Protagonista na economia digital que ganhou força após a emergência da Covid-19, o ecossistema de inovação brasileiro produz empresas que valem bilhões de dólares, que impactam desde nossas finanças até a forma com que nos alimentamos. Mas esse setor em franco crescimento tem práticas que impedem a atuação de pessoas negras – e ações por parte das lideranças são necessárias para reverter o cenário atual.
A análise é de um estudo inédito, produzido pelo BlackRocks Startups e pela consultoria Bain & Company, obtido com exclusividade pela Forbes, que traz dados da Associação Brasileira de Startups e insights dos principais agentes em atividade no Brasil, como fundos de investimento, aceleradoras e hubs de inovação. “Justificativas para que a forma de selecionar, investir e apoiar negócios não mudasse sempre foram pautadas na falta de dados, ou de um modelo a seguir; o estudo traz uma indagação aos agentes, para intensificar a discussão sobre relações raciais no país,” pontua a CEO do BlackRocks Startups, Maitê Lourenço.
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Antes de aplicar as recomendações do estudo (abaixo), há um passo anterior, que é o desejo de endereçar a desigualdade no setor, diz Luis Frota, sócio da Bain: “Se agentes passarem a agir e contribuir individualmente para um ecossistema mais equânime e racialmente diverso, é possível que uma mudança ocorra no médio prazo,” acrescenta.
Cenário atual
Entre os agentes entrevistados, 76% relataram nunca ou raramente receber propostas de fundadores negros. Um dos motivos para isso é o uso de indicações, muito importante ou essencial para 78% dos investidores, que utilizam suas próprias redes de contatos para originar essas oportunidades. “O jogo do investimento é sobre quem você conhece, que é onde é pior para a diversidade entrar”, diz Carolina Strobel, sócia do fundo Redpoint eventures.
As equipes que selecionam oportunidades também carecem de diversidade: 71% dos agentes consultados não têm negros em seus times. “O problema é a velocidade: demora demais para formar essas pessoas, e [o ecossistema] não dá chance para [pessoas negras] entrarem”, aponta Carolina. Além disso, 50% dos agentes preferem fundadores formados em universidades de renome, e 29% querem CVs com passagens em corporações como grandes consultorias, universos em que há sub-representação de pessoas negras.
Segundo David Laloum, sócio da empresa de inovação aberta Distrito, a análise de dados pode promover mudanças: “Talento, potencial, resiliência e criatividade são fatores muito mais relevantes para garantir uma história profissional ou de negócio bem-sucedida”, ressalta o executivo. “Infelizmente, o mercado hoje não gera e armazena esses dados de forma eficiente: as fontes existentes precisam ser aprimoradas e precisaremos fazer um trabalho de coleta ativa dessas informações na fonte, ou seja, direto das startups.”
Efeito multiplicador
Pessoas negras recebem menos investimentos: 32% tiveram acesso a capital para apoiar suas empresas, segundo o estudo, comparado a 41% de startups de não negros. Negros também recebem menos apoio de aceleradoras e outros agentes de fomento (49% versus 57% entre não negros). Camilla Junqueira, CEO da Endeavor, rede de empreendedores de alto impacto na qual se “conta nos dedos” o número de pessoas negras, diz que o ecossistema está diante de um “ponto de inflexão”.
“É preciso dar a cara a tapa: tenho menos de 10% da minha rede composta por fundadores negros, e quero mudar isso”, confessa a executiva, cuja organização tem ações previstas para ajudar empreendedores Endeavor, conhecidos por terem um “efeito multiplicador” no ecossistema, a serem agentes de transformação na pauta racial.
Todos os entrevistados acreditam que a diversidade racial no ecossistema é inexistente ou muito abaixo do ideal, e 91% dizem que agentes não se movimentam o suficiente para mudar isso. Laloum, da Distrito, cita a carta anual de Larry Fink, CEO da gestora de ativos global BlackRock, como sinal de que o tema ganha força. Neste ano, Fink disse que espera um componente explícito de diversidade e inclusão em estratégias corporativas de atração de talento. André Maciel, ex-sócio do SoftBank no Brasil e agora à frente da Volpe Capital, seu próprio fundo com target de US$ 100 milhões, diz que a pauta racial tem ganhado tração entre os funds-of-funds no exterior. “Esta ainda não é uma realidade no Brasil, nem vemos isso no dia a dia. Mas, à medida que o dinheiro é direcionado para quem tem essa sensibilidade, o ecossistema como um todo [começa] a se transformar”.
A próxima edição da Forbes abordará as principais tendências que movimentam o mundo na terceira década do terceiro milênio – temas cruciais relacionados à ciência e saúde, tecnologia e inovação, serviços financeiros, empreendedorismo, mobilidade, urbanismo, novos modelos de trabalho – sob uma perspectiva afrofuturista, com lideranças negras que estão quebrando paradigmas, dentro e fora do Brasil.
Reportagem publicada na edição 84, lançada em fevereiro de 2021
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