Poucas pessoas foram capazes de não se comover com as imagens dos animais vítimas de queimaduras no Pantanal, como a da onça que, depois de se recuperar dos ferimentos nas patas, foi solta às margens do Rio Corixo Negro, em Poconé, Mato Grosso, após quase 40 dias de tratamento, e pode voltar ao seu habitat natural.
Apesar das lesões, Ousado – como o animal foi batizado – teve sorte. O número de incêndios no Pantanal no ano passado foi o mais alto desde 1998, quando começaram a ser contabilizados os registros de focos ativos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Até o início de novembro, os cálculos do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indicavam uma devastação de 28% do território, uma área equivalente ao tamanho da Dinamarca. O que significa que o prejuízo às espécies da fauna e da flora é imensurável e que algumas dessas populações podem, inclusive, terem desaparecido.
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Diante deste cenário, pesquisadores, empresas e terceiro setor se uniram, de maneira voluntária, na formação de um consórcio multissetorial que está conduzindo um levantamento inédito na região, capaz de identificar animais e vegetações afetadas pela queimada histórica.
Para viabilizar a iniciativa, o biólogo, especialista em biologia celular e molecular e pesquisador da Fiocruz, Alberto Dávila, idealizador do projeto, optou pelo método de coleta de amostras de solo e água da região, para posterior sequenciamento do DNA, em vez do tradicional modelo de observação, muito mais difícil e demorado.
“Com os resultados desses modelos teremos uma excelente estimativa de quais espécies da biodiversidade local foram mais afetadas. Será possível, então, desenhar ações de conservação mais específicas e avaliar a possibilidade de repovoamento nessas áreas”, diz Dávila.
À frente do trabalho de sequenciamento estão as startups catarinenses de biotecnologia Neoprospecta e BiomeHub. A primeira foi fundada em 2010 pelos irmãos Luiz Fernando e Luiz Felipe Valter de Oliveira com o objetivo inicial de fazer bioprospecção de novas moléculas da diversidade brasileira. Numa época em que o ecossistema de inovação não tinha tanto acesso a capital como hoje, a startup – cujo trabalho era de longo prazo –, viu-se obrigada a pivotar e passou a oferecer suas tecnologias para outros mercados. Um deles foi a indústria de alimentos, onde o conhecimento a respeito dos microrganismos pode resolver problemas como insegurança alimentar e prazos curtos de validade.
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Outro segmento onde as soluções da empresa são bem aproveitadas é o de saúde, tanto na avaliação do ambiente hospitalar, para minimizar os riscos de infecção, como das próprias bactérias que acometem os seres humanos e que, muitas vezes, exigem culturas demoradas para uma medicação mais assertiva – tempo que nem sempre o paciente pode esperar. A demanda do setor levou à criação da BiomeHub, hoje sob o comando do biólogo Luiz Felipe. “A tecnologia que usamos dispensa esse processo de cultura. A análise é feita pelo DNA da amostra dos microrganismos, o que é muito mais ágil e preciso”, explica o CEO da startup, que em 2017 recebeu o apoio do Hospital Albert Einstein e viu seu faturamento crescer 10 vezes em 2020.
ANTES X DEPOIS
A expertise da BiomeHub está sendo usada para fazer, em laboratório, o sequenciamento genético das amostras coletadas do solo e da água das regiões norte e sul do Pantanal, tanto das áreas queimadas quanto daquelas que permaneceram intactas, em larga escala. As tecnologias usadas para isso são o barcoding (código de barras do DNA), meta-barcoding e DNA ambiental (eDNA).
Dessa forma, explica Alberto Dávila, que tem o Pantanal como seu objeto de estudo desde 1994, será possível identificar espécies de animais e vegetação que existem nas áreas preservadas e comparar com o que foi encontrado nas regiões queimadas, obtendo um saldo das perdas causadas pelo fogo.
“O ineditismo do projeto está no fato de usarmos a tecnologia de DNA em uma escala nunca antes realizada. Assim, teremos uma ideia mais clara sobre a real biodiversidade, não só de tudo o que é observado e capturado, mas também do que nunca ninguém viu e poderíamos perder sem conhecer”, explica Luiz Fernando, que comanda a Neoprospecta. “Esse raio-x do impacto causado vai ajudar no direcionamento da estratégia de recuperação da biodiversidade”, completa Luiz Felipe.
O recolhimento das amostras começou no mês passado e deve durar um ano. O sequenciamento genético acontece em paralelo, e os resultados parciais serão informados à sociedade periodicamente. Mas o executivo da BiomeHub explica que a intenção é que o projeto se torne algo permanente, capaz de criar um histórico e de acompanhar as ações de recuperação da região, lar de 263 espécies de peixes, 122 de mamíferos, 93 de répteis, 1.032 de borboletas e 656 aves segundo a WWF Brasil.
Essa continuidade, no entanto, depende de apoio, inclusive para determinar o tamanho da área mapeada. Até o momento, o GenomicLab, como foi batizado o consórcio, conta a colaboração de 30 pesquisadores das áreas de ecologia, zoologia, botânica e genética de 11 universidades e institutos, de uma série de entidades, como a Sociedade Brasileira de Genética e o Centro de Pesquisa do Pantanal, e de três outras empresas além das startups catarinenses: Portunus Biotech Unlocked, Atlantis Biotecnologia e Sinapse Biotecnologia.
“Na metade do ano já teremos o sequenciamento das primeiras amostras”, prevê Luiz Felipe. “Mas o objetivo da iniciativa é muito ambicioso, uma vez que passa pela reconstrução das áreas afetadas, algo que tem um potencial imenso para a região.”
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