vanta, o que ela, sempre uma leitora ávida, fez “folheando” vários livros em um fim de semana. O modelo de precificação, guiado pela opinião dos clientes de um “preço caro” que eles pagariam pelo produto da Vanta, acabou sendo o modelo da empresa por cerca de dois anos.
Além de construir uma companhia de sucesso, Cacioppo fez alguns investimentos-anjo. Ela apoiou em 2016 a empresa de ferramentas de colaboração em equipe Notion – que foi um dos primeiros clientes da Vanta. Em 2022, investiu em diversas empresas de software e segurança, incluindo a companhia vertical de software como serviço Pocus.
Cacciopo também quer fazer a diferença como uma mulher à frente de uma empresa de software. Ao contrário de muitas startups de tecnologia, a equipe de liderança sênior da Vanta é dividida igualmente entre executivos homens e mulheres. “Acho que a minha principal mensagem é que mais mulheres deveriam iniciar empresas SaaS corporativas”, diz Cacioppo, referindo-se ao software como serviço. “Percorremos um longo caminho, mas não estamos nem perto da paridade”, completa.
Conheça mais mulheres que lideram empresas na área de tecnologia:
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Yaccarino é CEO do Twitter. Foi presidente do conselho de publicidade global e diretora de parcerias do conglomerado de mídia e entretenimento NBCUniversal (NBCU), onde atuou por mais de uma década e gerenciou uma equipe global de 2 mil pessoas que geraram mais de US$ 100 bilhões em vendas de anúncios, de acordo com seu perfil no site da companhia.
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Ursula Burns é CEO da Xerox e é considerada a primeira mulher negra a dirigir e liderar uma corporação nos Estados Unidos. Além disso, Ursula é diretora do conselho da American Express Corporation e Exxon Mobil Corporation, e em março de 2010 o ex-presidente Barack Obama nomeou-a como vice-presidente do Conselho de Exportação do Presidente.
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De 2014 à 2023, Susan foi CEO do YouTube e já trabalhou em empresas como Bain & Company e R.B. Webber & Company. Ela foi responsável por desenvolver as ferramentas mais utilizadas do Google, como o Google Imagens e o Google Books.
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Conhecida também como Ginni, Virginia Rometty é CEO e Chairwoman da IBM, a empresária assumiu o cargo em 2012, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo na história da empresa. Com mais de 30 anos de história na IBM, Ginni já ocupou outros cargos como Vice-Presidente Sênior e Executiva de Vendas, Marketing e Estratégia.
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De 2008 à 2022, Sheryl Sandberg foi COO do Facebook e pessoa de confiança do CEO Mark Zuckerberg. Em 2012 ela passou a fazer parte do conselho de administração da empresa, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo e antes de entrar na atual Meta, trabalhou como Vice-Presidente de Operações do Google e no Departamento do Tesouro norte-americano como chefe de pessoal.
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Cher Wang é considerada uma das mulheres mais poderosas do setor da tecnologia. Co-fundadora e presidente da HTC, empresa responsável por fabricar um em cada seis smartphones comercializados nos Estados Unidos criada no ano de 1997, ela também é uma grande contribuinte do uso da tecnologia na edução, pois já realizou uma doação de 6000 tablets HTC Flyer para 60 escolas de ensino médio em Taipei em 2012.
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Angela Ahrendts foi CEO da Burberry de 2006 à 2014 e deixou a empresa para assumir o cargo de Vice-Presidente da Apple. Angela também já fez parte do conselho de negócios do primeiro-ministro do Reino Unido e permaneceu lá até o ano de 2016.
Linda Yaccarino
Yaccarino é CEO do Twitter. Foi presidente do conselho de publicidade global e diretora de parcerias do conglomerado de mídia e entretenimento NBCUniversal (NBCU), onde atuou por mais de uma década e gerenciou uma equipe global de 2 mil pessoas que geraram mais de US$ 100 bilhões em vendas de anúncios, de acordo com seu perfil no site da companhia.
(traduzido por Fernanda de Almeida)