A compra de empresas de diversos setores por gigantes de tecnologia no Brasil vai exigir uma análise regulatória mais abrangente para evitar impactos nocivos na economia, disse o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Alexandre Cordeiro.
“Isso nos preocupa de várias formas, porque pode aumentar os poderes de grandes grupos de ditar preços, mudar condições de oferta e arrefecer a economia”, disse Cordeiro hoje (19) em entrevista à Reuters.
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A autarquia também está atenta a movimentos de grandes investidores financeiros comprando participações em empresas menores ou que compram startups inovadoras com objetivo específico de eliminar a concorrência, interrompendo os processos de inovação, estratégia chamada no jargão do mercado de “killer acquisitions”.
Os comentários de Cordeiro, que assumiu na semana passada para um mandato de quatro anos à frente do órgão antitruste, vêm na esteira de uma onda de aquisições lideradas por negócios digitais no país, que cresceram velozmente diante dos efeitos do isolamento social.
Na última quinta-feira (15) foi anunciada a compra do e-commerce de tecnologia e videogames Kabum! pelo Magazine Luiza, a 21ª aquisição feita pela companhia em pouco mais de um ano. Além do Magalu, grupos como Lojas Americanas, Via Varejo, Mercado Livre e Amazon têm desenvolvido rapidamente amplas estruturas intersetoriais de logística, de serviços financeiros e de software organicamente ou com aquisições.
“A preocupação com a formação de conglomerados hoje é maior, porque as big techs entram em áreas que não entravam antes”, acrescentou Cordeiro, que é advogado e economista.
Mas segundo ele, embora o Cade tenha analisado no primeiro semestre um volume de aquisições 33% superior ao da mesma etapa de 2020, o órgão não detectou conduta anticompetitiva derivada dos efeitos da crise. Ele conta que, quando começou a pandemia, a autarquia previu que poderia haver um salto em pedidos de falência ou recuperação judicial e que muitas empresas domésticas poderiam ser compradas por estrangeiras, o que não aconteceu.
E até certo ponto, disse, o Cade não deve atuar para conter a concentração de mercado, a não ser que isso implique abuso de poder econômico.
“Há uma tendência mundial de concentração em alguns setores, o que não necessariamente é ruim”, afirmou Cordeiro. “Alguns mercados trabalham melhor com três do que com seis empresas e o mais importante não é o tamanho, mas a rivalidade entre elas.”
Cordeiro afirmou que o Cade deve ter atuação diferente da que tem sido exercida por autoridades de defesa da concorrência em regiões como Europa e Estados Unidos, que têm submetido big techs como Amazon, Google e Facebook, a multas pesadas, obrigando-as a abrirem maior espaço para rivais ou mesmo avaliando exigir a cisão de alguns ativos.
“Eu tenho uma preocupação muito grande com mercados muito regulados”, afirmou Cordeiro, alegando que o Cade deve intervir até o limite para garantir a concorrência, evitando o risco de inibir o crescimento do mercado e capacidade de inovação.
Ele acrescentou que órgãos antitruste em algumas geografias têm uma maior competência para atuar, eventualmente abrangendo análises que não envolvam unicamente a concorrência.
“A decisão de outras jurisdições que têm essa característica mais intervencionista vai cair num paradoxo”, afirmou Cordeiro.
“Quando alguém ganha market share por eficiência, não há ilícito concorrencial”, alegou. “Se a empresa ganhar mercado por eficiência e o governo pode obrigá-la a se cindir, o recado vai ser: não cresça! “O Cade não vai seguir esses modelos”, acrescentou.
Em vez disso, Cordeiro citou casos recentes de atuação do Cade como exemplos de uma atuação mais preventiva e objetiva, como o da parceria entre Cielo e WhatsApp em pagamentos, momentaneamente barrada em 2020, até que as empresas conseguissem dirimir questões sobre limitação à concorrência.
Em outro caso, em maio, o Cade proibiu o maior aplicativo de entrega de refeições do país, iFood, de fazer novos contratos que exigissem acordo de exclusividade de restaurantes parceiros.
GRUPO GLOBO
Cordeiro assumiu o comando do Cade nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, semanas após o órgão abrir investigação sobre eventual abuso no mercado em contratos de exclusividade em contratos de TV do grupo Globo, que Bolsonaro tem como inimiga. O presidente da autarquia rechaçou a hipótese de que o caso leve parte do mercado a enxergar a autarquia agindo como instituição de governo, em vez de um órgão de Estado.
“Estou no Cade há sete anos e passei por diferentes governos”, argumentou Cordeiro, que chegou ao órgão em 2015 sob indicação da ex-presidente Dilma Rousseff.
Segundo ele, o Cade investiga indícios de abuso de posição dominante do grupo Globo e o caso passará pelo julgamento de sete conselheiros do órgão. “Por envolver quem envolve, o caso acaba ganhando repercussão”, avaliou ele, acrescentando que a empresa poderá se defender e, se conseguir provar que não houve abuso de poder, o Cade arquivará o processo. (Com Reuters)
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