Enquanto o CEO da Nvidia, Jensen Huang, observava a plateia na conferência de saúde do JPMorgan, o maior evento de tecnologia em saúde do ano, ele reconheceu que estava em um território desconhecido. “Vocês não são meu público normal”, disse durante um bate-papo com a Recursion, empresa de descoberta de medicamentos que recebeu US$ 50 milhões da Nvidia em 2023.
A audiência pode não ter sido parte de seu público-alvo principal, mas ele espera que isso mude. Repetidas vezes, Huang promoveu a biologia digital como a “próxima revolução incrível” da tecnologia.
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Enquanto o boom da IA varreu o Vale do Silício, a Nvidia construiu um negócio de mais de US$ 60 bilhões por ano e, no verão passado, se tornou uma das poucas empresas com o valor de mercado na casa do trilhão. Na saúde e biotecnologia, ela vê mais oportunidades para impulsionar seu crescimento.
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“Foi declarado que seremos o próximo negócio bilionário da Nvidia”, disse Kimberly Powell, vice-presidente de saúde da companhia, à Forbes. Ela afirmou que a empresa visa fornecer chips, infraestrutura em nuvem e outras ferramentas para mais empresas de biotecnologia.
Agora que modelos de linguagem como o ChatGPT, da OpenAI, e o Gemini, do Google, tornaram a IA generativa mais comum, várias das maiores empresas de tecnologia do mundo estão voltando sua atenção para a biotecnologia como a próxima fronteira em inteligência artificial.
Na Nvidia, a maior parte dos investimentos na divisão de Venture Capital foram em descoberta de medicamentos. Na DeepMind (laboratório de IA do Google), o modelo AlphaFold, ferramenta para prever estruturas de proteínas, tem sido usado por pesquisadores acadêmicos ao longo do último ano para desenvolver uma “seringa molecular” para injetar medicamentos diretamente nas células.
O interesse em biotecnologia é abrangente na indústria: Microsoft, Amazon e até Salesforce têm projetos de design de proteínas também.
Embora o uso da IA na descoberta de medicamentos não seja exatamente uma novidade — a DeepMind apresentou o AlphaFold pela primeira vez em 2018 — executivos da DeepMind e da Nvidia disseram à Forbes que este é um momento de avanço, graças à confluência de três coisas: a massa de dados em treinamento disponíveis, a explosão de recursos computacionais e avanços nos algoritmos. “Os três ingredientes estão aqui pela primeira vez”, disse Powell. “Isso não era possível há cinco anos.”
A importância da biotecnologia
A IA tem muito potencial na biotecnologia por causa de sua grande complexidade — basta ver o problema que o AlphaFold visa. As proteínas são a máquina básica do seu corpo, gerenciando uma ampla variedade de funções. Toda proteína é composta por uma sequência de aminoácidos, e as interações entre esses aminoácidos e o ambiente externo determinam como a proteína “dobra” — o que dita sua forma final. Ser capaz de prever a forma de uma proteína com base em suas sequências de aminoácidos é de suma importância para empresas de biotecnologia, que podem usar essas informações para projetar desde novos medicamentos até plásticos biodegradáveis.
Aqui é onde a aprendizagem profunda entra em jogo: treinar modelos de IA em centenas de milhões de sequências de proteínas diferentes e suas estruturas subjacentes ajuda esses modelos a descobrir padrões na biologia sem necessariamente precisar fazer os cálculos caros que eram necessários.
Simular proteínas requer recursos computacionais tão intensos que instituições projetaram e construíram supercomputadores especificamente para lidar com isso, como é o caso do Anton 2, feito pelo Pittsburgh Supercomputing Center.
O boom das startups de medicamentos a partir de IA
O boom da tecnologia para descoberta de medicamentos não está vindo apenas das gigantes do setor. Desde 2021, US$ 7.7 bilhões foram investidos em startups de descoberta de medicamentos a partir de IA, segundo a Pitchbook.
Em um relatório publicado no início deste mês, a empresa de análise de dados observou que ainda há um forte nível de entusiasmo “por empresas iniciantes que integram IA na descoberta e desenvolvimento de medicamentos”. O surgimento da IA generativa também despertou esse interesse crescente, disse David Baker, diretor do Instituto de Design de Proteínas da Universidade de Washington.
