Surfar na contramão dos desafios impostos aos negócios pela pandemia e se adaptar ao “novo normal” não foi nada fácil para alguns setores. Segundo o Ministério da Economia, 1 milhão de empresas fecharam as portas em 2020. No entanto, a crise sanitária também impulsionou tendências que, aliadas à tecnologia, facilitaram a adaptação às regras de convivência e impulsionaram novos negócios, como no caso das proptechs, empresas que atuam na inovação do mercado imobiliário.
Segundo um estudo da Terracotta Ventures, apenas no ano passado houve um crescimento de 23% no número de startups no setor, que saiu de 500 empresas em 2019 para 702 no fim de 2020. E, contra todas as probabilidades, o setor imobiliário residencial fechou o ano com alta de 9,8% nas vendas, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Uma das proptechs que surgiram no ano passado foi a Mudee, focada em imóveis de luxo na cidade de São Paulo, que aposta na produção de imagens dos estabelecimentos. Enquanto as imobiliárias tradicionais disponibilizam fotos comuns das casas e apartamentos, muitas vezes feitas pelos próprios proprietários, a proptech oferece aos interessados fotos profissionais. Para incrementar a experiência, a plataforma também possibilita a realização do match entre vendedores e compradores com a ajuda do machine learning.
Vinicius Souto, CEO da Mudee, conta que apesar das incertezas que a Covid-19 trouxe para o mercado brasileiro, a demanda por residências com mais conforto aumentou. “As casas passaram a ter um novo significado na pandemia e a população passou a buscar ambientes em que fosse mais fácil estruturar o famigerado home office”, diz. Sem revelar o faturamento da startup em 2020, Souto conta que a empresa cresceu 70% no primeiro trimestre deste ano e a meta é chegar a R$ 1 milhão até o fim de 2021.
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Já Rafael Steinbruch, cofundador da Yuca, startup de coliving (moradia compartilhada), explica que seu negócio precisou pivotar por causa da pandemia. Criada em 2019, a empresa atendia pessoas que tinham como prioridade estar perto do trabalho ou da faculdade, o que abria as possibilidades de morar com um desconhecido. “Agora, elas precisam de um bairro bem servido de amenidades e serviços, como supermercado, farmácia, entretenimento e parques, além de um imóvel individual.” A startup, então, passou a oferecer apartamentos para uma pessoa e não mais unidades compartilhadas.
A Yuca oferece o pagamento de um pacote fixo junto ao aluguel contemplando condomínio, IPTU, contas básicas (água, luz, gás e internet) e um serviço semanal de limpeza. Além de participar de todo o processo de locação, desde a aquisição do imóvel até a reforma dos locais. Em abril, a empresa disponibilizará 11 unidades individuais no bairro Pinheiros, em São Paulo, que fazem parte de um total de 50 residências que serão entregues ainda no primeiro semestre de 2021. “Queremos oferecer soluções de moradia para todos os momentos da vida das pessoas. O coliving resolve muito bem a vida do jovem profissional, mas a gente sempre soube que precisava oferecer locais individuais”, afirmou Paulo Bichucher, COO e cofundador da companhia.
Apesar da mudança na estratégia, a Yuca – que também não quis revelar o faturamento obtido em 2020 – conseguiu se organizar e viu sua receita bruta crescer 330% entre janeiro e março de 2021 em comparação ao mesmo período do ano anterior. “Em abril, 90% dos 400 apartamentos que temos em nosso portfólio estão ocupados”, afirma Steinbruch.
A LegAut, startup que usa machine learning para desburocratizar as operações imobiliárias apoiada pelo Black Founders Fund, fundo do Google voltado a empreendedores negros, é outra que precisou se adaptar. Maria Eduarda Herriot, chief legal officer, explica que a empresa atua em um mercado “gigantesco” e, muitas vezes, marcado por “transações ineficientes em que nenhum dos participantes fica satisfeito”. Para resolver esse gap, a proptech desenvolveu um software que busca otimizar e organizar, de forma prática e rápida, os documentos de clientes que intermediam grandes volumes de transações com imóveis – imobiliárias, em sua grande maioria.
