No último final de semana, Maitê Proença estava animada com uma inovação. Depois de dois meses em cartaz com “O Pior de Mim”, peça teatral até então 100% online, a atriz se preparava para começar a receber a plateia. A presença de pessoas no teatro era pequena – apenas 10% da lotação do Teatro Petra Gold, no Rio de Janeiro – e passou a acontecer em paralelo à transmissão.
“É a primeira vez na minha vida que faço um espetáculo online para pessoas no Acre, no Maranhão na Nova Zelândia, e [ao mesmo tempo] no presencial, com pessoas que vão para o teatro. Terá gente ali, finalmente: não estaremos mais falando com o vazio”, ela disse, em seu perfil no Instagram na sexta-feira (6).
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O arranjo descrito pela atriz é um exemplo do “phygital”, modelo em que eventos como peças de teatro, shows e conferências acontecem tanto no ambiente físico como online. O neologismo virou uma das palavras favoritas de Rodrigo Cartacho, cofundador e CEO da Sympla, empresa de ingressos que viabiliza a transmissão de eventos presenciais via streaming, e pelo Sympla Play, plataforma de conteúdo on demand lançada com foco em cursos online hoje (9).
“O evento presencial nunca vai ser substituído, mas pode ser ampliado. Entregar uma experiência superior nesse cruzamento de formatos [presencial, ao vivo ou on-demand] para os produtores de eventos e compradores é um dos grandes objetivos da Sympla”, diz o fundador, em entrevista à Forbes. “O futuro não é sobre ‘um ou outro’, mas sim ‘um e outro’ formato.”
A Sympla vivia uma trajetória de crescimento – a startup chegou a ter cerca de 32 mil eventos em sua plataforma, em sua grande maioria presenciais – que foi alterada com a Covid-19. A empresa agora foca em uma estratégia onde eventos acontecerão de forma híbrida, apoiados por um futuro marketplace de produtos e serviços.
“Decidimos não esperar a retomada para garantir a condução normal dos negócios e impulsionar crescimento. Quando a volta dos eventos presenciais acontecer, esperamos que a Sympla seja, pelo menos, o dobro do que era na era pré-Covid”, diz o empreendedor, em referência à sofisticação do portfólio de serviços online.
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Segundo Cartacho, quase toda a receita atual da Sympla vem de eventos digitais – mais de 10 mil eventos já aconteceram neste formato desde o início da pandemia. Os mais de 2,6 milhões de ingressos vendidos pela empresa em outubro aconteceram neste ambiente online, apesar de alguns locais, como o parque aquático AquaRio ou museus ao ar livre, terem iniciado um lento movimento de reabertura.
A convicção do empreendedor de que eventos online serão uma parte expressiva do business da Sympla depois que a pandemia for superada se deve a uma mudança que a empresa nota no comportamento de consumidores. O fundador, que já teve negócios fora do Brasil, acompanha de perto as tendências globais e usa os movimentos de outros mercados como suas principais referências.
“Mercados como Índia e China estão muito à frente em vários quesitos tecnológicos e de modelo de negócio baseado em tecnologias do que o Brasil”, nota Cartacho, observando que várias destas tendências, como a sofisticação do elemento digital no segmento de eventos, eram esperadas para os próximos cinco anos, mas foram aceleradas e a adesão a este formato deve se manter.
Por outro lado, o conteúdo transmitido por diversos formatos é, como descreve o próprio fundador da startup, uma commodity num mercado já se aproximando da saturação. “O valor gerado não é ter o formato digital, mas o que você faz com isso. A estratégia da Sympla é ser um destino em que produtores e compradores se encontram, que pessoas possam aprender, divertir-se e se conectar com alguém”, ressalta.
Esta visão traz uma série de oportunidades. Com a plataforma digital da Sympla ofertando diversos formatos de consumo de eventos, Cartacho descreve cenários como baladas ocorrendo no mundo físico e online. Neste exemplo, parcerias com empresas que vendem produtos, como bebidas, podem enriquecer a experiência em frente à tela.
O Sympla Hub, área da empresa que foi “extremamente fortalecida” nos últimos meses, tem o objetivo de fazer estas pontes entre a empresa e marcas externas. Segundo o CEO, o conceito de marketplace será amplamente explorado, em paralelo ao fortalecimento do business de eventos digitais. Isso pode envolver a ampliação de parcerias estratégicas dentro do próprio ecossistema Movile, com empresas como a iFood.
“Pretendemos lançar novos formatos à medida em que a adesão estiver madura o suficiente para que o produtor veja esta possibilidade, queira produzir e o comprador queira consumir através daquele formato”, diz Cartacho.
Além disso, a startup também quer intensificar a promoção de relacionamentos dentro de sua plataforma, que já acontece tanto em festas e shows como em eventos profissionais. No entanto, o empreendedor diz que este é um dos aspectos mais complexos da visão que tem desenvolvido para a empresa.
“[A conexão entre usuários] é, de longe, a parte mais desafiadora dos produtos digitais, e ainda muito mal resolvida de forma geral. Isso já acontece [na Sympla], mas ainda não na escala que poderia ter e estamos trabalhando em como criar um produto baseado na grande proposta de valor que existe neste universo”, aponta.
À medida em que a Sympla aumenta sua presença em certos espaços já ocupados por outros players – como a também mineira Hotmart, de educação online – Cartacho não descarta a possibilidade de uma futura fusão.
“Somos uma empresa com um perfil mais arrojado de M&A, mas acreditamos muito nesse movimento de fusão e a própria história com a Movile ilustra isso, apesar de estas possibilidades [de fusão] ainda serem muito pouco exploradas no Brasil”, ressalta o empreendedor, que descarta a possibilidade de saída caso haja uma junção de forças com outra empresa. “Hoje buscamos muito mais agregar ao ecossistema da Sympla do que uma saída.”
Para os próximos seis meses, Cartacho espera ter cumprido o objetivo de fazer com que a Sympla gere a mesma receita do que antes da pandemia. Isso deve acontecer em um cenário de retomada ou em uma situação mais complexa, de fechamentos intermitentes de locais físicos por conta da Covid-19.
“A expectativa é que, mesmo sem ter ainda um retorno forte dos eventos físicos, possamos gerar valor para um ecossistema que se apoiar na Sympla para garantir que passem por isso da melhor maneira”, diz o empreendedor. “Torço por uma realidade menos incerta. Mas, caso isso não ocorra, temos que ser um pilar para fortalecer as pessoas e negócios que hoje se apoiam na gente.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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