“Isso sempre foi uma espécie de coisa lunática, fora do mainstream”, disse Baker. Agora, ele disse, “todo mundo está falando sobre isso”. Desde a fundação do Instituto de Design de Proteínas em 2012, mais de 20 startups foram criadas a partir do programa, disse Baker. Dez delas, incluindo a Archon Biosciences, que desenvolve nanomateriais para medicina regenerativa e câncer, surgiram nos últimos anos.
Na DeepMind, a pandemia de Covid-19 fez com que os pesquisadores realmente entendessem as consequências de suas pesquisas. Eles trabalharam por quase 5 anos para desenvolver o AlphaFold, e enquanto estavam retratando o modelo para sua segunda geração, o mundo inteiro começou a se abrigar por causa de um vírus misterioso. “Isso trouxe para casa a importância do problema”, disse Pushmeet Kohli, vice-presidente de ciência da DeepMind, à Forbes.
O resultado da pesquisa da DeepMind foi o AlphaFold 2, um modelo inovador que podia prever com tanta precisão as estruturas de proteínas que os organizadores do CASP, uma competição de pesquisa mundial para dobramento de proteínas, enviaram um e-mail perguntando se a empresa de alguma forma trapaceou, recordou Kohli, rindo.
O esforço foi tão promissor que Demis Hassabis, cofundador, criou uma empresa separada na Alphabet com base nos avanços do AlphaFold. Chamada Isomorphic Labs, a startup foca na descoberta de medicamentos e é liderada pelo próprio Hassabis. Apenas este ano, por exemplo, a Isomorphic Labs fechou acordos de pesquisa com a Lilly e a Novartis, coletivamente valendo quase US$ 3 bilhões se todos os marcos forem alcançados — e isso não inclui royalties de vendas de medicamentos potenciais.
Em 2022, a Nvidia lançou o BioNeMo, uma plataforma de IA generativa que ajuda os desenvolvedores a acelerar o treinamento, a implantação e a escalabilidade de grandes modelos de linguagem para descoberta de medicamentos. Na Nventures, a divisão de capital de risco da fabricante de chips, 7 dos 19 negócios da unidade são de startups de descoberta de medicamentos a partir de IA, incluindo Genesis Therapeutics, Terray e Generate Biosciences.
“A indústria de design assistido por computador criou a primeira empresa de chips de US$ 2 trilhões”, disse Powell, referindo-se à Nvidia e sua ascensão estratosférica ao longo do último ano. “A indústria de descoberta de medicamentos assistida por computador também pode construir a próxima empresa farmacêutica de trilhões de dólares. É por isso que estamos investindo da maneira que estamos”, acrescentou.
Várias outras gigantes da tecnologia têm seus próprios esforços no campo de dobramento de proteínas. No ano passado, a Salesforce estreou o ProGen, um modelo de IA para geração de proteínas, e a Microsoft lançou o EvoDiff, um modelo semelhante, mas de código aberto. A Amazon também lançou ferramentas de dobramento de proteínas para o SageMaker, sua plataforma de aprendizado de máquina da Amazon Web Service (AWS). Até mesmo a ByteDance, empresa-mãe do TikTok, parece estar recrutando equipes de ciência e design de medicamentos, relatou a Forbes em janeiro.
Os desafios no caminho
Apesar da promissora promessa de descoberta de medicamentos com a ajuda de inteligência artificial, existem contratempos. São necessários anos de pesquisa para que eles cheguem ao mercado.
Em alguns casos, as dificuldades associadas à descoberta de remédios fizeram com que grandes empresas de tecnologia abandonassem essa pesquisa. Em agosto passado, a Meta, empresa-mãe do Facebook, fechou sua equipe de dobramento de proteínas.
Um gargalo importante no qual as empresas de tecnologia precisarão se concentrar é ter dados de treinamento suficientes. Modelos fundamentais mais novos, como o GPT, dependem de aprendizado por reforço, um método em que os algoritmos podem processar informações não rotuladas por tentativa e erro. Isso os torna ainda mais dependentes de dados de alta qualidade, disse Anna Marie Wagner, chefe de IA da empresa de biologia sintética Ginkgo Bioworks à Forbes.
No verão passado, sua empresa entrou em uma parceria estratégica de cinco anos com o Google Cloud para combinar sua expertise em IA com a capacidade do Ginkgo de gerar rapidamente dados biológicos em seus laboratórios automatizados.