A transformação digital que já era ostensiva entre empresas de consultoria virou palavra de ordem e oportunidade na pandemia, mas a instabilidade socioeconômica do Brasil traz uma série de desafios e riscos para players do setor.
Este é o diagnóstico de um estudo da Source Global Research (SGR), empresa de pesquisa focada na indústria de consultoria, ao qual a Forbes teve acesso exclusivo. Segundo o relatório, o Brasil segue as projeções para a América Latina, com uma redução de receita de 24%, de US$ 1,242 milhão no ano passado para US$ 1,068 milhão em 2020.
A previsão para o Brasil é pior do que a média esperada para o mercado de consultoria global, que deve encolher 19% este ano. Segundo a SGR, o fato de a Covid-19 ter chegado por aqui um pouco depois de grandes mercados europeus e asiáticos significa que uma futura recuperação será mais lenta do que em mercados mais para o leste.
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“Por mais que o timing [do Brasil] esteja mais alinhado com o restante das Américas, preocupações sobre a estabilidade política e econômica do país farão com que o ritmo de uma recuperação seja mais lento do que em outros países da região e a América do Norte”, aponta Ashok Patel, analista e editor da Source Global Research.
BRASIL VS. MUNDO
A demanda global por consultoria sobre temas relacionados à tecnologia tem aumentado de forma consistente e o Brasil tem se posicionado entre os países que mais investem neste tipo de serviço. No ano passado, tecnologia representou 37% de toda a receita do setor no país, gerando cerca de US$ 461 milhões – isso se compara à média regional de 30%, ou US$ 424 milhões.
A necessidade de empresas brasileiras acompanharem a intensa digitalização de seus concorrentes, fornecedores e compradores em outros mercados, incluindo Estados, Europa e Ásia, foi um dos principais impulsionadores da consultoria em tecnologia nos últimos anos, segundo Patel.
“Empresas brasileiras com ambições de crescer no exterior estão, cada vez mais, descobrindo que acompanhar as tendências em tecnologia e soluções digitais é vital para ganhar força em mercados internacionais, cada vez mais dominados por operações online e plataformas digitais”, ressalta. “Além disso, as demandas de uma população cada vez mais digitalizada também estimularam um aumento no investimento em tecnologia por empresas brasileiras, assim como a crescente concorrência doméstica e regional entre empresas nativas digitais.”
Em economias mais maduras, como os Estados Unidos, serviços relacionados à tecnologia representam 28% do mercado de consultoria, 32% na Alemanha, 37% nos países nórdicos e 42% no Reino Unido. Estes países terão crescimento tímido em 2020 como consequência da pandemia, com queda de receita prevista entre 8% e 9% até dois dígitos baixos em 2020, mas não será um declínio tão severo quanto no Brasil.
As intenções de investimento em consultoria ilustram a atitude de organizações brasileiras sobre tecnologia como forma de atravessar a pandemia e se recuperar do choque, em relação a países mais desenvolvidos.
“Em mercados mais avançados digitalmente, grandes empresas não parecem dispostas a desperdiçar seus investimentos em soluções tecnológicas, e se recusam a interromper projetos de forma permanente ou mesmo temporária”, aponta Patel. “Mesmo nos casos onde alguns projetos foram adiados, novos projetos de tecnologia foram introduzidos, à medida que governos investem dinheiro em respostas baseadas em tecnologia à Covid-19”, acrescenta.
INFLUÊNCIA
Segundo Patel, as previsões de um declínio mais acentuado em investimento em consultoria para projetos de tecnologia no Brasil se deve, pelo menos em parte, à abordagem “um tanto desarticulada” dos governos estaduais e federais no combate à Covid-19 e às preocupações dos clientes sobre os resultados destas medidas – isso, por sua vez, resulta em uma proporção maior de projetos sendo colocados em pausa ou cancelados.
“Enquanto em grande parte do mundo governos investiram pesadamente em manter as empresas à tona e atenuar as preocupações e restrições de fluxo de caixa, a abordagem adotada no Brasil, pontuada por discussões internas protagonizadas pelo governo, tomada de decisão prolongada e, em alguns casos, ações e retóricas contraditórias, teve um impacto maior na confiança do cliente e em suas finanças”, explica Patel.
