A Frísia Cooperativa Agroindustrial, que reúne quase 900 produtores de grãos e de bovinos de leite e suínos da região paranaense dos Campos Gerais, anunciou no início deste ano que vai investir R$ 1 bilhão, decisão que faz parte do projeto “Rumo aos 100 Anos”, data a ser comemorada em 2025. Para uma cooperativa que opera em nome de um grupo, decisões estratégicas são o resultado de um longo processo de discussões internas e de um planejamento que é, antes de tudo, comunitário. Não por acaso, o motor que vai girar a saída de dinheiro do bolso dos produtores têm um elemento que hoje está na ordem das maiores e mais organizadas empresas privadas: ação baseada no tripé do movimento ESG (na tradução do inglês, ambiental, social e governança). “A profissionalização, a gestão das propriedades olhando para elas como sucessão e ao mesmo tempo olhar quais são as possibilidades de desenvolver uma atividade sustentável economicamente, socialmente e ambientalmente, é um tripé que tem de estar muito equilibrado com os nossos produtores. Mas isso serve para qualquer atividade”, diz o produtor Renato Greidanus, cooperado desde 1978 e atual diretor-presidente da Frísia.
Greidanus está certo, mas o que muda para as cooperativas nos dias atuais, com a corrida pelo ESG? De modo geral, as cooperativas têm como discurso serem por essência e origem estruturas ESG desde a sua criação. A Frísia, por exemplo, foi criada por um grupo de produtores rurais em 1911 para incrementar o comércio das propriedades. Mas foi nos anos 1940 que começou a ganhar nome entre os consumidores, quando passou a se chamar Batavo, ganhando escala e se posicionando hoje como uma das principais marcas de laticínios do mercado brasileiro. Atualmente, a marca pertence à francesa Lactalis. O nome Frísia veio em 2015, com uma maior diversificação de produtos e produtores de outras atividades, como os suinocultores. Para o executivo, o trabalho em grupo e comunitário das cooperativas no cenário ESG passa pela reflexão sobre “o que nós, como cooperativa, somos e qual é o nosso papel?”
As cooperativas se tornaram grandes e robustas, de fato, surfando e mergulhando em processos refinados de gestão, afiados em modelos empresariais privados. Ou seja, passaram a ser geridas como empresas privadas, em busca de resultados de produtividade e eficiência. Segundo a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), o país possui 17,1 milhões de cooperados em 4.100 cooperativas, das quais 1.600 mil são do agronegócio. Os dados são de 2019 (os do ano passado ainda não foram apresentados).
Olhadas no conjunto, as cooperativas são gigantes, com um ativo da ordem de R$ 495 bilhões. Apenas os tributos geraram aos cofres públicos R$ 11 bilhões. “Sim, é importante gerar valor, mas ele não é só monetário, o valor é para a sociedade” afirma Greidanus. “Quando há uma distribuição de resultados, ele fica dentro do município de atuação da cooperativa, seja através dos colaboradores ou através dos cooperados. A gente quer projetar essa ‘empresa’, que envolve diretamente mais de 3.000 pessoas.” Nesse caso, que é a distribuição das sobras, o que seria o lucro das empresas privadas, o valor foi de R$ 14,8 bilhões no país. Na Frísia, as sobras no ano passado foram de R$ 170 milhões.
A sigla ESG vem servindo para modular atividades de grandes empresas que estão nos Campos Gerais, região marcada pelo troperismo, povos tupis e uma legião de imigrantes que vão de alemães a italianos. O agronegócio da região atraiu empresas do porte de Ambev, Bunge, Cargill, Klabin, CCR, Tetra Pak, Heineken, Louis Dreyfus e Rumo, entre outras, mas foram as cooperativas que melhor conseguiram traduzir um modelo de construção social dessa parte do país e hoje também querem se reinventar. A sede da Frísia, por exemplo, está em Carambeí, município no qual os produtores de leite detêm índices de produtividade de suas vacas comparados aos melhores resultados de grandes e eficientes produtores globais, como os Estados Unidos. São 9.000 litros de leite por vaca/ano, mesma faixa dos norte-americanos. A média brasileira é de 2.000 litros.
