O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é o órgão brasileiro responsável por coletar pagamentos relativos a direitos autorais no mundo da música há mais de 40 anos. Se engana, porém, que seus processos só identificam a reprodução de fonogramas em rádios, canais de televisão ou eventos públicos.
Em 2020, quase R$1 bilhão foi distribuído para mais de 260 mil compositores, músicos, intérpretes, gravadoras e estúdios. Para isso, o Ecad, empresa privada sem fins lucrativos com sede no Rio de Janeiro (RJ) e escritórios em território nacional, faz uso massivo de tecnologia de ponta para otimizar o processo de arrecadação.
Sancionada em fevereiro de 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a lei brasileira de direitos autorais prevê que autores sejam remunerados por toda reprodução ou transmissão de suas obras realizada por terceiros. No universo da música, quem faz esse monitoramento é o Ecad. A gestão da organização é compartilhada por sete associações, que representam diferentes categorias de artistas, como, por exemplo, arranjistas, compositores e intérpretes.
Por conta da pandemia de Covid-19, a arrecadação de 2020 do Ecad sofreu uma redução de 20% em comparação com 2019. No ano passado, a arrecadação ficou em R$ 947,9 milhões, impactada pelo fechamento do comércio e pela paralisação do setor de eventos, onde músicas muitas vezes são tocadas como ambientação. A organização, no entanto, conseguiu diminuir o impacto no repasse aos artistas, que foi apenas 4% menor no mesmo período. Parte dessa redução de danos ocorreu por conta do bom ano do streaming no Brasil.
As plataformas digitais de áudio, como o Spotify e o YouTube Music, ou de vídeo, como o Netflix, possuem contratos com o Ecad para realizar pagamentos relativos à disponibilização das músicas, assim como de faixas tocadas em exibições públicas por meio de suas aplicações. Com isso, a organização consegue quantificar o número de reproduções de um determinado fonograma nas mídias digitais e realizar a distribuição do pagamento com base nesses dados compartilhados.
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No ano passado, a organização fez a identificação de 768 bilhões de faixas tocadas no streaming. “Cada uma dessas empresas mandam os dados de maneira diferente e em um prazo diferente”, afirma a gerente-executiva de tecnologia da informação do Ecad, Valéria Pessoa. “No caso do Netflix, por exemplo, cabe a eles mandarem tudo o que toca numa série, por temporada e por episódio.”
DO LEME AO PONTAL
O início do processo de arrecadação está na detecção de estabelecimentos e canais digitais que reproduzem fonogramas cadastrados nas sete associações do setor, que representam os artistas. Com um banco de dados com mais de 500 mil locais que utilizam música com finalidades comerciais, o Ecad monitora todos os fonogramas tocados, por exemplo, em shoppings, transporte público, restaurantes e cinemas, além de receber relatórios mensais sobre tempo de duração e quantidade de reprodução das faixas.
Esse número, no entanto, está sempre em expansão, explica Valéria. “A internet tem um papel muito importante de mostrar o que está acontecendo de novo por aí”, afirma a gerente-executiva. “Nós utilizamos ferramentas e soluções para saber o que está sendo falado nas redes sociais sobre shows, eventos e inaugurações de estabelecimentos comerciais”. Além desse monitoramento, o Ecad também utiliza bases de dados para identificar a abertura e fechamento de CNPJs que podem utilizar músicas.
Para dar conta de um monitoramento tão amplo, o Ecad tem desenvolvido parcerias para o desenvolvimento de tecnologias capazes de reconhecer fonogramas. Um exemplo é a união da organização com a PUC-RJ para a criação de um sistema capaz de identificar faixas musicais tocadas em rádios AM e FM. De acordo com a instituição, a precisão da aplicação é de 95% e tem melhorado com base nos processos de tentativa e erro, típicos de um desenvolvimento baseado em inteligência artificial.
Após o processo de reconhecimento da música, entra uma nova etapa, na qual há o processamento e validação do que foi coletado. A faixa identificada é pesquisada no banco de dados do Ecad, onde estão armazenadas informações de 11,5 milhões de fonogramas e seus respectivos autores. Para dar conta da demanda, a organização conta com um servidor na nuvem de 258 terabytes, que, apenas para a verificação das informações enviadas por plataformas de streaming em 2020, processou 98 mil faixas musicais por segundo e teve uma precisão de 85%.
ME DÁ UM DINHEIRO AÍ
O pagamento dos direitos autorais é realizado em períodos diferentes por setores e utilizações distintas, como prevê o decreto 9.574, de novembro de 2018, sancionado pelo ex-presidente Michel Temer. Pagamentos referentes a reproduções em rádio AM e FM, assim como na TV aberta e fechada, por exemplo, são feitos trimestralmente pelo Ecad aos artistas, enquanto que, para shows e exibições públicas, o repasse é realizado mensalmente. Embora os preços a serem pagos variem pelo tipo de utilização da música, há um preço base, a Unidade de Direito Autoral (UDA), que possui valor unitário de R$ 80,92.
A partir do reconhecimento das músicas e da validação da informação coletada, o artista cadastrado no banco do Ecad tem direito a receber uma compensação financeira pelo uso de sua música por terceiros. Esta remuneração, porém, só é integral se o artista tiver 100% de autoria no fonograma. Caso outros artistas, como, por exemplo, compositores e arranjistas, tenham uma porcentagem de participação na faixa musical, eles ganham um valor proporcional a sua parcela de direitos autorais.
Caso algum problema na identificação seja encontrado pela Secretaria Especial de Cultura (Secult) do Ministério do Turismo, ou algum artista se sinta lesado, o Ecad possui um sistema de auditoria e apuração de fraudes. “Não basta só achar e identificar a música, você tem que comprovar que acertou”, diz Valéria. “Quando o processo é realizado, eu tenho que guardar o histórico de qual faixa musical eu reconheci e como foi feita essa identificação.”
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