
Todos os anos, centenas de crianças nascem cegas devido a um distúrbio genético que degrada suas retinas. Embora algumas consigam distinguir entre claro e escuro nos primeiros anos, um defeito no gene AIPL1 faz com que a maioria perca completamente a visão até os quatro anos de idade. Durante muito tempo, essa condição foi considerada irreversível.
Mas isso não é mais verdade. Uma nova terapia genética da empresa de capital aberto MeiraGTx conseguiu algo inédito: devolver a visão a 11 crianças que nasceram cegas.
Cirurgiões do Moorsfield Eye Hospital e da University College London injetaram nas retinas de crianças com o defeito no gene AIPL1 uma terapia da MeiraGTx que introduz uma versão corrigida do gene. Isso faz com que seus corpos produzam os mecanismos necessários para a visão. Em poucas semanas, elas puderam enxergar pela primeira vez. Agora, anos depois, todas conseguem ler, colorir e brincar como outras crianças, com a ajuda de óculos.
“Essas crianças eram cegas e agora correm, identificam cômodos e conseguem ler letras e números”, disse Zandy Forbes, 60 anos, fundadora e CEO da MeiraGTx. A terapia é uma das várias que a empresa está desenvolvendo para tratar distúrbios oculares e outras condições, como Parkinson, obesidade e xerostomia.
No estudo inicial, publicado na revista The Lancet na semana passada, quatro crianças com o distúrbio receberam a terapia em apenas um dos olhos. Em um mês, o olho tratado começou a enxergar novamente, identificando cores, formas, letras e acompanhando objetos em movimento. Não houve efeitos colaterais significativos. Com esse sucesso, os hospitais aplicaram a terapia em sete outras crianças, dessa vez em ambos os olhos. Todas as sete recuperaram a visão. Diante dos resultados promissores, a MeiraGTx está buscando aprovação regulatória no Reino Unido e nos Estados Unidos.
IPO
Forbes, que não tem relação com a família fundadora da revista Forbes, criou a MeiraGTx em 2015, após deixar seu cargo como vice-presidente sênior de operações comerciais da empresa farmacêutica Kadmon (adquirida posteriormente pela Sanofi). A empresa arrecadou cerca de US$ 110 milhões em capital de risco de investidores como o University College London’s Technology Fund, ID Fund e Perceptive Advisors, antes de abrir capital em 2018, levantando US$ 75 milhões em seu IPO.
Nos primeiros nove meses de 2024, a MeiraGTx reportou aproximadamente US$ 12 milhões em receita, número espera aumentar assim que sua primeira terapia for aprovada pelos órgãos reguladores.
No final de 2023, a MeiraGTx vendeu uma licença para outra terapia genética à Johnson & Johnson, em um acordo que pode chegar a US$ 415 milhões, e espera um pagamento de US$ 50 milhões quando iniciar os testes de fase 3 do medicamento. A gigante farmacêutica Sanofi também investiu US$ 30 milhões na MeiraGTx em 2023 em troca do direito de primeira negociação sobre alguns de seus candidatos a medicamentos, elevando seu investimento total para US$ 60 milhões. A empresa possui cerca de US$ 120 milhões em caixa, garantindo sua operação até 2026.
Como a startup atua
As terapias genéticas costumam exigir procedimentos complexos para serem administradas. Forbes tem se concentrado no desenvolvimento de tratamentos que sejam fáceis de aplicar e que possam tratar tanto doenças genéticas quanto outras condições.
Para isso, a empresa aposta em terapias de baixa dosagem, reduzindo o risco de efeitos colaterais. Como a maioria das terapias genéticas, seus tratamentos são administrados por meio de vírus especialmente modificados chamados vírus adenoassociados (AAVs). Esses vírus, que normalmente causam resfriados, têm suas partes infecciosas removidas e substituídas pelo medicamento a ser entregue.
No entanto, diferentemente de outras empresas de terapia genética, a MeiraGTx é totalmente integrada verticalmente e construiu instalações próprias de fabricação em escala comercial, evitando a dependência de terceiros. Isso permitiu que a empresa acelerasse seus estudos clínicos, segundo Forbes, que nomeou a empresa inspirada na palavra hebraica para “dar luz”.
Após seu IPO, com ações precificadas a US$ 15 por unidade, os papéis da MeiraGTx dispararam. Como muitas empresas de biotecnologia em estágio inicial, suas ações atingiram o pico durante a pandemia, quase dobrando o valor do IPO. No entanto, a empresa também sofreu com a queda pós-pandemia que afetou muitas startups do setor. No fechamento do mercado na última terça-feira, suas ações estavam cotadas a US$ 6,68, com um valor de mercado de cerca de US$ 522 milhões, alta de aproximadamente 7% no ano.
No início deste ano, o banco de investimentos Chardan listou a MeiraGTx entre suas 25 principais escolhas de ações do setor de biotecnologia para 2024. Em uma nota de pesquisa sobre a indicação, o analista Daniil Gaaulin, do Chardan, escreveu: “Acreditamos que a robustez dos dados, que consideramos transformadores, reduz substancialmente os riscos no caminho para a aprovação no Reino Unido e estabelece uma base para discussões regulatórias favoráveis com a FDA.”
Gaaulin definiu um preço-alvo de US$ 36 para as ações da empresa. Outros analistas também classificaram os papéis como uma boa compra, considerando-os subvalorizados devido à expectativa de aprovação iminente do tratamento para o gene AIPL1.
Terapias para outras doenças
Além desse tratamento, a MeiraGTx está desenvolvendo outras terapias genéticas para distúrbios hereditários da retina, todas já em testes em humanos. A empresa também está trabalhando em uma terapia para pacientes com câncer de cabeça e pescoço que tiveram suas glândulas salivares danificadas pela radioterapia. O tratamento consiste na injeção de genes que estimulam a produção de saliva novamente.
Além disso, a MeiraGTx está criando um método proprietário para administrar medicamentos, incluindo terapias genéticas e terapias com peptídeos (como os análogos de GLP-1, a exemplo do Ozempic). Esses medicamentos normalmente são injetados ou infundidos via IV, o que pode aumentar o risco de efeitos colaterais devido à alta concentração na corrente sanguínea. O novo método permitiria uma administração mais precisa e em doses menores, reduzindo os riscos e os custos.
Um dos principais focos da empresa é a terapia genética para tratar o Parkinson. O tratamento estimula a produção de ácido gama-aminobutírico (GABA) no cérebro, um neurotransmissor cuja deficiência é associada ao desenvolvimento da doença. Em um pequeno estudo publicado pela empresa no ano passado, ainda sem revisão por pares, uma dose elevada da terapia melhorou a função motora e a qualidade de vida dos pacientes.
Com esses dados em mãos, Forbes afirmou que sua empresa pretende iniciar um ensaio clínico maior ainda este ano.