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A nova minissérie da Netflix, “Vinagre de Maçã” (Apple Cider Vinegar), acompanha Belle e Milla, duas jovens que tentam curar doenças graves por meio da saúde e do bem-estar. O que poucos sabem é que a produção que já está fazendo sucesso no streaming é baseada em uma história real.
Na série, a atriz Kaitlyn Dever interpreta Belle Gibson, uma influenciadora australiana que constrói um império online baseado na mentira de que curou seu câncer terminal no cérebro sem tratamentos convencionais, por meio de uma “cura natural”. No entanto, Gibson nunca foi realmente diagnosticada com o tumor cerebral maligno. Ela construiu sua marca enganando o público, espalhando mentiras por meio das redes sociais, de um aplicativo de bem-estar que desenvolveu e de um livro de receitas que se tornou best-seller.
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A produção de seis episódios foi criada pela premiada roteirista australiana Samantha Strauss, que morava em Melbourne no início dos anos 2010, quando o golpe de Gibson veio à tona. “É muito interessante analisar como a mídia usa a alimentação como uma arma contra nós e como ansiamos por essa nutrição, mas também o quanto é um privilégio e algo caro tentar estar bem”, disse ela ao site Tudum, da Netflix.
Strauss descobriu a história pela primeira vez por meio das reportagens de Beau Donelly e Nick Toscano e, posteriormente, pelo livro “The Woman Who Fooled the World” (A Mulher que Enganou o Mundo, em tradução livre), escrito pelos jornalistas. “Eles escreveram sobre as pessoas que foram enganadas por Belle e como isso as impactou”, afirmou. “Eles criaram esse belo mosaico que mostra como a medicina ocidental nos decepciona emocionalmente e por que as pessoas são atraídas pelo bem-estar. Se o livro fosse apenas sobre um golpe envolvendo câncer, acho que eu não teria tanto interesse em adaptá-lo para a televisão.”
Alguns personagens e eventos foram criados ou adaptados para a série. Por exemplo, a personagem Milla não é baseada em uma pessoa real, mas foi colocada na série para representar “uma junção de influenciadores de bem-estar da época”, disse sua intérprete, Debnam-Carey, ao portal Today. “Criamos Milla como um personagem próprio. Isso foi o mais interessante. Pudemos fortalecê-la para que ela pudesse enfrentar Belle de igual para igual.” A Belle, no entanto, era bem real — e a influenciadora e golpista do bem-estar inventou tanto seu diagnóstico de câncer quanto sua suposta “cura”.
O que aconteceu com Belle Gibson?
A blogueira australiana Belle Gibson alegou que, em 2009, um médico a diagnosticou com câncer maligno no cérebro e lhe deu um prognóstico de vida de seis semanas a quatro meses.
Em seu livro “The Whole Pantry” — que foi retirado de circulação —, ela descreveu como, após passar dois meses em quimioterapia e radioterapia, decidiu abandonar o tratamento convencional e começou “uma jornada para a cura natural”. “Me fortaleci para salvar minha própria vida por meio da nutrição, paciência, determinação e amor – além de tratamentos com vitaminas, Ayurveda, terapia craniossacral e muitos outros métodos”, dizia ela.
Gibson construiu uma grande base de seguidores globalmente ao documentar sua jornada de bem-estar. Seu aplicativo, “The Whole Pantry”, foi eleito o “Melhor Novo Aplicativo de Comida e Bebida” da Apple, baixado milhares de vezes e selecionado para pré-instalação no então recém-lançado Apple Watch. Ela também conseguiu um contrato lucrativo com a editora Penguin, recebendo um adiantamento de 132 mil dólares australianos pelo livro de receitas homônimo.
Apesar de afirmar que doaria 25% dos lucros de sua empresa e alegar em seu livro que “uma grande parte de tudo” era destinada a causas beneficentes, isso não aconteceu. Os jornalistas Donelly e Toscano relataram no “Sydney Morning Herald”, em março de 2015, que várias organizações não haviam recebido pagamentos desde um evento beneficente que ela organizou em 2013. Gibson atribuiu os atrasos a problemas de “fluxo de caixa” da empresa.