A Frísia processou no ano passado 280 milhões de litros de leite, 860 mil toneladas de grãos, 27 mil toneladas de carne suína e 140 mil toneladas de madeira produzidas em florestas plantadas. A receita foi de R$ 3,7 bilhões em 2020, ante R$ 2,9 bilhões no ano anterior, valor que a coloca no grupo das grandes empresas que operam no país. Neste ano, de janeiro a junho, a receita chegou a R$ 2,47 bilhões, valor 53,9% acima do mesmo período do ano passado.
O investimento bilionário tem como meta adicionar aos resultados dos negócios já estruturados outras 100 mil toneladas de soja, mais 100 mil toneladas de trigo, milho e cevada; além de mais 100 milhões de litros de leite, de dobrar a quantidade de leitões produzidos e de dobrar a produção da fábrica de ração. Na conta também está o aumento de 1 milhão de sacas de sementes, dobrar o faturamento do moinho de trigo e dobrar a área de atuação no estado do Tocantins. A Frísia está em 30 municípios paranaenses e, desde 2016, em 14 municípios do Tocantins.
O valor de R$ 1 bilhão será distribuído nas três frentes de atuação da Frísia: grãos, carnes e lácteos e setores de apoio, como fábrica de ração, armazenagem, indústria de processamento, logística e serviços que vão de lojas agropecuárias a postos de combustível. “Estamos trabalhando, principalmente junto ao governo do Estado e municípios, estudando os incentivos que eles possam eventualmente nos fornecer para instalarmos esses investimentos”, declara Greidanus. Embora estejam em confidencialidade, o executivo dá pistas seguras do caminho que a cooperativa está trilhando. “Existe uma preocupação muito grande do mundo com relação à pegada de carbono e a gente tem um trabalho muito forte nesse sentido para estarmos inseridos nesse mundo cada vez mais globalizado, buscando uma neutralização da nossa pegada de carbono.”
Há várias ações em aberto, mas as energias renováveis são um dos destaques. A Frísia já possui programas de uso racional da água e investimento em biodigestores. Um exemplo é o Fundo Azul nos municípios de Castro, Piraí do Sul e Carambeí, para reduzir o aporte de matéria orgânica nos mananciais de abastecimento. Os biodigestores também estão na jogada. “A gente tem um programa desenvolvido junto a propriedades para usarmos realmente o metano como uma fonte de energia”, afirma Greidanus. “Na pecuária ou na agricultura, a gente quer oferecer para o mundo um produto que tenha uma pegada zero.” Além disso, a cooperativa já possui um programa para financiar a geração de energia através de placas fotovoltaicas. “É um incentivo para que o produtor possa fazer investimento na área dos biodigestores e, lógico, usar também dejeto como fertilizante para ajudar na produção.” De acordo com o executivo, cerca de “10% dos produtores têm um sistema de produção de biogás na propriedade, ou energia fotovoltaica e usando o dejeto”.
Os resultados em escala vêm das inovações. O executivo acredita que “a inovação não é algo que você tem que, de repente, virar sua propriedade de cabeça para baixo, mas são por vezes coisas simples que podem melhorar muito os teus resultados”. Na agricultura, a Frísia implantou a plataforma Sigma, na qual é possível realizar avaliações de campo, recomendações de manejo e análises por satélite. Mas deve se estender aos outros setores da cooperativa. “O produtor vai conseguir ter uma assistência técnica muito mais assertiva. Porque o Sigma, na verdade, não é só uma ferramenta para agricultura, mas a gente quer estender isso também para pecuária”, diz Greidanus. “Com ela, é possível profissionalizar cada vez mais os próprios controles financeiros das propriedades, criar programas dentro da cooperativa, em que o produtor possa ter os números dele na mão usando a própria estrutura cooperativa para fazer a sua contabilidade gerencial e econômica”. Para ele, a cooperativa vai ser, cada vez mais, uma alavanca social para que os produtores possam alcançar seus objetivos.
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