A consultoria PWC Brasil prometeu para este mês mostrar os dados de uma pesquisa sobre governança em startups, realizada com 169 startups brasileiras. As startups do agro, as agtechs, estão incluídas na conta. A iniciativa pode parecer um contrassenso, já que é da natureza de uma startup errar, errar e errar novamente, até acertar. Mas, em tempos nos quais a decisão do investimento é uma soma de minúcias, por conta de uma economia pós pandemia difícil de engrenar, cuidar desse pilar de sustentação de um negócio entra, definitivamente, no farol de agentes do mercado. “É uma pesquisa que dá insights do que acontece no mundo dos investimentos nesse setor”, diz Isadora Faria, gerente sênior de novos negócios e inovação da PwC Brasil. “A governança reflete o amadurecimento das empresas.”
No final de agosto, Isadora participou do AgTech Meeting, promovido pelo hub AgTech Garage, que funciona dentro do Parque Tecnológico de Piracicaba (SP), e que reúne 550 startups do agro inscritas para os programas de inovação e cerca de 1.000 startups conectadas à sua comunidades. Na pesquisa da PwC Brasil, em parceria com o hub, 33 startups do agro foram ouvidas. “O grande diferencial da pesquisa é que nós também consultamos os investidores”, afirma Isadora. “Para as startups, perguntamos em qual fase [da governança] elas estão e quais são as práticas que já adotaram. E para os investidores perguntamos em qual fase eles esperam que as startups pratiquem e adotem cada um desses itens.”
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Os itens aos quais Isadora se refere estão divididos em quatro pilares, de acordo com a metodologia de pesquisa usada, que foi o guia de governança corporativa do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). “O que a gente espera é que as startups adotem as incertezas do seu modelo de negócio, mas que elas também possam mitigar e reduzir os riscos associados à gestão”, afirma Isadora. “Estamos vivendo um momento de instabilidade econômica e de cautela na alocação dos recursos.”
O primeiro pilar se refere à criação de alçadas de decisão e a definição de papéis e responsabilidades. A pesquisa mostrou que 41% dos investidores concordam que a sua implementação deve ocorrer na fase de tração, que é o recomendado pela metodologia, mas só 37% das startups praticam. O segundo pilar é a prática de revisão e aprovação da estratégia de médio longo prazos, sugerido que seja feito na fase de escala e que 35% dos investidores já veem esse cenário. “É um ponto super importante para startups do agro, onde 75% já estão praticando”, afirma Isadora. “O nível de maturidade do agro é maior do que os demais pesquisados.” De modo geral, entre os investidores, 41% afirmam que a expectativa é de que essa prática seja adotada antes, na fase de tração, mas só 31% das startups, de fato, possuem um processo formal de revisão da estratégia.
Os outros dois pilares são a criação do código de conduta e de políticas internas, com 38% dos investidores apontando para a fase de escala. Nas startups de agro esse índice sobe para e 50%. “Como no pilar anterior, vimos que a maior parte dos investidores, 41%, também esperam ver [políticas internas] na fase de tração e só 25% das startups do agro já estão praticando”, diz Isadora. “É uma ressalva, porque as startups do agro, a sua maioria transacionam com corporações e naturalmente corporações se preocupam mais com a condução e com a forma como os negócios são conduzidos.”
Oportunidades no cenário
No ecossistema da AgTech Garage, que nasceu há cinco anos, há 80 empresas parceiras. Entre elas estão multinacionais como Bayer, Bunge, John Deere, Cargill, Ceva, e brasileiras como Suzano e Camil. “Existe muita oportunidade para quem, também, se relacionar com as grandes empresas. Falo que nos próximos cinco anos vai ser difícil uma startup dar certo, sem ter pelo menos uma relação estratégica com uma grande empresa”, afirma José Tomé, CEO do AgTech Garage. “As garagens de antigamente não existem mais. As garagens agora são outras”, se referindo a ícones que começaram assim, entre elas a Amazon, Apple, Google, Microsoft e até a Disney.
O plano de Tomé é chegar a 100 empresas parceiras o mais rapidamente possível, o que para ele deve ocorrer ainda neste ano. “E se a gente crescer oito vezes, quantas empresas estarão no hub?”, pergunta. Ele aposta nas oportunidades, principalmente na expansão internacional do ecossistema que comanda, em conexões mais fortes para a cadeia de startups. Além disso, Tomé fala em um novo modelo de relações nos ecossistemas de inovação. “O hub, como conceito, é um modelo que concentra”, afirma. “A gente quer concentrar de uma forma um pouquinho diferente, distribuindo e criando redes genuinamente conectadas.”
Flavio Zaclis, sócio diretor da Barn Investimentos, que tem em seu portfólio startups como a Grãodireto, Rumina, Agroland e Strider, diz que o agro deve se aproveitar do potencial de mercado e que os investimentos vão continuar acontecendo, porém com um apetite mais seletivo. “As bases para o mercado de empreendedorismo e de investimentos, sejam de Corporate Venture Capital ou Venture Capital já existem, o que não tínhamos há 10 anos”, afirma. “Mas precisamos ser mais cautelosos para fazer os investimentos no mercado brasileiro.” Para ele, o cenário de alguns anos atrás já não existe e que os investidores vão apostar em “modelos de negócio que fazem sentido”.
Um levantamento da plataforma de inovação Distrito mostra que em 327 transações as startups brasileiras receberam US$ 2,92 bilhões em investimentos no primeiro semestre de 2022, valor 44% abaixo do registrado no mesmo período do ano passado. Em 2021 fora US$ 5,26 bilhões em 416 transações. Mas dinheiro ainda existe no mercado. Segundo a mesma plataforma a previsão global de investimento em startup neste ano deve ficar entre US$ 10,7 bilhões e US$ 12,9, faixa de valores 50% acima de 2021, ano em que os investimentos foram de estrondosos 174%.