
A lista Forbes AI 50 de 2025, divulgada neste mês, destaca as 50 empresas de inteligência artificial mais promissoras do mundo. É um retrato de onde estão sendo feitos os investimentos mais inteligentes e as apostas mais ousadas. E, por extensão, um vislumbre de quem está encarregado de moldar o futuro da tecnologia mais impactante do nosso tempo.
Mas por trás dos bilhões em investimentos e das inovações tecnológicas, uma realidade salta aos olhos: esse futuro continua sendo projetado majoritariamente por homens. A lista celebra 50 empresas, mas apenas sete têm uma fundadora mulher. Cinco dessas sete companhias têm fundadoras que enfrentaram não apenas os desafios do setor de tecnologia, mas também os da imigração — elas saíram de seus países e foram empreender nos Estados Unidos.
Em um setor inundado por bilhões em capital, essas fundadoras não são apenas raras — são unicórnios entre unicórnios. Milagres estatísticos em uma indústria obcecada por dados, mas que, de alguma forma, ignora o seu próprio ponto cego mais gritante.
As mulheres que se destacam na IA
Lin Qiao é cofundadora e CEO da Fireworks AI, uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos que arrecadou US$ 52 milhões (R$ 305 milhões) em menos de dois anos, sendo avaliada em US$ 552 milhões (R$ 3,2 bilhões). Nascida na China, Qiao faz parte de uma nova geração de fundadores que estão expandindo os limites do que é possível com a inteligência artificial generativa.
Fei-Fei Li, conhecida como a “madrinha da IA”, é professora em Stanford, ex-cientista-chefe do Google Cloud e uma das figuras mais influentes na corrida global pela inteligência artificial. Nascida na China e criada nos Estados Unidos, Li construiu sua carreira defendendo uma IA mais ética, centrada no ser humano, e diversificando o perfil de quem está apto a desenvolvê-la. A fundação da sua empresa, a World Labs, marca um momento decisivo: uma das mentes mais respeitadas da área está agora traçando seu próprio caminho — e os investidores estão acompanhando. Mesmo ainda operando em sigilo, sua nova empresa já levantou US$ 292 milhões (R$ 1,7 bilhão).
Mira Murati, nascida na Albânia, foi a mente por trás do desenvolvimento do ChatGPT. Em meio à crise no conselho da OpenAI, em 2023, chegou a assumir temporariamente o comando da empresa. Meses depois, deixou o cargo de CTO, despertando curiosidade sobre seus próximos movimentos na área de tecnologia. Agora sabemos quais são: seu novo empreendimento, ainda em sigilo, chama-se Thinking Machine Labs e, segundo relatos, pretende levantar US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões) com uma avaliação estimada em cerca de US$ 9 bilhões (R$ 52,8 bilhões) — antes mesmo do lançamento de um produto. A proposta? Criar uma IA que não apenas gere respostas, mas ajude os humanos a entendê-las.
May Habib é uma empreendedora nascida no Líbano e cofundadora da Writer. A empresa de IA voltada para o mercado corporativo já arrecadou mais de US$ 300 milhões (R$ 1,7 bilhão) para oferecer soluções de inteligência artificial generativa seguras e alinhadas à identidade das marcas. Sua liderança também se destaca pelo ativismo em prol de uma IA responsável, com foco no papel da tecnologia na construção de um futuro mais inclusivo e equitativo para todos.
Junto a ela estão as fundadoras Demi Guo e Chenlin Meng, ambas de origem chinesa. A dupla está por trás da Pika, uma promissora startup de geração de vídeos que promete transformar a criação de conteúdo digital.
A liderança inexplorada das mulheres imigrantes na IA
Essas mulheres convenceram investidores dos EUA a apostarem nelas em um mercado onde equipes fundadoras formadas exclusivamente por mulheres recebem menos de 2% do capital de risco disponível. Elas contrataram talentos técnicos de ponta em um dos mercados de trabalho mais competitivos do mundo. Firmaram parcerias, conquistaram o mercado e escalaram tecnologias com potencial para reinventar indústrias bilionárias. E fizeram tudo isso em um setor que há muito tempo favorece trajetórias estreitas, credenciais tradicionais e rostos familiares. Venceram as probabilidades — não apenas como mulheres na tecnologia, mas também como imigrantes.
Embora a indústria de tecnologia americana adore romantizar a figura do fundador imigrante — o “outsider” persistente que chega ao Vale do Silício e constrói um unicórnio —, os protagonistas dessa narrativa raramente são mulheres.
Ainda assim, essas fundadoras persistiram e muitas vezes prosperaram não apesar das barreiras, mas talvez por causa delas. Existe uma resiliência própria de quem sabe traduzir entre mundos, idiomas, indústrias e culturas. E essa é, talvez, a habilidade mais adequada para liderar em uma era em que a inteligência artificial está remodelando a forma como trabalhamos, vivemos e aprendemos — e em que a confiança em quem constrói essa tecnologia importa mais do que nunca.
