Entrou em vigor ontem (1), o Plano Safra 2021/22, com um montante de crédito rural destinado aos produtores da ordem de R$ 251,22 bilhões, valor 6,3% acima do volume de recursos dedicados à safra encerrada no dia 30 de junho. Mas, na sua apresentação em 23 de junho, a agrônoma e produtora rural Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não conseguiu esconder um descontentamento: os recursos destinados ao PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural), na qual o governo federal cobre uma parte dos sinistros pagos, tornando a ferramenta mais atrativa para o produtor.
Os valores do PTSR (Plano Trienal do Seguro Rural), que é anual e não pelo ano safra que vai de julho a junho do ano seguinte, estão projetados até 2024. Serão R$ 1 bilhão em 2022, mais R$ 1,22 bilhão em 2023 e R$ 1,66 bilhão em 2024. Os valore são uma intenção, já que faz parte do orçamento do governo federal e podem ser contingenciados. É o que está ocorrendo neste ano, com menos recursos do que foi previamente orçado.
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Para falar do seguro rural e sua importância no campo, a Forbes conversou com o médico veterinário Joaquim Francisco Cesar Neto, presidente da comissão de seguro rural da FenSeg ( Federação Nacional de Seguros Gerais), que reúne cerca de 100 seguradoras de todos os setores da economia, além de ser superintendente de produtos agro da Tokio Marine Seguradora. Atualmente, o país conta com 14 seguradoras que comercializam produtos rurais.
Confira a entrevista e também o Especial Seguros na edição de junho da Revista Forbes (link no final da página).
Forbes: Com o que o produtor pode contar atualmente para segurar a sua produção?
Joaquim Cesar Neto: O seguro agrícola garante os eventos climáticos. São exatamente aqueles eventos que o agricultor não acha outra possibilidade que não o seguro para transferir riscos. O agricultor, quando alcança anos seguidos de safras recordes, é porque ele tem investido mais em tecnologia para produzir mais. Junto com as empresas do segmento, como as de insumos, sementes, fertilizantes e defensivos. Mas os eventos climáticos têm acontecido – e que bom que não é em todo o Brasil, porque o país é muito grande -, mas em algumas regiões ele tem ocorrido com intensidade bem severa.
Por exemplo, a gente está acompanhando isso agora no milho da segunda safra, o milho do inverno. O momento do plantio já não estava em condições climáticas muito favoráveis. Ele acabou sendo espremido na janela de plantio por conta da colheita da soja. Mesmo o produtor que conseguiu plantar dentro do zoneamento agrícola, com toda a tecnologia, muitas vezes pode ter perda. Essas perdas estão se concretizando no acompanhamento que a gente tem feito, que mostra uma perda de renda que pode chegar a 27% da renda que teria. Se esse produtor não contratou seguro, ele vai perder.
F: Qual é a atual demanda por seguro?
JN: O seguro agrícola tem crescido muito. De janeiro a abril deste ano, os dados mais recentes fechados na Susep (Superintendência de Seguros Privados), mostram um aumento de 41% do que fizemos no ano passado. É um crescimento muito importante para quatro meses do ano. Os agricultores puderam contratar o seguro por conta do programa de subvenção. No ano passado, o volume de subvenção foi de R$ 880 milhões. E o mercado das seguradoras acabou emitindo R$ 3,370 bilhões. O PSR garante uma parte do prêmio, de 20% a 60%. No ano passado, pela primeira vez tivemos quase 100% dos segurados contemplados no PSR. Não faltou recursos.
F: Mas há muita dúvida sobre o resto do ano, do que pode ocorrer até dezembro.
JN: Existem três pontos para a subvenção: o limite do agricultor (que subiu para R$ 60 mil neste Plano Agrícola), a questão de não estar inadimplente com o fisco tributário federal e o volume de recursos do PSR. No ano passado e até agora não houve problema com o volume de recurso. Mas agora, até o final do ano, temos um cenário bem diferente. Porque as commodities tiveram um aumento na sua valoração, e mesmo os insumos sofreram aumento, principalmente por conta da desvalorização do real frente ao dólar porque a maioria deles são importados. Então, o que a gente imaginava de necessidade para este ano era de R$ 1,5 bilhão. Até o dia 25 de maio havia R$ 768 milhões.
F: Como fica o cenário então, com os cortes orçamentários?
JN: Está bem apertado. Estamos buscando formas de recompor esse orçamento até o final do ano para tentar atender o mesmo número de segurados do ano passado. Existe aí uma alteração que o Ministério da Agricultura também fez, reduzindo o percentual de subvenção para a soja, buscando atender a todos os agricultores, porque a soja é o maior demandante por seguro. A gente imagina que tem um trabalho pela frente para buscar recomposição dos recursos para atender os agricultores ainda neste ano. E também o que se propôs no Plano Safra Trianual são valores muito baixos para os próximos três anos: R$ 1,22 bilhão em 2022, R$ 1,32 bilhão em 2023 e R$ 1,66 bilhão em 2024.
F: Em relação aos recursos anunciados para 2024, parece que é a demanda do mercado para já.
JN: Sim, a própria ministra da agricultura, no seu pronunciamento, posicionou uma dificuldade para que o Ministério da Economia desse mais recursos para o PSR. Temos um grande trabalho para reverter isso para os anos futuros.
