O CEO da Apple, Tim Cook, transformou a privacidade dos dados do usuário em uma estratégia de negócios e num imperativo ético. “Se aceitarmos como normal e inevitável o fato de que tudo em nossas vidas pode ser adicionado e vendido, perdemos muito mais do que dados”, disse o executivo durante uma palestra virtual na Conferência de Computadores, Privacidade e Proteção de Dados em janeiro. “Perdemos a liberdade de ser humanos.”
A companhia deve revelar hoje (20), na reunião anual que apresenta os lançamentos da marca, a versão mais recente de seu sistema operacional, o iOS 14.5, com um recurso que exigirá que os aplicativos peçam permissão aos usuários antes de rastrear dados e atividades. O cronograma de lançamento ao público ainda é incerto, mas uma versão beta do sistema já está disponível e Tim Cook deve anunciar mais detalhes durante o evento.
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A ênfase na privacidade impulsiona os negócios da gigante de tecnologia como fabricante de dispositivos pessoais e também pressiona os concorrentes: os recursos do novo sistema, junto com a retórica obstinada de Cook, estão forçando negócios baseados em publicidade, como Facebook e Google, a responder e se adaptar.
“Isso os atinge diretamente”, diz Gene Munster, sócio e cofundador da empresa de capital de risco Loup Ventures. “Essas mudanças tornam mais difícil – não impossível, mas certamente mais difícil – direcionar os anúncios. A Apple ouviu dos usuários sobre as frustrações em torno da privacidade e como eles estão sendo rastreados. Então a companhia fez mudanças para acomodar essas preocupações. E essas mudanças acabaram criando um vento contrário.”
Embora os analistas concordem que as novas mudanças na privacidade pareçam direcionadas diretamente aos concorrentes da Apple, Cook disse, em uma entrevista durante um podcast este mês com a colunista do “New York Times” Kara Swisher, que elas não têm como foco nenhuma empresa em particular. “É voltado para um princípio”, disse.
No centro das mudanças está o app Tracking Transparency (ATT), um recurso que exige que aplicativos de terceiros solicitem aos usuários – por meio de uma janela pop-up – permissão para rastrear e compartilhar seus dados entre aplicativos e sites, que é o que fortalece o direcionamento de anúncios. “Você pode fechar os olhos para como seus dados estão sendo usados se não estiverem na sua cara”, diz Richard Mogull, especialista em privacidade e executivo-chefe da Securosis, uma empresa de pesquisa de segurança da informação. “Mas quando está na sua cara, você pode tomar uma decisão informada.
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A Apple anunciou esse recurso pela primeira vez em junho, mas adiou o lançamento do ATT para o início de 2021 após ouvir as preocupações dos desenvolvedores de aplicativos sobre a necessidade de mais tempo para implementar as mudanças de acordo com as políticas de privacidade. E, embora os novos recursos capacitem os usuários, eles também tornam muito mais difícil para os concorrentes da Apple lucrar com seu sistema operacional, diz Matt Zgutowicz, analista da Rosenblatt Securities.
“A Apple está construindo uma fortaleza em torno do iOS, além de fazer as pessoas acreditarem em suas melhores intenções no que diz respeito à privacidade”, continua Zgutowicz. “A empresa está impedindo que terceiros gerem receita no iOS e, para isso, estão basicamente usando a privacidade como cortina de fumaça.”
A REAÇÃO
O Facebook reagiu lançando uma campanha de relações públicas contra a Apple que apela para o impacto sobre as pequenas empresas. “Estamos enfrentando a Apple pelas pequenas empresas em todo o mundo”, dizia um anúncio de página inteira que o Facebook comprou no “Wall Street Journal” em dezembro. “No Facebook, as pequenas empresas estão no centro de nossos negócios… Muita gente que está à frente de pequenos negócios vem compartilhando preocupações sobre a atualização forçada do software da Apple, que limitará a capacidade das empresas de veicular anúncios personalizados e alcançar seus clientes de forma eficaz.”
O anúncio, veiculado em meio à pandemia da Covid-19, continuou: “Embora a limitação de como os anúncios personalizados podem ser usados tenha impacto sobre empresas maiores como nós, essas mudanças serão devastadoras para as pequenas empresas, acrescentando mais um desafio aos muitos que elas estão enfrentando neste momento”.
A Apple respondeu com sua própria declaração, dizendo que o novo plano de transparência “não exige que o Facebook mude sua abordagem para rastrear usuários e criar publicidade direcionada, apenas exige que eles deem uma escolha aos usuários”.
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O Facebook, que depende do rastreamento de terceiros para abastecer seu negócio de publicidade de US$ 84,2 bilhões, optou por lutar em público contra o ATT. Enquanto isso, o Google vem buscando melhorias de privacidade por conta própria.
Em janeiro, o gigante de buscas fez uma postagem em seu blog detalhando como se prepararia para a nova atualização do iOS 14.5. Em vez de fazer com que todos os seus aplicativos exibam a janela pop-up de permissões, a empresa disse que não rastrearia mais as informações do usuário em aplicativos iOS para fins publicitários. Além disso, informou que trabalharia com a Apple para melhorar seu chamado SKAdNetwork, que deveria ser a resposta da empresa comandada por Tim Cook a uma forma amigável de compartilhar dados com anunciantes sem incluir informações específicas do usuário ou do dispositivo. “Continuamos comprometidos em preservar um ecossistema de aplicativos vibrante e aberto, onde as pessoas podem acessar uma ampla gama de conteúdo apoiado por anúncios com a confiança de que sua privacidade e escolhas são respeitadas”, disse o post do Google.
Antes, em março de 2020, a Apple lançou uma versão de seu navegador Safari que bloquearia cookies de terceiros – um código de rastreamento colocado em um site por alguém que não seja o proprietário e que permite a coleta de dados do usuário para fins publicitários. O Google estabeleceu seu próprio prazo para se livrar dos cookies de terceiros em seu navegador Chrome – em algum momento de 2022.
O Facebook, por sua vez, parece reconhecer que a guerra contra as novas medidas de privacidade da Apple pode não ser vencida. Mark Zuckerberg, em uma discussão no aplicativo de bate-papo por voz Clubhouse no mês passado, disse estar confiante de que o Facebook “será capaz de lidar” com as atualizações do iOS 14.5. “É possível que possamos estar em uma posição mais confortável se as mudanças da Apple encorajarem mais empresas a realizar mais comércio em nossas plataformas, tornando mais difícil para eles usarem seus dados para encontrar os clientes que gostariam de usar seus produtos fora de nossas plataformas ”, disse o cofundador da rede social.
Para Munster, essa posição soa excessivamente otimista. Diante do discurso global em torno da privacidade dos dados dos usuários, especialmente após o escândalo da Cambridge Analytica e a implementação de uma lei abrangente sobre proteção de dados na União Europeia na forma de um Regulamento Geral de Proteção de Dados, Cook optou por priorizar a privacidade de certa forma que, para o bem ou para o mal, acabará se tornando um legado duradouro, dizem os analistas. “A Apple trouxe a privacidade e a segurança do que era basicamente uma reflexão tardia há muitos anos para o núcleo do seu modelo de negócios”, diz Mogull, da Securosis. “Quando um CEO diz que vê a privacidade como um direito humano, é muito difícil retroceder.”
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