A venda direta de etanol hidratado, conforme medida provisória editada hoje (11), não deve atingir os objetivos pretendidos pelo governo, como a redução dos preços dos combustíveis em grandes polos consumidores, disseram especialistas e integrantes do setor.
Além disso, a negociação sem intermediários com os postos também aumenta riscos de sonegação de tributos, pois tira do jogo importante elo arrecadador de taxas –a distribuição–, em um mercado no qual o etanol já é responsável por grande parte do montante sonegado no Brasil, estimado em R$ 24 bilhões por ano.
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No que diz respeito à redução de preços, a MP que torna facultativa a venda direta de etanol seria “inócua”, disse o representante de uma importante distribuidora que preferiu falar no anonimato. Isso porque a negociação direta seria custosa principalmente para a entrega do produto em grandes centros urbanos, aqueles mais distantes de polos produtores.
“A venda direta pode ganhar mais estímulo em regiões em que usinas estão próximas de polos consumidores. Em grandes centros consumidores, na maior parte das vezes, não é o caso”, disse à Reuters a analista inteligência de mercado em açúcar e etanol da consultoria StoneX, Rafaela Souza.
“Pode ser que usinas continuem optando nestes casos (em entregas para grandes centros) para a venda via distribuidores. Então é possível que o impacto de vendas diretas (nos preços) seja mais reduzido”, comentou ela, destacando que o setor de distribuição tem “infraestrutura melhor para comercializar os combustíveis nos grandes centros”.
Uma redução nos preços dos combustíveis é desejável pelo governo especialmente em momento em que o item pesa na inflação, com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) registrando uma alta de quase 9% em 12 meses, enquanto a gasolina vendida pela Petrobras nas refinarias tem alta no ano de cerca de 50% na esteira dos ganhos do petróleo.
Segundo a analista da StoneX, a venda direta poderia permitir um preço menor do etanol se envolvesse um menor custo logístico, algo que só deve ser registrado em áreas em que os polos produtores ficam próximos das cidades. O diretor-executivo de Finanças, Compras e Relações com Investidores da BR Distribuidora, André Natal, concorda, ressaltando que após estudos ficou identificado que a venda direta de etanol “não faz sentido para a esmagadora maioria dos casos”.
“A não ser para casos muito específicos, algum posto que esteja ali do lado de uma usina, que poderia fazer sentido uma venda ali, mas do ponto de vista logístico a operação como é hoje é com muito mais escala. O etanol sai da usina para uma base e daquela base sai em veículos menores, em entrega mais pulverizada, inclusive com vários produtos”, explicou ele, em conferência com investidores nesta quarta-feira.
“Então fisicamente quando se olha… não se vê benefício direto efetivamente para preço e custo de combustível, quando se faz venda direta.”
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Valéria Lima, secretária-executiva de Dowstream do IBP, entidade que reúne empresas de petróleo e combustíveis, também afirmou não ver “esse alcance de redução de preços”. “Se for, será bastante limitado. Inclusive a própria manifestação do governo fala em potencial redução de preços. Ele não mostrou realmente os possíveis resultados”, disse. “(A venda direta) vai acontecer, mas é muito limitada. É uma medida de alcance limitado. Se o produtor tiver que levar o produto longe, vai ter que investir em logística.”
RISCOS DE SONEGAÇÃO
A analista da StoneX comentou ainda que as questões tributárias para a venda direta também não são simples, o que “levou a um atraso no anúncio da medida”. Rafaela comentou que as vendas diretas também elevam os riscos de sonegação no setor de combustíveis, um problema que já alcança montantes de R$ 24 bilhões por ano, segundo cálculos do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).
“Aumenta brechas para sonegação, tem este questionamento, a ideia da (reguladora) ANP era de que houvesse uma distribuidora vinculada nas usinas, para ser realizada a arrecadação, parece que a ideia vai se tornar obsoleta”, comentou ela.
Dois representantes de distribuidores de combustíveis, que falaram com a Reuters, também citaram os riscos maiores de sonegação de impostos, caso a implementação da medida, que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, seja efetivada. “A medida pode aumentar sonegação no etanol, porque o recolhimento de impostos seria declaratório, os produtores podem declarar ter vendido tanto para distribuidora, mas vender direto para o posto, assim recolhem menos”, declarou uma das pessoa, ressaltando que também ficará difícil garantir a qualidade do produto, algo garantido pelas distribuidoras.
A outra fonte do setor de distribuição lembrou que o segmento tem grande capacidade de armazenagem, o que de maneira geral não acontece com as usinas, que despacham grandes volumes em larga escala. “É uma narrativa muito equivocada… Isso não vai baratear, vai piorar ainda mais… é uma discussão inócua”, disse a fonte, apontando também riscos de sonegação, lembrando que os combustíveis fósseis têm menos esse problema porque a Petrobras está mais envolvida no processo.
No caso do etanol, produtores e distribuidores recolhem o imposto, mas tem muita empresa de fachada sonegando tributos, acrescentou a fonte, algo que tende aumentar com a nova forma de comercialização. Procurado, o Ministério de Minas e Energia não comentou o assunto imediatamente. O Ministério da Economia disse que o MME se encarregaria do assunto.(Com Reuters)
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