F: Quais as maiores demandas por seguro hoje, além da soja?
JN: A captação de seguros está, principalmente, para grãos. No caso de grãos, temos dois momentos com a safra de inverno e de verão. A safra de inverno já foi toda contratada e os principais grãos foram milho segunda safra e trigo. Frutas e hortaliças têm uma boa contratação, mas muito menor que a contratação de grãos de verão, onde a soja é o carro chefe. Há uma busca por maior produção de milho no verão em algumas regiões, mas não supera a da soja por causa dos bons preços.
F: O sr. acredita em outras culturas puxando o mercado de seguros, já que ele cobriu apenas uma área de 10 milhões de hectares no ano passado?
JN: Isso é 20% da área plantada, é muito pouco. Temos uma característica no Brasil de pouca cultura na contratação de seguro de todos os ramos. Até automóveis, que a gente imagina estarem todos segurados, não estão. São cerca de 30% somente. Há uma necessidade de mudança de cultura. No caso do seguro rural, o que a FenSeg tem feito é capacitar os corretores para que se especializem mais e divulguem o produto seguro agrícola para os seus clientes. O Mapa também posicionou, no Plano Safra, que todas as outras culturas ficam com 40% de percentual de recurso de subvenção. Talvez isso favoreça que produtores de outras culturas (frutas, hortaliças, café e cana) também se interessem mais por contratar seguro. Na contratação o percentual varia: 40% é o recurso que o Mapa vai apoiar, exceto para a cultura da soja 20%.
F: O preço do seguro, considerado caro pelos produtores, não é um limitador?
JN: Não, se compararmos com outros ramos de seguro. Um automóvel, na maioria das vezes, está ligado a passeio ou deslocamento para trabalho, exceto Uber e táxi. No seguro agrícola, o valor segurado é a produção do agricultor. É dali que ele vai tirar o sustento da família. Se não conseguir cumprir com as contratações de entrega da soja, do milho, ele pode demorar três safras para voltar às mesmas condições anteriores. Mas com o seguro, o produtor recebe a indenização em 30 dias e a safra seguinte começa do zero, sem dívida.
F: E como ficam as contratações sem recursos do PSR?
JN: Prevemos para este ano que deve haver um aumento na contratação de seguro, mas nem todos os agricultores conseguirão ter o recurso de subvenção. Isso aconteceu nos anos anteriores a 2020. Por exemplo, em 2019, na contratação do seguro nem todos os agricultores conseguiram ser atendidos no volume de subvenção, mas continuaram contratando. O que a gente imagina é que se houver recurso de subvenção, o agricultor vai ser estimulado a contratar mais o seguro rural, aumentando a área plantada segurada.
F: Como dar mais garantia ao produtor?
JN: O PSR é um recurso contingenciável e precisa de aprovação do congresso para ser executado, embora parte dele tenha recurso obrigatório, através do Proagro. Não pode ser contingenciado. Nós batalhamos justamente para, no momento da contratação do seguro, termos a certeza de que haverá recurso para aquele determinado agricultor, que não haja dúvida.
F: O Brasil continua longe de outros sistemas de seguro rural, como o dos Estados Unidos, por exemplo…
JN: Sim, muito longe. Mas veja o exemplo de dois países do Brics, China e Índia. Os programas de subvenção desses países são mais recentes do que o nosso, que tem 16 anos, e lá eles já garantem 80% da área plantada assegurada.
F: O que eles fizeram lá, para crescer, que o Brasil não faz?
JN: Os volumes de aportes aos programas de subvenção são bem elevados, bem maiores que o nosso. Eles destinam mais recursos para amparar os agricultores. Isso é o que está faltando, aqui para o bolo ficar mais apetitoso.
F: O Brasil é atrativo para as empresas seguradoras?
JN: Sim. Hoje são 14 e o ministério da agricultura já nos posicionou sobre mais quatro seguradoras ingressando no mercado agrícola.
F: Como é a distribuição dessas empresas no país?
JN: A maioria das seguradoras concentra os seus esforços de captação de negócios nos estados do Centro-Sul: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal, principalmente para grãos. Algumas ampliam para norte e nordeste, em outras culturas, como frutas e hortaliças, café, cana e por aí vai.
F: Qual a relevância de regiões de fronteira, o Matopiba, por exemplo, onde há eventos climáticos?
JN: O problema climático é intrínseco à atividade agrícola. O agricultor sabe que ao plantar existe o risco climático. Há regiões onde os riscos são mais conhecidos, pelo acompanhamento ao longo das várias safras. Mas, na última década, com as alterações climáticas vindas por causa de El Niño e La Niña, isso mudou bastante. Então, pode acontecer de termos uma previsão para as fronteiras agrícolas que acabam não se concretizando, ou vice-versa. O que as seguradoras buscam é distribuir os seus riscos. Porque o seguro agrícola tem uma particularidade diferente dos outros tipos de seguros: os eventos são correlacionados. Todos ao mesmo tempo podem ter sinistro. Isso não acontece no seguro de vida, de automóvel, no residencial e assim vai. Ocorre também que nessas regiões de fronteira, os agricultores têm menos cultura de seguro, ainda buscam menos a transferência dos seus riscos para o seguro.
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