A empreendedora conta que, no início da pandemia, sentiu uma retração no mercado, mas que a startup conseguiu se estruturar para não perder clientes. “Hoje, estamos focados em operar em volume reduzido com nossos parceiros, por vezes oferecendo descontos para não perder os contratos ativos.” A estratégia adotada fez com que a LegAut mantivesse a carteira de clientes, o que resultou em um crescimento de 200% no faturamento em 2020. “Também conseguimos manter o mesmo patamar de crescimento nos primeiros três meses deste ano”, conta.
Apesar da ampla oferta de soluções para diferentes vertentes do setor imobiliário, as proptechs possuem algo em comum: não querem parar de inovar. Souto quer investir em tours virtuais com realidade aumentada nos apartamentos de luxo. Steinbruch pretende aprimorar técnicas de big data e algoritmos que garantam maior rentabilidade aos inquilinos da Yuca. E Maria Eduarda afirma que a LegAut lançará uma nova plataforma de fechamento da transação imobiliária, prevendo análises automatizadas de documentação. Todas essas iniciativas têm previsão de serem colocadas em prática ainda em 2021.
Segundo os empreendedores, o mercado imobiliário deve continuar aquecido em 2021, mesmo em um cenário de incertezas. A Abrainc (Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias) realizou um estudo com presidentes e diretores de 38 empresas do setor e concluiu que 97% deles pretendem lançar projetos até setembro e 92% planejam comprar terrenos, principal matéria-prima da indústria.
Financiamento em todas as pontas
Apesar das inovações nos processos de apresentação dos imóveis e até da documentação, muitos proprietários e compradores estão sofrendo com os desafios financeiros durante a pandemia. E essa demanda não passou despercebida pela Kenlo, que apostou no home equity – empréstimo com garantia imobiliária. A startup, criada em janeiro deste ano, oferece crédito usando o próprio imóvel como garantia em caso de inadimplência.
Fabrício Almeida, diretor de negócios da empresa, explica que a plataforma oferece seguros e garantias às imobiliárias para comercialização entre os clientes. “Nós queremos que as imobiliárias saiam do padrão de apenas alugar ou vender e ofereçam outros serviços. O corretor sabe detalhes da vida do consumidor que mais ninguém sabe e, com isso, consegue ofertar outros muito mais do que uma casa.”
O principal atrativo do home equity são as menores taxas pelos empréstimos, já que um imóvel serve como garantia da transação. A taxa inicial da empresa é de 0,75% ao mês, mas pode variar de acordo com o perfil e a propriedade oferecida em garantia, com oferta de crédito inclusive para perfis negativados. “Muitas pessoas estão endividadas, principalmente em decorrência da pandemia, e o home equity surge como uma possibilidade de alongar o débito, com uma parcela mais palpável para o bolso, ajudando a limpar o nome”, explica o executivo.
A Kenlo atua com mais de 7,5 mil imobiliárias e 44 mil corretores em todo o Brasil. Segundo informações fornecidas com exclusividade à Forbes, a companhia originou R$ 83,2 milhões em empréstimos via home equity no primeiro trimestre, sendo que R$ 20,3 milhões em transações já concluídas. A companhia planeja fechar 2021 com R$ 150 milhões em créditos concedidos. Para isso, a empresa planeja oferecer o Kenlo Expert 2.0, curso de capacitação de vendas aos corretores previsto para o segundo semestre deste ano, com o objetivo de ofertar mais produtos e ampliar o leque de crédito aos consumidores.
Mesmo com as incertezas do cenário econômico, Almeida acredita que o mercado de home equity vai ser o principal ativo de empréstimos para pessoas físicas no futuro e diz que a Kenlo está trabalhando para ser a principal proptech deste segmento.
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