Essa conjuntura faz com que cada vez mais empresas brasileiras adiem e cancelem projetos, diz o analista. Isso inclui iniciativas de tecnologia, com clientes cortando gastos e priorizando ações para lidar com o impacto imediato da Covid-19 em suas operações.
Os desdobramentos descritos por Patel também tem outras consequências indiretas para o setor de consultoria, pois empresas brasileiras terão mais dificuldades em reabastecer seus pipelines de projetos de tecnologia: “A tomada de decisão do cliente levará mais tempo e a escala de projetos será reduzida para minimizar o impacto posterior do trabalho de consultoria no fluxo de caixa dos clientes”, prevê.
Além disso, Patel diz que nos principais mercados da Europa, Estados Unidos e Ásia-Pacífico, governos tem usado a tecnologia de maneira muito mais proativa como meio de combater a disseminação do coronavírus, o que tem ajudado a garantir a continuidade da demanda por consultoria em tecnologia pelo setor público.
REINVENÇÃO
Apesar do choque da pandemia para o setor de consultoria em geral, a demanda por digitalização e expertise tecnológica no contexto atual será muito superior a outros tipos de serviços de empresas que atuam no setor, segundo Patel.
“Empresas que investiram anteriormente em soluções digitais, nuvem, cibersegurança e trabalho remoto estão em uma posição muito melhor do que aquelas que atrasaram os investimentos nessas áreas, mas agora vemos os retardatários intensificando seus investimentos digitais enquanto lutam pela sobrevivência”, diz o analista. “E mesmo empresas que já investiram pesadamente buscam reforçar suas infraestruturas e operações digitais em meio a preocupações com a segunda onda de infecções, à medida que as restrições [de isolamento social] são flexibilizadas.”
Patel prevê, ainda, que empresas precisarão de consultores para apoiar a evolução do trabalho digital, já que o isolamento demonstrou os benefícios e, em alguns casos, a necessidade de um arranjo digital robusto e moderno. “[O home office] atraiu maior simpatia à iniciativas de digitalização e o papel que as pessoas podem desempenhar nos novos modelos de negócios digitais”, ressalta.
Estar na vanguarda nunca foi tão importante para consultores, segundo Patel, que ressalta a capacidade de demonstrar competências essenciais em soluções digitais e tecnológicas como requisito fundamental para a habilidade de uma empresa de manter e obter projetos nas atuais circunstâncias.
“[Consultores] que têm sólida expertise regulatória e de risco também podem se beneficiar à medida que a demanda de segurança cibernética aumenta e empresas exploram a melhor forma de proteger todos os aspectos de seus negócios”, prevê.
Modelos de entrega de serviços de consultoria de forma remota também estão em alta, diz o analista, e empresas que investiram em seus próprios recursos e ferramentas digitais para habilitar essa forma de trabalho provavelmente serão as mais beneficiadas.
“Operar de forma digital torna estas empresas mais capazes de continuar trabalhando na resolução de seus desafios atuais, e também permite que elas reconstruam seus pipelines de projetos mais facilmente à medida que as empresas começam a abrir mais suas carteiras e a investir assim que a crise imediata diminuir.”
Essa visão otimista não se aplica totalmente ao Brasil, no entanto: “Espera-se que mais uma recessão irá atingir o país e empresas estarão muito mais cautelosas com seus orçamentos”, diz Patel.
Nesse cenário, consultorias que se prepararam em sua própria reinvenção provavelmente se beneficiarão, segundo o analista, já que, cada vez mais, clientes adotarão soluções pré-construídas e econômicas que possam ser personalizadas para suas próprias necessidades, ao invés de soluções personalizadas e de custo mais elevado.
Patel prevê um aumento na procura por serviços gerenciados, já que empresas buscam reduzir custos e optam por repassar algumas de suas operações consideradas não essenciais, como RH e finanças, a empresas com experiência na execução dessas operações no longo prazo e a preços mais baixos do que projetos pontuais de consultoria.
“É provável que ecossistemas desempenharão um papel fundamental em ajudar empresas a se diferenciarem no mercado”, diz o analista, apostando no potencial do trabalho entre organizações ditas “tradicionais” e empresas de alta tecnologia como a grande alavanca para realizar projetos digitais no “novo normal”.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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