Enquanto isso, a influenciadora levava uma vida luxuosa; alugou uma casa de praia de US$ 1 milhão, comprou uma BMW e roupas de grife, além de ter feito um tratamento para alinhar os dentes, de acordo com o livro “The Woman Who Fooled the World”.
Como a farsa foi exposta?
As mentiras de Gibson começaram a desmoronar depois que o veículo “The Australian” publicou um artigo apontando inconsistências em sua história, como o fato de ela ter chamado seu primeiro diagnóstico de “tumor maligno de estágio dois no cérebro”, quando, segundo a Elle Austrália, tumores cerebrais são classificados por graus, e não por estágios. Havia também a questão da sua idade. Ela alegou ter 20 anos no diagnóstico em 2009, mas registros supostamente listavam seu nascimento em 1991, o que significa que ela teria 17 anos na época.
Em sua defesa, Gibson admitiu ao jornal que os cânceres secundário e primário em seu “sangue, baço, cérebro, útero e fígado” foram um “erro de diagnóstico”. “É difícil admitir que talvez eu estivesse errada”, disse ela, acrescentando que também estava “confusa, beirando a humilhação.”
Donelly e Toscano publicaram outra matéria na qual amigos da influenciadora relataram ter realizado uma “intervenção” em seu apartamento à beira-mar para questionar sua doença. “Perguntei quando ela recebeu o diagnóstico, Belle disse que não sabia. Perguntei quem a diagnosticou, ela disse Dr. Phil. Perguntei se Dr. Phil tinha um sobrenome, ela não sabia, ele desapareceu”, contou um dos amigos.
A editora Penguin mais tarde admitiu que não verificou os fatos do livro de Gibson nem pediu que ela comprovasse os detalhes sobre sua condição médica. Em vez disso, afirmaram que publicaram o livro de receitas “de boa-fé.”
Gibson acabou tornando sua página no Instagram privada. A Elle Austrália relatou que a falsa guru da saúde apagou mais de mil fotos de seu perfil, incluindo postagens com legendas “detalhando convulsões sofridas, internações hospitalares e múltiplos diagnósticos de câncer.”
Quando Belle Gibson finalmente contou a verdade?
Gibson admitiu a verdade em uma entrevista à Australia’s Women’s Weekly, em abril de 2015. Quando questionada se já teve câncer, ela respondeu: “Não. Nada disso é verdade. Ainda estou oscilando entre o que acho que sei e o que é realidade.”
Gibson não se desculpou nem pediu perdão às pessoas que enganou. “Apenas acho que [falar a verdade] era a coisa responsável a se fazer. Acima de tudo, gostaria que as pessoas dissessem: ‘Ok, ela é humana. Ela claramente teve uma vida intensa. Ela veio respeitosamente a público e disse o que precisava dizer, e agora é hora de crescer e se curar.’”
Belle Gibson enfrentou consequências legais?
Belle Gibson nunca foi acusada criminalmente por suas ações. Em 2016, o órgão de defesa do consumidor Consumer Affairs Victoria processou Gibson no Tribunal Federal da Austrália por práticas enganosas e fraudulentas, em violação à Lei do Consumidor Australiana.
Em março de 2017, a juíza Debra Mortimer concluiu que Gibson e sua empresa, Inkerman Road Nominees, praticaram “conduta enganosa, fraudulenta e antiética” na promoção do livro e do aplicativo “The Whole Pantry”. Ela foi condenada a pagar uma multa total de 410.000 dólares australianos.
Até o início de 2020, Gibson ainda não havia quitado a dívida, que já havia ultrapassado meio milhão de dólares australianos devido a juros e taxas adicionais. As autoridades realizaram duas buscas em sua residência — uma em 2020 e outra em 2021 — na tentativa de apreender bens para cobrir a multa não paga, segundo a Australian Associated Press e o The Guardian.
No final de 2023, Donelly e Toscano publicaram outra atualização em seu livro após um porta-voz do Consumer Affairs Victoria afirmar que a agência estava “continuando a buscar” Gibson e que “o valor total” de sua dívida “ainda está pendente.”
Todos os seis episódios da minissérie “Vinagre de Maçã” estão disponíveis na Netflix. Assista ao trailer oficial abaixo: