As tradings globais de grãos estão usando satélites e agentes de campo para monitorar os produtores de soja no Brasil, além de disporem de um exército de advogados para ajudá-las a garantir o cumprimento de contratos fechados no ano passado, quando o preço pré-fixado da oleaginosa chegou a ser metade do valor atual.
Em jogo estão bilhões de dólares e a inviolabilidade dos contratos de grãos no Brasil, maior exportador mundial de soja e país responsável por cerca de 50% do comércio global do produto.
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A soja atingiu seu maior nível em oito anos e as exportações brasileiras dispararam, especialmente para a China, que precisa dela para fazer ração animal e recompor um rebanho de suínos devastado pela peste suína africana.
Se os sojicultores entregam, os comerciantes obtêm os lucros. Se os produtores conseguem renegociar seus contratos, eles poderiam dobrar o valor do negócio.
As disputas testaram uma cultura algo informal na indústria de soja brasileira, que movimenta US$ 45 bilhões num ano. De um lado, os produtores dizem que os comerciantes estão exigindo a entrega da soja mesmo quando nenhum contrato foi assinado. Há casos em que a venda foi feita pelo WhatsApp. Em outros, os compromissos foram assumidos por telefone ou e-mail.
Só que os contratos pré-fixados de soja ficaram menos atraentes para o produtor agora, já que os preços subiram 71% desde maio de 2020, quando muitos compromissos de venda foram fechados.
Isto fez com que tradings multinacionais usassem métodos mais agressivos para garantir que o produtor mantivesse a palavra.
Nancy Franco, cujo escritório de advocacia representa as grandes comercializadoras de grãos que atuam no Brasil, disse que o número de ações judiciais contra sojicultores foi a 40 nesta temporada, comparado a “dois ou três” em anos anteriores.
Isto porque alguns produtores decidiram tentar renegociar preços, situação inaceitável para os clientes dela.
“Neste ano as tradings estão agindo de maneira mais pró-ativa”, disse Nancy, que não tem autorização para discutir casos concretos.
No Brasil, os contratos com preços pré-fixados dão liquidez para toda a cadeia, servindo para garantir a venda de insumos, maquinários até o financiamento da safra. Mesmo assim, alguns sojicultores acusam os compradores de assediá-los e violar sua privacidade para garantir a entrega de produto.
A última onda de inadimplência dos sojicultores no Brasil ocorreu em 2003 e 2004, quando a ferrugem da soja devastou as lavouras.
Neste 2021, contudo, cláusulas de “força maior” somente se aplicariam a um pequeno número de produtores, dizem as tradings. Segundo as empresas, aqueles que buscam uma renegociação estariam na verdade tentando lucrar com os preços mais altos da soja.
B.O. EM GOIÁS
Num boletim de ocorrência feito em março, um produtor goiano alegou intimidação por parte de uma empresa contratada pela Gavilon do Brasil.
O produtor disse à polícia que sua propriedade estava sendo filmada sem autorização e que a empresa contratada estava espalhando no mercado que a soja dali lhe pertenceria.
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A peleja diz respeito a 12 mil toneladas da oleaginosa, cujo valor de mercado seria de quase US$ 7 milhões a preços atuais.
A Gavilon, com sede nos Estados Unidos, disse à Reuters que seu contrato com o produtor goiano é legal e vinculante. A empresa acrescentou que a alta dos preços da soja criou desafios para os compradores de grãos no Brasil.
Ainda assim, a Gavilon afirma ter conseguido fazer cumprir a maioria dos contratos em disputa, recebendo o produto comprado.
No ano passado, antes de plantar uma semente sequer, os produtores de soja brasileiros já tinham vendido um volume sem precedentes da produção futura. Naquele momento, os preços pareciam atraentes.
Só que, nos meses seguintes, os estoques mundiais cada vez mais escassos estimularam uma alta de preços ainda maior.
A compra da soja com antecedência garante o abastecimento e fixa os preços da oleaginosa, que pode ser processada ou exportada.
Enquanto as empresas e seus advogados jogam duro para fazer cumprir os contratos, formais ou informais, os produtores insistem que uma cláusula de “washout” lhes dá o direito de rescindir os contratos sem pagar multas de 30% a 50% do preço à vista da soja comprometida.
“Não admitimos que seja falado em descumprimento contratual. A gente admite que seja falado em resolução contratual”, disse Wellington Andrade, diretor-executivo da Aprosoja.