Mulheres americanas à frente da IA
Além das cinco imigrantes já citadas, outras duas mulheres americanas fundaram empresas de inteligência artificial que figuram entre as mais promissoras do mundo, segundo a Forbes. São elas Daniela Amodei, cofundadora e presidente da Anthropic, e Lucy Guo, cofundadora da Scale AI e da Passes.
Daniela Amodei é cofundadora e presidente da Anthropic, empresa que desenvolve sistemas de inteligência artificial em larga escala. Ela cofundou a Anthropic em 2021 com outros seis ex-funcionários da OpenAI, incluindo seu irmão, Dario Amodei, que atua como CEO da empresa.
A Anthropic foi avaliada por investidores privados em US$ 61,5 bilhões (R$ 361 bilhões) em março de 2025 e tem parcerias com a Alphabet (empresa-mãe do Google) e com a Amazon. Hoje, Daniela tem um patrimônio estimado pela Forbes em US$ 1,2 bilhão (R$ 7 bilhões).
Daniela trabalhou na OpenAI por cerca de três anos como gerente de engenharia e vice-presidente. Ela estudou literatura inglesa na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, e entrou na fintech Stripe em 2013 como recrutadora que liderou a formação dos primeiros times.
Guo abandonou a Carnegie Mellon University, onde estudava ciência da computação, e foi cofundadora da empresa de inteligência artificial Scale AI em 2016, ao lado do CEO Alexandr Wang. Ela deixou a companhia em 2018 e, desde então, manteve grande parte de sua participação acionária.
A empresa trabalha com clientes como Meta, Microsoft e OpenAI no processo de rotulagem de dados de treinamento e na construção da infraestrutura para seus modelos. Sua última avaliação, em maio passado, foi de US$ 13,8 bilhões (R$ 81 bilhões), após fechar uma rodada de investimentos Série F de US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões).
Em 2022, Guo fundou e comanda a Passes, uma plataforma de monetização para criadores. A empresa levantou US$ 50 milhões (R$ 293,5 milhões) em investimentos entre 2022 e 2024.
O custo econômico da lacuna de gênero na IA
Segundo a PitchBook, plataforma de dados que monitora o fluxo de capital em startups, venture capital, private equity e fusões e aquisições, os investimentos em startups de IA fundadas por mulheres caíram em 2023 — mesmo com o setor atraindo um volume recorde de atenção e capital.
O fato de cinco das sete empresas com fundadoras mulheres da lista AI 50 serem imigrantes não é sinal de uma mudança estrutural. Pelo contrário, destaca o quão excepcionais essas exceções realmente são. O Vale do Silício ainda segue um roteiro previsível. Já conhecemos a curva íngreme que as mulheres enfrentam: elas precisam ser extraordinárias só para serem consideradas.
O sucesso continua fluindo, desproporcionalmente, para fundadores que se encaixam em um molde específico: homens brancos, formados por universidades de elite, com passagens por grandes empresas de tecnologia e conexões herdadas de redes já consolidadas. Esse padrão, embora talvez não seja intencionalmente excludente, continua a reforçar um sistema onde vozes diversas seguem sendo silenciadas.
Os investimentos em empresas relacionadas à tecnologia ultrapassaram US$ 100 bilhões (R$ 587 bilhões) em 2024, representando um terço de todo o dinheiro de venture capital movimentado. Com a IA dominando o capital de risco, essa lacuna de gênero persistente vai além de uma falha em equidade. Ela representa uma perda de potencial no momento mais transformador da tecnologia.
O futuro da IA: por que importa quem a constrói
Na ciência mais básica, os sistemas de inteligência artificial refletem quem os cria. Quando essas pessoas pensam, soam e se expressam de forma semelhante, a tecnologia naturalmente incorpora uma visão de mundo estreita. É assim que o viés algorítmico se transforma em viés estrutural — e a inovação vira exclusão.
Fundadoras como May Habib, Lin Qiao, Mira Murati e Fei-Fei Li trazem algo diferente. Não apenas por serem mulheres ou por sua origem, mas por uma capacidade de pensar sobre risco, responsabilidade e prestação de contas de uma maneira nova. Elas não estão apenas focadas em tornar a IA mais inteligente; estão construindo sistemas que representam um espectro mais amplo da experiência humana. E isso é uma vantagem competitiva.
Além das fronteiras e dos vieses de gênero
A lista Forbes AI 50 deste ano mostra que o talento não respeita fronteiras, mas as oportunidades ainda respeitam. Apesar dos obstáculos, essas mulheres construíram seus próprios laboratórios, treinaram seus próprios modelos e deixaram que os resultados falassem por elas. Elas não são apenas tecnólogas excepcionais — são a prova viva de que o brilhantismo existe muito além do arquétipo tradicional do Vale do Silício. Um lembrete de que o futuro mais promissor da IA pode vir justamente de vozes que mal começamos a ouvir.
*Gemma Allen é colaboradora da Forbes USA. Ela tem 18 anos de experiência em diversas áreas na indústria de tecnologia. Também é colaboradora da Nasdaq para o avanço feminino e futuro do trabalho, além de mãe.