Vinte anos atrás, você poderia imaginar uma mulher surfando uma onda com mais de 21 metros? Afinal, naquela época, nem os homens conseguiam surfar ondas tão monstruosas. Mas isso foi antes do surfista havaiano Garrett McNamara colocar a pequena cidade de Nazaré, em Portugal, no mapa. Antes de McNamara, o pico de surfe era praticamente um segredo guardado pelos locais. Imagens da sua icônica onda, estimada em 24 metros em 2011, se espalharam mundialmente, e de repente Nazaré se tornou uma Meca do surfe.
A brasileira Maya Gabeira tinha, na época, 24 anos quando McNamara bateu o recorde, e isso alimentou sua própria busca. Enfrentando machismo dentro da comunidade do surfe – e lesões debilitantes – Maya finalmente pegou sua onda, em Nazaré, estimada em 22,4 metros, um recorde feminino.
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Um novo documentário, “Maya e a Onda,” está sendo exibido nos EUA, narrando a desafiadora trajetória de Maya. Na semana passada, a Forbes entrevistou Stephanie Johnes, diretora e produtora do filme. Agora, esta entrevista é com a própria Maya, de sua casa em Nazaré. Confira:
Em 2020, quando você foi puxada para aquela onda recorde de 22,4 metros em Nazaré, você sabia o quão grande era a onda naquele momento, que talvez fosse algo especial?
O negócio sobre a natureza e ondas grandes é que você realmente não sabe, mas sente. Eu senti que era muito especial, definitivamente a maior onda que já tinha surfado. Mas você só tem certeza quando o mundo a reconhece como tal.
Para mim, [surfar ondas] é buscar estar no momento. É muito difícil, hoje em dia, estar realmente conectado com o mundo, com a natureza, com nós mesmos. Estar completamente no momento traz minha atenção para um nível alto – consciência do que está ao meu redor, da intensidade, da velocidade, da superfície da onda que está sempre mudando. Preciso estar muito focada lá fora, entendendo, é claro, que o momento é ameaçador para a vida. Mas, ao mesmo tempo, isso me fortalece, me faz sentir extremamente viva.
Muitos sonhadores experimentam uma queda emocional depois de realizar seus grandes objetivos. Houve uma queda para você depois de surfar a onda de 22,4 metros?
A realidade é que, quando sonhamos, estamos olhando para fora, para o mundo, em busca de um escape. Então, depois que surfei essa onda, meu sonho supremo, entrei em um espaço muito escuro que durou anos. O sonho me mantinha focada, engajada, numa linha reta. Acima de tudo, me mantinha sobrevivendo neste mundo louco em que vivemos.
Grandes sonhadores têm mentes agitadas, precisam da intensa concentração de seus sonhos para levá-los o mais longe possível na vida. Quando esse sonho é realizado, eles procuram o que vem a seguir. Para mim, não havia nada a seguir, então, nessa fase sombria, tentei descobrir quem eu era.
E quem é você?
Sou humana, e humanos são feitos para sobreviver em um estado de paz no presente. Mas não fazemos isso – vivemos no passado e pensamos sobre o futuro. Estou no presente agora, aproveitando cada segundo da minha vida.
Sou muito espiritual – também bipolar [risos]. Sou muitas coisas. Mas não sou religiosa. Gosto de trabalhar com a ciência, com o modo como o universo funciona, e depois tento aplicar isso à minha vida. É como mantenho os pés no chão. Sou hipersensível, aliás, e sou assim desde que nasci [risos].
Durante a recuperação das lesões, você enfrentou muita dor, e por muito tempo. Como lidou com isso?
Gabeira: Tentei me tornar resistente. Quanto mais doía, menos eu me preocupava. Não há beleza nessa fera, mas não há glória sem ela. Fui muito afortunada por ter muita dor na minha vida, tanto na mente quanto no corpo, para me trazer ao lugar onde estou agora.
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Dor mental e física estão conectadas. Emoções podem desencadear dor no corpo, mas não permito mais que eu sinta essas emoções. Tenho muita experiência no currículo e não fico remoendo coisas destrutivas. Não, estou do outro lado da dor agora, graças a Deus. Eu mereço estar.
Como você lida com o medo, e do que você tem medo?
Tenho medo de muitas coisas, incluindo surfar. No documentário [“Maya e a Onda”], você pode ver que meu retorno foi cheio de medos. Nada te dá mais medo do que voltar para um lugar onde você sentiu a morte [durante uma queda]. Quando aconteceu, perdi a consciência. Voltar [a Nazaré] foi um verdadeiro teste de coragem.
A questão do medo é que você pode ser paralisado por ele ou enfrentá-lo. Eu sempre escolho o segundo caminho – ou seja, enfrentar meus medos e fazer o meu melhor dentro das minhas limitações. O universo nos recompensa se fazemos o nosso melhor. Meus recordes mundiais foram resultado de eu dar o meu melhor, e por muito tempo – e o universo recompensou isso.
Você tem 37 anos agora. Alguma vontade de ter filhos, uma família?
Não, não tenho vontade de ter filhos. Sou feliz do jeito que sou. Tenho muito trabalho a fazer. Vejo pessoas com muito entusiasmo para ter filhos, mas eu não compartilho disso. Vou focar em mim mesma e compartilhar o máximo disso com o mundo que puder. O filme, por exemplo, é para fazer as pessoas sentirem algo, reconhecerem algo e acreditarem que podem fazer qualquer coisa, seja mulher ou homem.
Última pergunta – se sua produtora, Stephanie Johnes, pedisse para você levá-la em um jet ski, em Nazaré, em um dia realmente grande, você faria isso?
Claro [risos]!
*Jim Clash é colaborador da Forbes há 30 anos. É autor de quatro livros, sendo o mais recente um best-seller na Amazon, “Amplified”, sobre música dos anos 1960, lançado em 2023.
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