Para Alessandro Reis, COO da CJ Selecta, que é parte do grupo sul-coreano CJ Cheiljedang, a coordenação entre as tradings para proteger a instituição dos contratos pré-fixados foi fundamental na safra atual.
Ele afirma que o desrespeito a esses contratos traz um risco de “quebra na cadeia” por falta de liquidez.
O grupo CJ originou cerca de 4 milhões de toneladas de soja no Brasil na temporada para processar e revender para clientes internacionais como Unilever e produtores de salmão noruegueses.
A CJ Selecta tinha cerca de 2.000 contratos de soja ativos e mais de 400 fazendas sob monitoramento nesta safra, disse Reis. O objetivo foi garantir que os produtores não desistissem de vender a soja já contratada para obter preço maior de outro comprador.
Em fevereiro, após monitorar uma propriedade em Minas Gerais, a CJ Selecta conseguiu uma ordem judicial para arrestar 3.600 toneladas de soja. Documentos do processo judicial movido pela empresa mostram que o produtor se comprometeu a vender a soja, em maio de 2020, entre R$ 90 e R$ 95 por saca, mas depois tentou fazer um negócio melhor.
CONVERSAS DE WHATSAPP
Usando evidências colhidas em mensagens de WhatsApp, Marcus Reis, advogado da empresa Agrobom, obteve uma ordem judicial para arrestar milhares de sacas de soja de produtores que queriam renegociar os preços.
A Agrobom tinha contratos de venda de soja para a Bunge, e não teria como comprá-la no mercado à vista se o vendedor não entregasse o produto, disse o advogado.
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Na maioria dos casos, as decisões da Justiça foram favoráveis às empresas de grãos, embora os produtores tenham argumentado que contratos informais não deveriam ser vinculantes.
“Teve esta conversa de WhatsApp em fevereiro do ano passado com o Marcelo tentando vender a soja”, disse Nelson Barduco, que defende Marcelo Rezende, um dos sojicultores processados pela Agrobom. Ele disse que depois o produtor não quis assinar um contrato formal.
Segundo a Agrobom, um simples “ok” do produtor constitui um compromisso real, especialmente quando as partes já têm um relacionamento comercial. Já Barduco diz que seu cliente teve que aceitar R$ 80 por saca de soja, metade do valor de agora, caso contrário o processo poderia se arrastar por anos enquanto a soja ficaria em um armazém.
Rezende e outros sojicultores envolvidos em processos judiciais se recusaram a falar com a Reuters.
Dois produtores de Mato Grosso confirmaram que alguns de seus pares quebraram seus contratos.
Um deles disse que foi porque as chuvas atrapalharam a colheita no principal Estado agrícola do Brasil. O outro conhece produtores que teriam desviado a soja do comprador original, causando constrangimento na comunidade local.
Uma fonte próxima à trading estatal chinesa Cofco disse que a inadimplência do produtor aumentou “duas ou três vezes” em relação às temporadas anteriores. A empresa investiu em monitoramento e tecnologia de satélite “sabendo que esta temporada seria desafiadora”.
A Cofco não respondeu ao um pedido de comentário.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) anunciou em fevereiro a criação de uma ferramenta que permite aos compradores de grãos compartilhar informações sobre os sojicultores, além de alguns detalhes dos seus contratos.
A plataforma, que desagradou a alguns produtores, é administrada por terceiros e respeita as leis do Brasil, diz a Abiove.
Juntamente com o monitoramento realizado pelas tradings nesta safra, a ferramenta ajudou a manter a inadimplência abaixo de 1% dos contratos, disse André Nassar, presidente da associação.
A ferramenta poderá também ser usada para monitorar os produtores de milho no Brasil, mas a decisão não está tomada, disse.
Membros da Abiove como Bunge e Louis Dreyfus Co. não quiseram comentar.
O presidente da Cargill no Brasil, Paulo Sousa, admitiu preocupações com inadimplência dos contratos neste ano, mas disse que os problemas são “isolados”.
A ADM não respondeu a um pedido de comentário.
A Aprosoja, por sua vez, criticou o compartilhamento de informações acerca de contratos privados de soja, dizendo que isso poderia violar as leis de proteção de dados.
“Isto aí é um sistema de monitoramento para (coibir) o produtor que quer resolver o seu contrato…(fazendo-o) entrar numa lista negra”, disse Andrade. (Com Reuters)
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